Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

30 setembro, 2006

POEMAS


Nestes dias que passam
ouço a tua voz por todo o lado
sinto o aroma
da tua presença
em cada canto
vejo o teu sorriso
cavalgando o vento
e o teu nome
como uma estrela brilhante
no interior da noite
aparece escrito
em cada página
da vida.


28.07.06

28 setembro, 2006

O MUNDO EM QUE VIVO


“A democracia na realidade não existe. Quem verdadeiramente manda são as instituições que não têm nada de democráticas, como o Fundo Monetário Internacional, as fábricas de armas, as multinacionais farmacêuticas.”

JOSÉ SARAMAGO ao jornal italiano “La Stampa”

Por mim, estou de acordo com o escritor. Vivemos todos nessa doce ideia de que somos Homens livres só porque vos estou a escrever este mail e de que posso chegar à rua e gritar a plenos pulmões, mas pergunto, é essa a liberdade que os seres humanos anseiam, lhes permite uma vivência social igual em direitos e deveres? Para que me serve a liberdade se nada posso fazer com ela para além da minha consciência? Posso participar, protestar, tentar influenciar os acontecimentos, mas é só esse o papel que me destinam? Quem detém o poder, quem dele usufrui e beneficia? Não são esses os únicos homens livres? E se só da liberdade falo, é porque os restantes pilares da democracia, fraternidade e igualdade, já se foram há muito.
Ah, a opulência milenar que governa o mundo, nunca poderia ter desejado melhor. Pôr os cidadãos a participar, criando-lhes a ideia que a sua participação tem alguma importância!
Como dizia o Presidente do Partido Comunista Libanês, “não chega libertar a terra, é preciso também libertar os Homens”.

POESIA AO AMANHECER



Bom dia, meus Amigos

Voltamos após este curto intervalo de frio. Já vos disse aqui que ando a lidar com dificuldade com os crepúsculos, mais precisamente com o momento em que fica mesmo noite, em que tudo arrefece, em que olhamos e já não vislumbramos o horizonte e apenas nos aparecem as luzes que iluminam essas ruas que nos levam de regresso a casa. Ainda por cima é o momento em que deixamos os amigos, em que se quebra esse cordão umbilical. É na verdade um sentimento de perda, diria de grande perda. A consequência é que esse esfriamento da alma, arrasta uma perda de vontade, impossibilita-me de agir, de fazer coisas para mim essenciais que é ler e escrever. Só aquele meu velho problema do nariz me leva pela noite dentro, mas agora, mais a olhar do que a escrever. Ontem ao fim da tarde lá fiquei numa destas e deparei num dos canais com um filme que me fascinou quando o vi no cinema: Perfume de Mulher. Já disse uma vez que estou farto de ver filmes americanos, com americanos e sobre histórias americanas, como se não houvesse mais mundo. Mas aqui, Al Pacino supera-se. Um herói do Vietname (os americanos só tiveram heróis naquela guerra. Para além dos 58.000 mortos têm ainda uma quantidade de heróis vivos), cego que decide gozar um óptimo fim de semana na companhia de um jovem que contrata como guia, antes de se suicidar. Depois, claro não se suicida e ainda tem tempo para uma lição de moral que ficava bem aos europeus mas que os americanos gostam tanto de tomar como sua. Enfim! Acontece que o nosso herói reconhece pelo aroma todos os perfumes que as mulheres usam e há um momento na verdade sublime quando num restaurante de luxo ele pressente a presença de uma mulher jovem, como diz, sinto o cheiro a água e a sabão que é o odor que melhor se pode sentir nas mulheres, porque a água e o sabão são produtos naturais. A jovem é muito bela e, castrada pelo namorado que aguarda, arrisca a dançar um tango. É de facto um momento muito bonito que me fez recordar que na verdade as mulheres são dos seres humanos mais extraordinários. Pela beleza, do corpo e da alma, pelo sorriso, pelo olhar, pelos gestos, pelo carinho e pela ternura, são de facto seres insubstituíveis. Claro que quando nos apaixonamos damos inicio a uma tragédia, quando as deixamos entrar em casa aumentamos a tragédia e quando aceitamos que durma na nossa cama, a tragédia é completa. Mas essa, é já outra história que de forma alguma elimina a primeira parte.
Tenham um bom dia e, agasalhem-se, de preferência com........

PENSANDO, ENREDANDO SOMBRAS...

Pensando, enredando sombras nesta profunda solidão.
Também tu andas longe, ah mais longe que ninguém.
Pensando, soltando pássaros, desvanecendo imagens,
enterrando lâmpadas.

Campanários de brumas, que longe, lá no alto!
Afogando lamentos, moendo esperanças sombrias,
moleiro taciturno,
de bruços te vem a noite, longe da cidade.

A tua presença é alheia, estranha a mim como uma coisa.
Penso, caminho longamente, a minha vida antes de ti.
Vida antes de ninguém, minha áspera vida.
O grito frente ao mar, por entre as pedras,
correndo livre, louco, no bafejo do mar.
A fúria triste, o grito, a solidão do mar.
Desbocado, violento, estirado para o céu.

Tu, mulher, que eras ali, que sulco, que vareta
desse leque imenso? Estavas longe como agora.
Incêndio no bosque! Arde em cruzes azuis.
Arde, arde, chameja, chispa em árvores de luz.
Despenha-se, crepita. Incêndio, Incêndio.
E a minha alma dança ferida por aparas de fogo.
Quem chama? Que silêncio povoado de ecos?
Hora da nostalgia, hora da alegria, hora da solidão,
hora minha entre todas!
Ronca em que o vento passa cantando.
Tanta paixão de pranto agarrada ao meu corpo.
Sacudir de todas as raízes,
assalto de todas as ondas!
Rodava, alegre, triste, interminável, a minha alma.

Pensando, enterrando lâmpadas nesta profunda solidão.

Mas quem és tu, quem és?

PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada"

"É de assinalar que todos os objectos no Universo, desde o núcleo mais pequeno até à galáxia mais extensa, se mantêm unidos por meio de três forças fundamentais - a força nuclear, a força do electromagnetismo e a força da gravidade.
A mais potente é a força nuclear, que liga neutrões e protões uns aos outros para constituir o núcleo do átomo. Esta força de atracção extremamente potente faz com que as partículas do núcleo se mantenham unidas, formando um corpo muitíssimo compacto com uma densidade de milhares de toneladas por centímetro quadrado.
A seguir, a mais intensa é a força eléctrica (electromagnética), que é aproximadamente 100 vezes mais fraca do que a força nuclear. Esta força liga os electrões ao núcleo para formar átomos, e liga os átomos uns aos outros, constituindo matéria sólida.
A mais fraca é a força da gravidade. A força da gravitação é extremamente fraca, cerca de 10 (38) vezes mais fraca do que a força nuclear, e 10 (36) vezes mais fraca do que a força da electricidade."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"O mais a que podemos aspirar é ter "reformas revolucionárias". O que queremos é uma acumulação de reformas que se vão radicalizando e que a certo momento podem, ou não, criar momento de ruptura. Não viveremos num período revolucionário. Estamos, apenas, a tentar recuperar a nível global o reformismo que se perdeu a nível nacional."

BOAVENTURA SOUSA SANTOS, in "Manifesto", Novembro de 2002

Porto, 25 de Fevereiro de 2004

26 setembro, 2006

POEMAS


Agora
todos os dias
vejo o mar
assim
sereno, azul, infinito
com uma vela branca perdida
e é como se te visse a ti
o rosto no meio das águas
pensativa
as mãos pousadas na cintura
o olhar procurando o horizonte
e um leve sorriso
beijando a manhã
as gaivotas sulcam o ar
e vão soltando brandos
gritos com o teu nome

27.07.2006



25 setembro, 2006

DESPEDIDA


Companheiros, Camaradas e Amigos do CEG

A reunião do dia 2 de Dezembro foi de facto a última em que participei.

Traído pelos sentimentos, não me foi possível despedir-me de vós. Permitam-me agora duas palavras.

Venho de um pequeno país com 9 séculos de história, quase toda voltada para o Atlântico. Hoje tentamos olhar para a Europa que se encontra tão próxima e ainda tão longe.

Sou filho da clandestinidade e de uma revolução que semeou ilusões e esperança, alimentando sonhos na alma dos Homens que nunca tiveram nada. Depois, roubaram-nos as ilusões, prenderam-nos a esperança, mas os sonhos ficaram livres como os pássaros do meu país. Foi com sonhos que cheguei e sempre estive no Comité Europeu.

Retenho na memória, os companheiros, Eric Teisler e Francis Allemand, os primeiros que conheci nos arredores de Bruxelas no processo de fusão com a UAP. Jean Pierre Chemin e a sua fé inabalável no sucesso do CEG. Daniel Vaulot com a sua calma e paciência tornando o difícil parecer fácil. Jean Dennis, presente desde o início. Georges Amato com as contas sempre certas. Jean Pierre Sugier com o seu optimismo. Steave Blease, com a sua capacidade de síntese e as suas brilhantes conclusões. Domminique Tirmarche substituído por Prosper Van Der Meerch que não dispensa o seu flamengo natal. Uwe que Peter tem substituído de forma notável. Olivier Pelras sempre útil, e por último, os meus grandes companheiros do Comité: um, esse romano inesquecível, com a sua contundência, as suas palavras pertinentes e as suas observações certeiras e Lola, essa malaguenha que sempre teve só uma língua, a de Espanha, e nunca compreendeu o português, mas sempre solidária e amiga.

Sei que todos vós levareis ainda mais longe o diálogo e a concertação no interior do Comité. Tudo o que se construiu até ao momento pode ser ampliado com criatividade e perseverança, seguindo o exemplo que nos foi transmitido pelo historiador mexicano, Carlos Fuentes de que “sem a memória do passado não teríamos futuro e sem um projecto de futuro perderíamos a memória do passado”.

É assim este um tempo de mudança. De pessoas, de idades, de ideias. É um pouco trocar o passado pelo futuro, daí a minha partida.

Sou dos que acreditam num mundo diferente. Um poeta do meu país escreveu que já viu homens que morriam por qualquer coisa que amavam. Acredito num mundo de homens românticos e com ideais, um mundo livre e sem amos, onde a dignidade, o direito, ao trabalho, à educação e à cultura, sejam valores quotidianos reais, e deixem de ser reivindicações.

Tentei ajudar um pouco essa construção, com os únicos argumentos que possuo, a palavra da verdade e da razão. Umas vezes errei, outras ajudei, mas a intenção foi sempre imbuída de pureza.

Nunca pedi muito ao mundo e se alguma coisa desejo é, no fim, poder dizer como Agostinho Neto, poeta e primeiro presidente de Angola, “As minhas mãos/colocaram pedras/ nos alicerces do Mundo./Mereço o meu pedaço de pão”

Um forte e longo abraço para todos vós.

e não se esqueçam,

A LUTA CONTINUA
Dezembro de 2005

24 setembro, 2006

POESIA AO AMANHECER



Bom dia, Amigos

Estamos ainda nesse tempo da chuva e do frio que regressaram, fazendo-nos lembrar que o Inverno ainda tem mais um mês de vida. Hoje estamos menos e sem dúvida que se vai sentir o silêncio das ausências, dessa quebra da rotina que de alguma forma nos perturba.
No Sábado fui de viagem, às minhas amadas montanhas. Foram horas inesquecíveis. Subir o Marão às oito da manhã com um sol deslumbrante e três graus negativos. A paisagem era de fazer extasiar o olhar. É certo que faltava aquele tom cromático da Primavera, mas mesmo assim, era belo, muito belo e fazia-nos pensar que gostamos bastante de viver neste espaço da Terra e, que pese embora, tantas malfeitorias, vale a pena dias de cansaço, só para de quando em vez podermos abraçar toda aquela beleza.

POEMA DAS COISAS BELAS

As coisas belas,
as que deixam cicatrizes na memória dos homens,
por que motivo serão belas?
E belas, para quê?

Põe-se o Sol porque o seu movimento é relativo.
Derrama cores porque os meus olhos vêem.
Mas por que será belo o pôr do Sol?
E belo, para quê?

Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas,
mas só são coisas quando coisas percebidas,
por que direi das coisas que são belas?
E belas, para quê?

Se acaso as coisas foram coisas em si mesmas
sem precisarem de ser coisas percebidas,
para quem serão belas essas coisas?
E belas, para quê?

ANTÓNIO GEDEÃO

"Os grupos de galáxias constituem os mais vastos sistemas de matéria organizada que conhecemos, ocupando o topo da estrutura hierárquica do universo."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Há dois ou três anos era absolutamente dado como seguro que o mercado podia resolver todos os problemas do Mundo e aqueles que não resolvia podiam ser compensados por medidas pontuais, por exemplo, no domínio da saúde e da segurança social. Hoje este discurso acabou."

BOAVENTURA SOUSA SANTOS, in "Manifesto", Novembro de 2002

Porto, 23 de Fevereiro de 2003

23 setembro, 2006

POEMAS



Tenho saudades
saudades de ti
quanto mais o tempo desliza
mais a tua
ausência é sentida
O olhar,
o sorriso
o rosto pequeno
e a voz
essa voz impaciente
que dá vida
ao corpo e às formas.


26.07.06

22 setembro, 2006

GERÊS



Foi uma viagem longa, com imprevistos e cheia de aventura. Nada que não tivesse prometido. Bem, era uma caminhada para os melhores e estiveram todos à altura, até a Sónia que descobrimos ter um contencioso com as alturas. O dia estava bonito e a temperatura agradável quando com algum atraso começamos a erguer-nos acima da Cascata do Arado. Tal como já sabia este erguer era muito elevado e em três lanços sucessivos subimos mais de 150 mts. Era bonito tudo o que se via lá de cima. À nossa frente estendia-se um vale extenso finalizado por uma muralha de pedra. Foi agradável toda aquela hora e meia que nos levou a percorrer aquele longo espaço, sentindo todo o peso de um grande silêncio perdido no azul claro do infinito, com um intervalo a meio e a passagem por dois jovens campistas (?) e os seus dois cães. Já no final, decidimos seguir a indicação das mariolas mais visíveis e a escolha levou-nos a uma subida de muito, muito esforço, extremamente esgotante. De uma vez só, elevamo-nos a um patamar cerca de 150 mts superior ao vale que tínhamos percorrido. Exaustos, paramos para almoçar e tirar a fotografia colectiva. Decidimos continuar o que significava procurar o caminho de regresso. Disse que não era possível subir mais, mas com intenção de não desanimar, pois era mesmo possível subir e tivemos que nos erguer até a um cume 100 mts acima. Bem podemos dizer que desta vez, não chegamos ao céu mas arranhamos as nuvens. A partir daqui o caminho estabilizou, estava bem identificado e era fácil de percorrer, agora já com descidas. Passamos os Prados da Messe e rumamos a sul. Continuamos a passar por locais abertos a grandes horizontes que se intercalavam com espaços de muita serenidade, de grande calma, apelando ao repouso. O caminho agora era quase perfeito e parecia mesmo que tínhamos um encontro marcado com o fim da viagem, só que…, o mais difícil ainda não tinha chegado. Voltei a deixar o meu instinto de lado e segui as mariolas que tinha à frente. Pouco depois aparecia-nos uma garganta à distância, aparentemente intransponível, mas lá estava o caminho na encosta ao lado, só que 300 mts à frente terminava de forma imprevista. O que se seguia, quase me assustou. Uma descida com 200 mts, quase a pique, sem caminho. Não consegui perceber se havia condições para descer, mas percebi que não havia alternativa, pelo que me arremeti encosta abaixo à procura de saída. Com a ansiedade a sobrepor-se à razão lá cheguei ao fim de 45 minutos até ao ribeiro que estava naquele fundo imenso. Aquela descida fantástica e indescritível levou duas longas horas a fazer. Quando tive oportunidade de olhar 100 mts para cima e vi os outros companheiros uma onda de preocupação abalou-me a confiança. Quando vivemos em colectivo ocorre-nos estas coisas. Tive uma imensa vontade de voltar a subir para lhes prestar a minha modesta ajuda, mas as forças já não me deixaram. Se hoje olhássemos aquela encosta nenhum de nós acreditaria que faria aquela descida, mas foram todos companheiros de grande coragem. Restou a consolação de encontrarmos o caminho que há um ano tanto tinha procurado no início da nossa primeira viagem. Claro que comecei a mentir ao responder às perguntas sobre o tempo que faltava, mas menti em nome de uma boa causa. Não podia dizer que aquele desfiladeiro ainda tinha hora e meia de caminho, nem que o estradão que haveríamos de encontrar seria mais meia hora de caminhada. Fui “vendendo” dez minutos aqui, vinte minutos mais adiante. Já no fim, quando só faltavam descer 50 mts até à ponte em ruínas, surgiu um estradão rasgado na floresta a tentar o nosso cansaço para outros destinos, mas desta vez, resistimos. Descemos até ao rio onde a ponte já não existia e atravessamos a vau. A subida até à casa do Botânico foi feita já com o crepúsculo e quando alcançamos o estradão era já noite e seria no meio de um belo silêncio e a luz de uma lua cheia barrada por uma nuvem de poeira que quatro de nós vieram em passo mais estugado buscar os carros, enquanto os restantes num passo mais leve se foram aproximando. O relógio avançava já para as 21 horas quando dissemos adeus à Cascata do Arado, no fim do que eu chamarei uma boa caminhada. A Sónia tinha ganho o seu litígio com as vertigens, a Rosa foi capaz de vencer as feridas que a sapatilha e a ausência de meias lhe provocaram, a Lurdes e a Fátima pensavam na próxima viagem e a Lígia estava pronta para outra. O Miúdo esteve igual a si próprio e os amigos da Carla, cansados, mas quem sabe, se não nos continuarão a acompanhar. Afinal, estiveram todos muito bem em caminhada tão dura.
Marcamos encontro para Novembro. Vamos tentar de novo chegar aos retransmissores do Muro, mas agora vamos pelo Lindoso o que quer dizer, percorrer um estradão, bem desenhado onde passam jipes ao longo de 11 kms. Digamos que a aventura será apenas caminhar, subirmos até 1200 mts e se estiver um dia de sol, poderemos ver o mar. Fico à vossa espera.
Setembro de 2004

21 setembro, 2006

POESIA AO AMANHECER



Bom dia, Amigos

É verdade, silenciosa e paulatinamente mais uma semana galopou pelas nossas vidas, deixando definitivamente para trás algumas coisas. Por vezes temos momentos de perda, sentimos que nos falta qualquer coisa, cuja falta nos amortece, nos deixa por aí à procura não sabemos bem de quê, quando pequenas coisas seriam suficientes para nos transformar o olhar; um objectivo profissional, um interesse académico, uma paixão; ah! uma paixão, galvaniza-nos sempre. Creio que ando num desses momentos de procurar e, como não sei o que procuro naturalmente não encontro. Por falar em encontrar, encontrei uma amizade. Os amigos aparecem assim, lentamente, devagarinho, sem pressas, quase sem darmos conta e um dia oferecem-nos um sorriso, um olhar e uma mão fraterna para a viagem pela vida não ser tão solitária. É difícil construir amizades, mas quando conseguimos, sentimo-nos bem com nós próprios. Ultimamente tenho a impressão que cativei uma amiga.
Bem, não deixem de perseguir um objectivo, um sonho e apaixonem-se por qualquer coisa, de preferência por um ser humano, um sorriso e um olhar e ele há sorrisos tão bonitos e olhares que são lindos de morrer.
Bom fim de semana.

MADRIGAL DOS CINQUENTA ANOS

Com as mesmas palavras do passado,
Digo que te desejo, vida!
E como um namorado
Que desmede a paixão, já desmedida,
Prometo
Ser-te fiel sem esperança.
Fiel à consciente
Temeridade
De amar intensamente
Sem mocidade...

MIGUEL TORGA

"A matéria é constituída de três componentes fundamentais: uma partícula leve - o electrão - e duas partículas relativamente pesadas - o neutrão e o protão (...). Estreitamente unidos uns aos outros, os neutrões e os protões formam uma massa compacta que se denomina núcleo."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Estamos, de um lado e do outro do Canal da Mancha, em período de consolidação das conquistas burguesas, depois da sublevação de Cromwell e da Revolução Francesa. Curiosamente, em ambos os países, essa afirmação do poder da burguesia dá-se de forma algo perversa: em Inglaterra, vigora um regime aristocrático (reinado de Jorge e do seu influente ministro Pitt) e em França será durante o Império de Napoleão que alguns dos ideais económicos e sociais da Revolução Francesa se institucionalizam."

LAURO ANTÓNIO, in "História", Fevereiro de 2004 sobre o filme "Master & Commander: o lado longínquo do mundo"

Porto, 20 de Fevereiro de 2004

POEMAS



O rio

águas azuis

serenidade matinal

sol morno a beijar-nos

o pensamento

e o teu olhar na foz do mar

como um sorriso

bailando e dançando

por entre gestos

de alegria

és uma ave solta

com asas de vento.


Caminha, 25.07.06




20 setembro, 2006

REFLEXÔES


Fazes-me falta são aquelas palavras que todos gostamos que nos sussurrem um dia, que cheguem como carícia doce à nossa alma solitária, porque fazer falta é compensar a solidão dos outros, é saber que alguém sente que a nossa presença preenche o vazio que a vida e as pessoas vão gerando em nós; alguém nos recorda num tempo e num espaço onde já vivemos, onde já estivemos e deixamos a marca do conforto. É certo que a falta só vem após termos partido, normalmente sem regresso e sem retorno. O tempo não se repete, a vida passou no seu momento e quase sempre deixamo-la escoar sem repararmos o suficiente no que nos é útil, precioso e deve ser preservado. Amanhã é tarde. Recuperar o tempo perdido não existe, resta vivê-lo quando os olhos se cruzam na intensidade luminosa de uma estrela em expansão, para que nunca tenhamos de dizer, fazes-me falta.

19 setembro, 2006

POESIA AO AMANHECER



Bom dia, meus Amigos

Andava ontem em reflexão e tão concentrado estava que por duas vezes ia entrando em sentidos proibidos; não, da segunda entrei mesmo. Pois é, em tempos costumava dizer que todos os anos, aí por Abril/Maio, tinha cinco minutos de amargura em que derramava lágrimas pela alma quando me sentia açoitado pela injustiça. Depois, aprendemos a conviver com essas coisas e esses minutos vão sendo cada vez menos. O ser humano é um fazedor de sonhos e quase todos são legítimos. Se já é difícil conciliar os sonhos de todos, mais difícil é conciliar quando esses sonhos são diferentes e assentam nos mesmos interesses. Depois, há gente, umas vezes grande, outras vezes pequena que decide e quem decide também tem sonhos - ou interesses? - e como tem poderes para decidir, fá-lo a favor dos seus sonhos. Também é verdade que muitas vezes, assentamos o nosso pensamento fazendo juízos de valor de coisas e pessoas que não conhecemos. Enfim, é difícil. É tão difícil que eu ia entrando em sentidos proibidos. De qualquer forma, creio que todos os anos a injustiça me visita, ou ao contrário, a justiça não me visita, mas uma coisa é certa, os sonhos, ninguém mos tira, e às vezes, do alto da injustiça também os fustigo com palavras e com a razão e como dizia o Aleixo, a razão mesmo vencida, não deixa de ser razão. Olhemos sempre para a vida. O dia está belo e tenho ainda a esperança que uns amigos me levem a passear pelos caminhos do romântico.

CANTA, CAMARADA, CANTA

Canta, camarada, canta
Canta, que ninguém te afronta
Que esta minha espada corta
Dos copos até à ponta

Tenho sina de morrer
Na ponta de uma navalha
Toda a vida hei-de dizer
Morre o homem na batalha

Eu hei-de morrer de um tiro
Ou de uma faca de ponta
Se hei-de morrer amanhã
Morra hoje tanto monta

Viva a malta, trema a terra
Daqui ninguém arredou!
Quem há-de tremer na guerra
Sendo o homem como eu sou?

Do folclore da Beira Baixa, adaptado por JOSÉ AFONSO

"Os electrões, juntamente com o núcleo, forma o átomo."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"D. Manuel Vieira Pinto, bispo de Nampula foi alvo de uma operação de expulsão de Moçambique, orquestrada pelo Estado Novo em Março de 1974. Um episódio que criaria tensões entre a Igreja portuguesa e o Vaticano."

PEDRO BRANDÃO, in "História", Fevereiro de 2004

Porto, 19 de Fevereiro de 2004

17 setembro, 2006

POEMAS




Olho o brilho intenso
das águas marinhas
e sinto
sinto que amo
o teu olhar doce e
castanho
o teu sorriso aberto
e puro
os teus seios pequenos
e cheios
a tua cintura estreita
o teu corpo esguio
e esbelto
a tua imagem
recordada


Julho de 2006

15 setembro, 2006

LEITURAS

Pelos fins de Outubro apareceram nas livrarias quatro livros que me seduziram. Sabem que isto dos livros é uma sedução muito especial. È a descoberta, olhá-los, senti-los nas mãos, desfolhá-los e quando chegámos à leitura estamos já apaixonados. No Comité Europeu há um italiano muito especial, pois está sempre apaixonado. Aliás, nós sabemos quando está apaixonado, pois as suas intervenções são muito mais arrebatadas. Eu gosto dele, mesmo quando se despede de mim com dois beijos que é uma coisa que me deixa muito…, irritado, mas enfim, dizia ele da última vez, que quando se apaixona, o mais bonito, o mais doce, é a sedução. O resto vem por acréscimo e de forma natural. É assim a minha relação com os livros. Começa por um olhar, passa para uma sedução e quando desabrocha a paixão, segue-se o mais natural que é a leitura. Pois foi isso que se passou com aqueles quatro livros. Claro que não os comprei porque temos de nos acalmar por todos os motivos. Porque só lemos um de cada vez e porque o bolso só aguenta um de cada vez. Bem, havia um que deveria ter comprado de imediato porque faz parte de um conjunto de leituras seleccionadas que fazem parar tudo. Mas aguentei porque assim me impunha as circunstâncias e fui-me entretendo com a leitura da vida de Vasco de Gama, esse senhor feudal que dizem ter descoberto o caminho marítimo para a Índia, embora tenha ficado irritado quando à chegada a Calecut descobriu que os árabes já por ali andavam há muito. O seu processo de diálogo foi feito com as bombardas das naus. Quando tinha duas ou três feitorias, intitulou-se vice-rei da Índia. É assim mesmo, à português. Mas honra lhes seja feita, naquela época com um milhão de habitantes, portugueses e castelhanos reuniram-se em Tordesilhas e dividiram o mundo entre os dois. Convenhamos, não é para qualquer um. Mas como disse, Vasco da Gama foi só para entreter, pois aí por meados de Novembro adquiri o livro que trazia na memória e esta semana iniciei a leitura. Nunca soube explicar muito bem essa ligação que tenho com Neruda. Talvez porque uma das primeiras leituras que fiz foi os “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada”. Acontece até que uma vez tentei imitá-lo quando há uns anos atrás estava apaixonado por uma mulher muito bonita. Mas da imitação apenas saíram, “Um Poema de Amor e Sete Canções Desesperadas”. Mas os poemas de Neruda não são só dedicados ao grande amor da sua vida, foram-no também ao Chile e à sua América que tanto amou. Creio que é também essa América que me liga ao poeta da Ilha Negra. Essa América dos Andes solitários, dessas montanhas cheias de silêncio e solidão que tanto tem abraçado a minha vida, com um condor soberbo planando sobre as alturas. E ainda o Chile, esse território que das terras roubadas à Bolívia e ao Peru se estende pelo medonho deserto de Atacama cheio de terríveis histórias de homens enterrados nas minas e das noites sem poeiras donde se pode contemplar as estrelas sem interferências, de Santiago e Valparaíso onde vive essa burguesia, altaneira, rica e brutal, acabando nas terras da Araucânia e da Terra do Fogo onde não consigo imaginar como é possível algo sobreviver. Pois terá sido tudo isso que me fez apaixonar pela escrita do poeta. O livro que principiei a ler é a sua vida contada por um outro chileno extraordinário, Volodia Teitelboim. Amigo de décadas, escritor, pertenceu a uma geração de chilenos que soube amar a sua pátria. Preso, exilado, sobreviveu a dramas infindáveis para agora nos vir contar a história do poeta que morreu quinze dias depois da brutalidade dos sátrapas ter descido da cordilheira para semear o Mapocho de cadáveres. Ainda agora iniciei a leitura mas sei que durante três ou quatro meses me vou apaixonar ao longo das 550 páginas do livro.

«[…] Eu penso que a poesia é uma acção contingente ou solene em que entram por semelhante medida a solidão e a acção, a intimidade de cada um consigo mesmo, a intimidade do homem e a secreta revelação da natureza. E penso com não menor fé que tudo é sustentado – o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, porque assim a poesia os une e os confunde. […]
As nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há lutas nem esperanças solitárias. […]
Há que olhar o mapa da América, confrontar-se com a grandiosa diversidade, a generosidade cósmica do espaço que nos rodeia, para entender que muitos escritores se recusem a consentir no prolongamento do passado de opróbrio e de saque que escuros deuses destinaram aos povos americanos. […]
Faz hoje cem anos exactos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “A l’aurore, armes d’une ardente patience, nous entrerons aux splendides Viles”. “Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos em esplêndidas cidades”.
Eu creio nesta profecia de Rimbaud, o Visionário.»

Discurso de Pablo Neruda em 1971 ao receber o Prémio Nobel da Literatura.

Novembro de 2004


14 setembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

É verdade, há dias assim em que não temos nada para dizer. Ontem, deixei-me ficar por aqui até muito tarde e fui escutando os ruídos a diminuírem até se alcançar o silêncio. É interessante este meu lugar às escuras só com a luz de presença por cima. Parece que estamos debaixo de um foco com o palco obscuro. Claro, lá fora faltava este céu azul que nos tem acompanhado ao amanhecer e havia aquela tristeza tão característica do crepúsculo. Hoje enquanto vinha para aqui e vi este céu de nuvens cinzentas esfarrapadas que transmitem um tom de calma enquanto os barulhos da cidade não começam, lembrei-me de uma acção de formação em França em que todos os dias de manhã, muito cedo, deixava o "castelo" onde nos encerravam e caminhava pela estrada até a uma aldeia próxima de casas baixas em que tudo era quase perfeito e um comboio chegava às 07h15 todo pintado com aqueles desenhos de spray. No último dia, ao entregar a chave do apartamento, a miúda da recepção disse-me muito triste que agora já não me ia ver a caminho de Margaux. Pelos vistos, quando caminhava, ela passava por mim de carro a caminho do trabalho. É sempre bom nós um dia sabermos que alguém reparou em nós apesar de nos esforçarmos por passar despercebidos.

NO MEU CÉU AO CREPÚSCULO...

No meu céu ao crepúsculo tu és como uma nuvem
e a tua cor e forma são tal e qual as quero.
Tu és minha, tu és minha, mulher de lábios doces
e vivem na tua vida os meus infinitos sonhos.

A lâmpada da minha alma ruboriza-te os pés,
o acre vinho meu é mais doce em teus lábios,
ó segadora da minha canção ao entardecer,
como te sentem minha os meus sonhos solitários!

Tu és minha, tu és minha, vou gritando na brisa
da tarde, e o vento arrasta a minha voz viúva.
Caçadora do fundo dos meus olhos, o teu roubo
estanca como a água o teu olhar nocturno.

Na rede da minha música estás presa, meu amor,
e as minhas redes de música são largas como o céu.
Nasce-me a alma à beira dos teus olhos de luto.
Nos teus olhos de luto começa o país do sonho.

PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada"

"Um forte poder de atracção une os neutrões e os protões uns aos outros, formando um corpo denso e compacto, chamado núcleo, cujo tamanho é um pouco inferior a um milionésimo de milionésimo de um centímetro."

ROBERT JASTROW, in, "A Arquitectura do Universo"

"Nos primórdios do Estado Novo, a Acção Escolar Vanguarda constituiu uma primeira tentativa de organização juvenil, de pendor fascista."

LUÍS FARINHA, in "História", Fevereiro de 2004

Porto, 18 de Fevereiro de 2004

13 setembro, 2006

POEMAS

Observo os teus gestos
o sorriso aberto
o olhar doce e gaiato
as mãos pequenas
abrindo-se em círculo
a pele lisa e morena
Olho-te bela e perfeita
e sinto a alegria
a pulsar na minha alma adormecida
Queria expandir este sentimento
arremessar voando
as flechas do meu contentamento
dizer, olá
como uma flor a beijar-te
cobrir de pétalas o teu rosto
e abraçar esse teu sorriso
esconder esse olhar entre as minhas mãos.
Como sinto a pequenez
de quem não pode
alcançar mundos
tão belos e vastos.

Junho.2006



12 setembro, 2006

CONTO

Um Conto
Sentiu uma dor imensa nas pupilas e só com muita dificuldade conseguiu reabrir os olhos para tentar perceber o que ocorria em seu redor. Com uma lentidão que não controlava foi-se voltando e apercebeu-se que o sol brilhava com intensidade. A primeira percepção que teve foi do cheiro, um odor intenso e estranho que tardou em identificar com queimado. Estava agora com o tronco suportado pelo cotovelo esquerdo, mas as pernas doíam-lhe, pareciam inertes. A memória regressava em pequenos passos, com intervalos, e quando pôde distinguir as colunas de fumo ao longe, já foi maior a lembrança de como tinha chegado até ali, ao termo da Alfama.
Fora numa manhã linda como esta, mas sem o cheiro de incêndio e sem a memória da morte, que nascera numa casa térrea encostada às muralhas, mesmo junto à porta que dava para o rio, chamada Porta do Mar. Como veio ao mundo logo após uma noite de lua cheia, puseram-lhe o nome de Fátima alhmed allah, a abençoada por Deus. Tinha a pele escura, mas morena e não negra, cor noz-moscada como a que chega do oriente vinda de Sevilha.
Alusbuna era já então uma grande cidade, mas cresceu sempre ao longo destes dezassete anos passados. A infância passou-a ali, metade dentro de água e outra metade correndo pela Ribeira. Como o crescimento arrasta deveres, começou a conhecer o silêncio de casa, a vida doméstica e as obrigações familiares. Sempre que lhe era possível e o cortejo dos que a rodeavam, se distraía, escapulia-se até à margem e contemplava a imensidão das águas e as chegadas e partidas de longas escunas que vinham das lonjuras do mar que nunca tinha visto. Diziam-lhe que era imenso, tão longo que se podiam andar dias e noites sem ver terra nem lhe encontrarem o fim. Uma ocasião tinha conseguido sair a muralha pela Porta do Cemitério, mas foi tudo tão rápido que pensa não ter visto o mar, era apenas o rio, extenso, muito extenso, mas não era ainda o mar.
Há dias quando passaram os festejos do solstício do verão, foi prometida em casamento. Não conhece o noivo, naturalmente, mas quando se dirigia para a mesquita viu um rosto bonito e jovem, como o de um guerreiro e desejou guardá-lo só para si. Ele também pressentiu o olhar dela por sob o véu e aproximou-se. Chama-se Ibn Iuçufe Ahmed, o escolhido do céu. Prometeu procurá-la e Fátima partiu ansiosa.
Nunca tinha sentido algo parecido e não sabia o que pensar. Nessa noite não dormiu e de madrugada escapuliu-se e foi espreitar o rio. Foi então que reparou na imensa cortina de caravelas dos infiéis de Cristo. Pensou que sonhava, mas após ter esfregado os olhos via com mais nitidez a enorme cruz desenhada nas velas dos barcos.
Dias depois assaltaram a cidade, em nome de Deus, dizem. Arrasaram tudo na sua passagem. Os combates foram muitos e intensos, mas os cavaleiros do Deus cristão eram mais e estavam melhor armados. Durante vários dias, correu desorientada de lado para lado tentando escapar à loucura de homens perdidos. Ibn Iuçufe, o seu amado, o desejado do céu, partiu para as nuvens logo nos primeiros dias, espetado pela seta certeira de uma besta próximo da Porta de Alfofa. Procurou os seus, mas não os encontrou. Evitou regressar a casa, pois foi por ali que os infiéis venceram as defesas mouras e destruíram tudo. Foi apanhada quando tentava esgueirar-se por uma fenda da muralha. Eram três, um deles, cavaleiro. Agarraram-na, rasgaram-lhe a roupa e enquanto se riam, divertiram-se com o corpo. Pouco mais se lembra e não sabe como ficou viva. Acabou por sair e agora está ali a olhar o mar que nunca tinha visto. Está só e preferia ter morrido. Afinal, em nome de um Deus, roubaram-lhe quem amava e apesar de ser abençoada por outro Deus, este esqueceu-se dela quando mais precisou dele. Está sem nada, sem ninguém e sem futuro e tudo..., em nome de Deus. Corria o ano do Senhor de mil cento e quarenta e sete.


Escrevi isto como recordação permanente
Do meu sofrimento. A minha mão perecerá
Um dia, mas a grandeza ficará.

(Inscrição árabe na Sé Velha de Coimbra)

Serafão, 02 de Julho do ano da graça de 2004. Para a Ana a quem prometi um conto.

11 setembro, 2006

LEITURAS


João de Melo, in "O Meu Mundo Não é Deste Reino"


Uma ilha é um abraço de solidão apertando-nos a alma. Os Açores são um arquipélago algures no infinito oceânico. Neste livro João de Melo conduz-nos numa viagem desde as profundezas do mar em irrupções de lava transbordando a planura marítima, à formação da paisagem açoreana, à chegada dos Homens e formação de comunidades como resultado da mistura de colonizadores e viajantes. Assim nasceu a freguesia de Nossa Senhora do Rozário da Achadinha, refúgio de personagens que o autor enriquece em fábulas de encantar. O isolamento social a fazer crescer mitos e lendas a exaltar coragens e inventar sabedorias. Os segredos da montanha alimentados por noites de tempestade, o mar eterno a aferrolhar os sonhos e os actores criados à medida da imaginação proporcionada por um ambiente natural, ao mesmo tempo, rude e belo. De Cadete, o ferreiro que a habilidade e prosápia o levariam de capador de touros a sábio depois de um longo percurso pela medicina curandeira, ao rebelde João Maria que a força da razão o ajudava a distinguir Deus dos homens e a não deixar que o sagrado passasse o interior da sua consciência, sem esquecer padre Governo aquietando o rebanho enquanto Guilherme José o rufia e autocrático regedor exercia o mando segundo os seus interesses, terminando em Maria Água a jovem e terna mulher de corpo doce e olhar meigo que faria voltar a casa de João Maria em direcção ao Sol.
Ler ou reler “o meu mundo não é deste reino” é um convite a visitar a magia de uns Açores ainda solitários, místicos e sempre belos a meio caminho do infinito azul, celeste e marítimo, porto de partida e de chegada de gentes que procuram um mundo melhor.

O MUNDO EM QUE VIVO


QUAL 11 DE SETEMBRO?

Para ser verdadeiro, não sinto razões para recordar, mas impõem-me essa lembrança. Há vários dias que fazem questão que eu não esqueça, todos os dias, todas as horas, qualquer que seja o momento, avivam-me a memória sobre o 11 de Setembro, o dos Estados Unidos, claro.
Sou daqueles que não sabem bem o que ocorreu. Dizem que morreram 3000 pessoas e acredito. Dizem porque ninguém os contou. Simplesmente deixaram de aparecer. Em 58% dos casos realizaram-se funerais, sem corpo, os restantes nem isso. Tudo o que sobrou foi um espectáculo montado por aqueles que rodeiam, apoiam e beneficiam desse homúnculo que dá pelo nome de Bush.
A história dos Estados Unidos, é uma história de violência, desregramento e de absoluta impunidade mundial. Mais tarde ou mais cedo, os ventos hão-de semear tempestades. Em nome deste 11 de Setembro, uma girândola de morte estendeu-se pelo Iraque e o Afeganistão. Ninguém sabe quantos morreram, ninguém sabe os seus nomes, ninguém os recorda um a um como fazem do outro lado do mar. Não existem, são apenas peões num imenso tabuleiro de xadrez que os senhores da opulência comandam à distância. São muitos milhares, muitos milhares, tantos que já não se podem contar. Mas não tem importância. Na sua maioria têm cor escura, falam uma língua ininteligível e só parcialmente se parecem com esta gente civilizada que tão bem manipula todo o tipo de bombas, umas inteligentes e outras nem tanto.
Mas, recordo antes, outro 11 de Setembro, um ocorrido no ano de 1973, quando um grupo de militares chilenos, golpistas e de ideologia bastarda assaltaram o palácio presidencial de La Moneda, a golpe de bomba e mataram o presidente legalmente eleito. Nos meses seguintes, o Rio Mapocho encheu-se de cadáveres. Passavam boiando a caminho do mar. Não se conhece ao certo o número de mortos, torturados, presos e exilados. Talvez 30 000. Também não se sabe os seus nomes e ninguém os menciona no 11 de Setembro seguinte. Não têm pele tão branca como aqueles que nasceram no território dos Estados Unidos. Nesses dias, ao largo de Valparaíso, navios da armada dos EUA vigiavam e organizavam o golpe sangrento.
Em Moscovo, a criança que estava ao meu lado, tinha 4 anos, era filha de pais chilenos e nesse dia não pôde iniciar o regresso a casa. Ficou sem pátria. Meses depois, quando voltei a encontrar Pablo, já falava outra língua para além do castelhano e continuava sem pátria. Nunca mais soube de Pablo nem dos pais, deixou de contar na história do mundo. Na época ainda não existia essa tal de "comunidade internacional".
Que mágoa imensa sinto pelo mundo que me é dado viver.
Permitam-me um grito de revolta

Deixai-me hoje falar de política. Política de morte ou da morte da política. Era inevitável porque começamos a acumular demasiados mortos na memória. Esses senhoritos espanhóis que acampam na Moncloa e noutros sítios semelhantes do mundo, continuam a lançar à terra estas sementes de terror. Fazem as suas guerras, os seus roubos, os seus assaltos, acossam os povos, polvilham a terra de miséria e de miseráveis e fecham-se nos seus castelos, nas suas fortalezas para quando as bombas explodirem como ontem nos arredores de Madrid, atinjam os desgraçados de sempre, os trabalhadores, os estudantes, os emigrantes, porque foram estes que morreram ontem de facto. Uns inventam guerras, espoliam o mundo; os outros morrem.
El rio Guadalquivir
vay entre naranjos y olivos
los dos rios de Granada
bajam de la nieve al trigo
El rio Guadalquivir
tiene las barbas granate
los dos rios de Granada
uno lhanto y otro sangre
A Espanha republicana, operária e popular, a de Federico Garcia Lorca que já tinha morrido em 1939, voltou a morrer de novo ontem nas estações ferroviárias de Madrid às mãos de uns fanáticos quaisquer que nem sequer temos o direito de julgar. Uns porque são conhecidos mas estão fechados nos palácios, os outros porque andam nas margens do mundo mas não os conhecemos. Morreram inocentes? Não. Não morreram inocentes. Morreram homens e mulheres, mas não morreram inocentes. Estes se existem são as crianças que ainda olham para o azul do céu com a pureza das estrelas. Nos adultos não há inocentes. Somos todos nós, com os nossos silêncios, os nossos votos como eles dizem, os nossos medos, a nossa indiferença, que pactuamos com o poder desses senhores que dominam financeiramente o mundo e em nome de cujos interesses se travam todas as guerras nas quais, só nós morremos. Esse senhorito que governa o Estado espanhol há anos, prometeu que acabava com a identidade dos povos que habitam esse território que dá pelo nome de Espanha, nem que fosse em cima de muitos mortos e os cidadãos do Estado continuam a votar nele. Sharon prometeu aos israelitas que traria a paz em cima de uma pilha de cadáveres e já ganhou duas vezes as eleições. Portanto, quando morremos, não somos inocentes, mas antes comparsas desta miséria que ajudamos a semear. Desgraçadamente comparsas porque continuamos a não ter nada, mas não inocentes.
Quando o rácio de rendimentos reais per capita entre os países mais ricos e mais pobres do mundo que era de 3 para 1 no início do século XIX, passou em 1900 para 10 para 1 e em 2000 de 60 para 1, quando 1% da população mundial tem hoje a mesma riqueza que os 60% que têm menos, quando um bilião de seres humanos vivem com menos de 1 € por dia, estamos a lançar a semente de gente desesperada, sem nada para perder, sem nada para ganhar, capaz de conceber nas suas mentes, girândolas de terror e morte como aquela que aconteceu ontem em Madrid. Por isso, nas estações ferroviárias da capital do Estado espanhol, como antes em Bali ou em Marrocos, não foram 198 os mortos, mas mais, muitos mais. Quase todos nós morremos no amanhecer da cidade do centro da Península. Morremos porque deixamos morrer, com o nosso silêncio, a nossa indiferença, a nossa comodidade, o nosso olhar para o lado, enquanto o mundo constituído por milhões de seres humanos se vai afundando num mar de miséria, fome e desgraça. Quando em 10 anos, 4000 homens e mulheres, pelo menos contabilizados, morreram a atravessar o Mediterrâneo para tentarem alcançar a Europa, ou seja, o direito ao trabalho e a condições mínimas de sobrevivência e nós só temos uns segundos de comoção frente ao ecrã do televisor e a seguir assobiamos para o ar, estamos a lançar à terra as sementes que vão gerar homens acossados, sem saída, disponíveis para o sacrifício e para a matança colectiva. Quando o sátrapa que governa Bagdad disse no meio de um rasgado sorriso, “apanhamo-lo” referindo-se à prisão de Saddam, figura criada, sustentada e alimentada pelos senhores que ele mesmo representa, está a cimentar as tempestades daqueles que certamente ontem também terão dito, “apanhamo-los”. Os senhores do poder vão dizer as palavras de circunstância de sempre, pedir mais votos para com isso se sentirem legitimados e nós, sim nós, choraremos dois dias, colocaremos umas velas, umas flores e continuaremos no dia seguinte disponíveis para sermos os próximos sacrificados no altar dessa desgraça colectiva. É preciso que pensemos que os corpos que víamos ao longo da via-férrea, destroçados no meio das carruagens, espalhados por aquela vastidão de destruição, eram de gente pouco antes viva, gente que pensava, sonhava, acreditava que o amanhã podia ser melhor e certamente muitos lutavam por isso. Deixam-nos essa herança de não permitir que estas matanças continuem que alteremos o estado de coisas, que modifiquemos o mundo e não nos remetamos ao silêncio dos inocentes.
Desculpem este grito de revolta, mas continuo a recusar, vindo de Espanha ou de qualquer lado, os gritos de Viva la Muerte. Logo guardarei um minuto de silêncio, por todos nós, os que morreram fisicamente e os que morreram intelectualmente porque o que estão a tentar fazer de nós é de resto apenas a ideia de que agora falam as pedras. Vou guardar o meu, o nosso minuto de silêncio, não o do Senhor Aznar que mesmo num momento como este veio introduzir a Constituição no protesto sabendo que aquela não é um elemento pacífico para os povos de Espanha. Esta gente não vale mesmo nada. Contra o terrorismo sim, mas todos os terrorismos, a começar por aqueles que os Estados movem aos povos e o daqueles que governam as nossas vidas tornando-as insuportavelmente dolorosas.
Mas deixem-me continuar a acreditar. Um outro mundo é possível, feito de Homens e Mulheres livres e iguais, em direitos, em deveres e dignidade. Como escreveu Torga,
Foi a mão como um ralo a semear
que me disse que sim, que acreditasse
que a vida é um poema a germinar
e portanto, cantasse.

Cidade do Porto, nesta manhã de desgraça de 12 de Março de 2004








10 setembro, 2006

POEMAS

O vento sopra como brisa
como sossego
ligeiramente perturbado.
O mar é azul
azul intenso com sabor a prata.
Queria escrever, mas não sei.
Sei, apenas e só
que penso em ti.
Saudades sinto
de te saber próxima
de sentir
o aconchego de um olhar que sorri
que brilha
e que me dá alento

29.08.06

POESIA AO AMANHECER

Bom dia, meus bons Amigos

Este é o meu espaço preferido. Aqui venho todas as manhãs dialogar com o mundo, principalmente hoje, aproveitando a serenidade que daqui contemplo e o silêncio que me proporciona a avaria do ar condicionado.
Ontem saí acelerado. A injustiça e a indignidade de certos homens continua a fustigar-me o pensamento. Depois caí em cima de uma imensa fila de trânsito e controlei a revolta. Mais tarde encontrei alguém que me falou de Ribeira de Pena e pude pôr em contraste a cidade e as serras. Aquela pequena vila encravada entre a Cabreira e a Padrela, cercada pelo Larouco e o Alvão, encontra-se rodeada por uma paisagem de beleza inesquecível que na Primavera se espalha numa multidão de flores coloridas e nos apetece ir sem regresso. Quem sabe um dia..., pelo menos por ali, as tolices dos homens chegam mais devagar.

A PRIMEIRA LÁGRIMA

Quando a primeira lágrima caindo,
Pisou a face da mulher primeira,
O rosto dela assim ficou tão lindo
E Adão beijou-a de uma tal maneira,

Que anjos e Tronos pelo espaço infindo,
Qual rompe a catadupa prisioneira,
As seis asas de azul e d'ouro abrindo,
Fugiram numa esplêndida carreira.

Alguns, pousando à próxima montanha,
Queriam ver de perto os condenados.
Da dor fazendo uma alegria estranha.

E ante o rumor dos ósculos dobrados,
Todos queriam punição tamanha,
Ansiosos, mudos, trémulos, pasmados...

LUÍS DELFINO

"O pequeníssimo electrão, e duas partículas da mesma espécie, são as unidades constituintes a partir das quais toda a matéria no mundo é construída. As duas partículas da mesma espécie são o protão e o neutrão."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"A tentativa de greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934 adquiriu um carácter particular na Marinha Grande. Em função dessa especificidade. os factos e as memórias do acontecimento têm sido objecto de uma continuada reconstrução e disputa ao longo do tempo que nos separa desse evento."

EMÍLIA MARGARIDA MARQUES, in "História", Fevereiro de 2004

Porto, 17 de Fevereiro de 2004

09 setembro, 2006

POESIA AO AMANHECER

Bom dia, meus Amigos

Aqui estamos de volta a este espaço, a este tempo de trabalho, num dia de frio como só há no Norte, esse Norte de montanhas, de aldeias encerradas no silêncio de vales escondidos, onde a cultura mental avança a ritmos lentos e se conservam as tradições e valores ancestrais no aconchego das lareiras e no Verão se saúda o sol numa explosão de alegria, traduzida em festas e romarias.
No Sábado viajei um pouco por esse Portugal, debaixo de 3º de temperatura, mas ainda vim a tempo do almoço de despedida ao Júlio Soares. É verdade, a vida é feita de pequenos nadas que só engrandecem os Homens e como estes são generosos nas palavras. Bem haja, aqueles que sabem cativar uma palavra amiga no momento de deixar o nosso convívio de todos os dias.

A SAUDADE...

Não pedi tanto, Senhor!
Ao ver-me só, sem alento,
sem amparo no tormento,
sem coração, sem amor,
que vos pedi, Deus do céu?
- agonias não sentidas,
uma vida como a vida,
que infeliz algum viveu;
pedi desprezo e desdém,
ciúmes, fúrias, insídias,
infâmias, torpes perfídias,
tanto quanto o inferno tem!
Tudo pedi, na aflição
da medonha soledade,
tudo pedi, mas saudade,
ai! a saudade é que não!

CAMILO CASTELO BRANCO


"A demonstração da sua pequenez é simples - é necessária uma corrente eléctrica equivalente ao fluxo de um milhão de biliões de electrões por segundo, para acender uma lâmpada de 10 «watts»." (estávamos a falar do electrão, lembram-se?)

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"La Lengua de las mariposas podia ser um filme simples sobre o relato da passagem à idade adulta de Moncho, uma criança da Galiza dos anos 30. Mas não. O resultado obtido pelo realizador José Luís Cuerda é um retracto forte dos últimos momentos da II República espanhola."

MANUELA GARCIA, "As Luzes da Ribalta", in "História", Fevereiro de 2004.

Porto, 16 de Fevereiro de 2004

POESIA AO AMANHECER

Esta "Poesia ao Amanhecer" tem uma história. Um dia, um amigo chamado Júlio Soares, ao amanhecer passou a enviar para os amigos, um poema que escolhia e nos ajudava a iniciar o dia de trabalho. Intitulava o gesto com a beleza da seguinte frase: "Gosto de Ti Todos os Dias". Senti necessidade de agradecer e nasceu a "Poesia ao Amanhecer" que consistia em dizer bom dia aos amigos com palavras sobre o tempo e o estado de espiríto. Depois os comentários foram-se alargando, surgiu um poema e umas citações. Assim foi ao longo de três anos. Hoje em dia, rareiam esses amanheceres, pois falta a arte e o engenho.
Aqui vou deixar as palavras que escrevia aos amigos.
Bom dia, meus Amigos

Pois é verdade, há dias assim em que nada tenho para vos dizer. É como se estivesse parado a observar. O dia está a nascer, o sol é apenas uma ideia de luz que azula o céu e aqui onde me encontro é quase o silêncio absoluto, só não é total porque ouço os dedos a bater nas teclas para escrever. Apetecia-me ir dar um passeio. Meter-me no carro e ir pelo mundo fora, só a olhar e o mais que vou conseguir é uma viagem de Metro até ao hospital de Matosinhos para uma consulta. Quiçá, talvez amanhã vá numa daquelas minhas viagens de Sábado antes de ir ao almoço de despedida do Júlio Soares, esse amigão que um dia, sem saber como, acordou fora da AXA ao fim de tantos anos a correr para aqui.
Um bom fim de semana para vós.

METAMORFOSE

Repara: - a imóvel crisálida
Já se agitou, inquieta,
Cedo, rasgando a mortalha,
Ressurgirá borboleta.

Que misteriosa influência
A metamorfose opera!
Um raio do sol, um sopro!
Ao passar, a vida gera.

Assim minh'alma, inda ontem
Crisálida entorpecida,
Já hoje treme, e amanhã
Voará cheia de vida.

Tu olhaste - e do letargo
Mago influxo me desperta:
Surjo ao amor, surjo à vida
à luz de uma aurora incerta.

JÚLIO DINIS

"O electrão é, na verdade, muito pequeno. O seu diâmetro mede um milionésimo de bilionésimo de milímetro, um milhão de vezes mais pequeno do que o que pode ser visto com o melhor microscópio electrónico. O seu peso é correspondentemente pequeno: 10.000 biliões de biliões de electrões pesam pouco menos de 30 gramas."

ROBERT JASTROW, "A Arquitectura do Universo"

"O Conselho dos Guardiães, instituição fulcral do Irão dominado pelos conservadores, rejeitou a 25 de Janeiro a revisão do Código Eleitoral nesse mesmo dia aprovada pelo parlamento reformador. Tal decisão confirma que serão considerados inválidos 45 por cento dos candidatos às eleições legislativas do próximo dia 20 de Fevereiro, entre os quais se incluem 80 deputados reformadores. Mas, vinte e cinco anos passados sobre a Revolução Islâmica, a grande maioria dos iranianos já não parece deixar-se seduzir pelo confronto entre conservadores e reformadores."

BERNARD HOURCADE, Director da equipa de investigação Monde Iranien, in "Le Monde Diplomatique", Fevereiro de 2004

Porto, 13 de Fevereiro de 2004

LEITURAS

Carlos Ruiz Zafón, in “A Sombra do Vento”

O meu prazer pela leitura cresceu a amar o prodígio da escrita de Gabriel Garcia Marquez, Isabel Allende, Marguerite Yourcenar, José Saramago e João de Melo. À magia das palavras de uns juntava-se a riqueza de conteúdo de outros. À fantasia da América Latina, juntava-se o rigor europeu. Quando as estórias destes autores foram escasseando foi-me surgindo um vazio na alma, perdi as referências e caminhava apalpando, tentando descobrir entre a profusão dos que se afoitam pelos caminhos da escrita, aqueles que pudessem ser dignos continuadores daqueles. Mas, quase sempre errei na procura, talvez pela dificuldade em existirem.
Há meses este “A Sombra do Vento” veio parar-me às mãos e alguém me fazia uma recomendação. A semana passada, iniciei a leitura e espantado, deslumbrado, fui devorando a história de uma riqueza fantástica e deslumbrante. Há muitos anos que não sentia essa vontade de ler um livro numa escassa semana. Que livro extraordinário escondido na sombra de um título vulgar e de um escritor desconhecido. Que grata surpresa quase no fim do Verão. Agora vivo ainda a sensação de perda por ter alcançado o fim da leitura.

“ – O Julián morreu sozinho, convencido de que ninguém se ia lembrar dele nem dos seus livros e de que a sua vida não tinha significado nada – disse ela. – Ele teria gostado de saber que alguém o queria manter vivo, que o recordava. Ele costumava dizer que existimos enquanto alguém nos recorda.”

“Alguém disse uma vez que no momento em que paramos a pensar se gostamos de alguém, já deixamos de gostar dessa pessoa para sempre – disse eu.”

“Bom, às vezes estas egrégias instituições oferecem uma ou duas bolsas de estudo para os filhos do jardineiro ou de um engraxador para assim mostrarem a sua grandeza de espírito e caridade cristã – expôs Fermín. – A maneira mais eficaz de tornar os pobres inofensivos é ensiná-los a quererem imitar os ricos. É esse o veneno com que o capitalismo cega…”

“O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele.”

“A aia sabia que quem ama de verdade ama em silêncio, com actos e nunca com palavras.”

LEITURAS

João de Melo, in “Mar de Madrid”

O autor açoriano sempre foi, nas minhas leituras e como agora se escreve, um escritor de culto.
De facto, desde “Gente Feliz com Lágrimas”, bebi-lhe a escrita de forma arrebatada. Seduzido por essa ternura da gente das ilhas, entre a terra e o mar e vigiada pelo céu, num horizonte distante, foi lendo o que publicava sempre ansiando o seguinte.
Nos últimos anos quase desapareceu. A sua escrita parece mais triste e silenciosa, menos optimista. As ilhas pareceram mais distantes.
Encontrei-o agora, escrevendo desde Madrid, num relato de amor que pretende a união impossível de Portugal e Espanha. Mas a riqueza das palavras mantém-se atractiva. Esperemos que continue a escrever.

Do texto, retive os seguintes excertos:

“Todavia, Francisco Bravo Mamede – não sabe porquê – experimenta um certo medo de Dolors; um medo aziago que nunca lhe acontecera em relação a outras mulheres. Tem medo da coragem e da juventude dela, do risco que isso representa para o seu corpo de amador e de poeta. E medo dos seus cinquenta e dois anos de idade. Mas também, por outro lado, essa aventura podia vir a instaurar na sua vida um novo princípio de tudo, um recomeço do mundo, um ponto de partida: mudar de mulher, de casa, de cidade e de país. Porque não? Ao fim e ao cabo, ainda era um homem novo – e o recomeço do amor, apesar de exigente e definitivo, até não era mau de todo. Sobretudo, nada de desperdiçar essa que pode muito bem vir a ser a última oportunidade de amar, a derradeira e sacrossanta redenção do amante.”

“A amizade é sempre um ponto de partida mais verdadeiro e mais espontâneo para um bom princípio de conversa do que as dúvidas levianas do amor”.

“Fosse em Madrid, Barcelona ou Lisboa, tentaria encontrar um homem capaz de unir o desejo à necessidade de amor”.

“Talvez se limitasse a amá-lo como uma presença ou uma sombra de si mesmo, já que ainda mal o conhecia. Desejava a beleza e a suavidade do poeta, sim. Tal não passava, ao menos por enquanto, de um desejo de ternura, das palavras desejadas, dos pequenos gestos atenciosos e aparentemente sem importância. Mas os homens nunca percebem até que ponto essas coisas podem ser decisivas para uma mulher”.

“Além disso, trazia no peito a tristeza exacta, a sua dose certa de desgosto pelo amor impossível, pela estranheza sem remédio, pelo abandono de Dolors. Agora que a perdera de vez, a visão dela, o som da sua voz, a luz da sua presença e a vontade de abraçar aquele corpo vibrátil que não chegara a desnudar nem a possuir, faziam assomar-lhe à alma um fuminho de luto pela ausência dela. Não raro, esse era o seu modo mais autêntico de amar – posterior e irremediável. Com um amor de perda que afinal lhe moía mais o pensamento do que o coração”.

“A solidão conjugal não passa de um reduto, de uma renúncia mais ou menos terminal. É perigoso sobrepor o casamento à vontade de viver. Pois agora ali estava ele, sozinho em frente de Branca, para viver com os ossos, as moléstias, as lágrimas e a pele prematuramente envelhecida do corpo dela. Devia talvez sentar-se e escutá-la, a fazer coro com as suas lástimas e misérias, para acreditar nalgumas das suas doenças imaginárias e para chorar com ela. Então sim, choraria à sua vontade, sem o medo nem o preconceito de ficar horas e horas a soluçar sozinho, como um menino expulso do seu mundo e sem que ninguém pudesse valer-lhe”.

“Agora que a juventude e a beleza de Dolors – sobretudo por oposição à decadência física de Branca – lhe assomam, persistentes e obsessivas, ao pensamento, é que nota como o tempo e os enganos o separam do corpo, da vida e da simples ideia de ternura que fora ficando, tal como um resíduo sólido depositado no fundo de uma panela ou de uma garrafa, na presença e na existência da mulher; na sua rotina plácida, no seu lugar habitual na cama ou à mesa, de braço dado com ele na rua, umas vezes ao leme e muitas outras ao remo de um mundo lançado à água, navegando de cabotagem, sempre à vista da costa, paralelamente também ao seu novo e talvez definitivo conformismo conjugal”.

GUERRAS E CRIMES

Requiem por uma terra
de ecumenismo

António Manuel Hespanha
Historiador


Estava a ler o livro do libanês Amin Malouf (n. 1949), Origines (2004, Difel, 2004 [prémio Mediterranée]), quando deflagrou o novo conflito israelo-árabe. No seu livro, Malouf reconstitui, de uma forma muito interessante de ler para quem é historiador, a história da sua família desde os meados do século XIX. Trata-se de uma família de letrados e religiosos rurais, de uma aldeia da aba oriental do Monte Líbano, no hoje tristemente célebre vale de Bekah. Eram católicos melkitas, da vaga obediência papal. Mas um ramo da família frequentara escolas protestantes americanas, estabelecidas no Líbano ainda no século XIX e acabara por se converter. Viviam numa região onde haviam muçulmanos, (embora deles não se fale tanto), cristãos maronitas e drusos. E, para complexificar mais o quadro das crenças, o avô do autor – que ocupa o lugar central na história – era franco-maçon, obediência que se desenvolvera a partir de uma comunidade judia de Salónica, imbuída de ideais de laicismo, de universalismo e de tolerância religiosa. Letrado poliglota, elegera o árabe – realmente a sua língua materna – como veículo da sua produção literária, nomeadamente dos discursos que o celebrizaram na região como orador de circunstância para todas as ocasiões festivas – de todos os credos e de todas as raças.

As dificuldade de Boutros – assim se chamava este núncio da modernidade – foram naturalmente muitas, para se impor no seio de uma sociedade em que a tradição fomentava o despique das várias crenças e das várias etnias. No plano político, o seu cosmopolitismo apostava num fortalecimento do império turco, na versão laica, moderna e cosmopolita, que lhe queria Kemal Ataturk: um império onde pudessem conviver, em pé de igualdade, turcos sírios, árabes, curdos, arménios, palestinianos e judeus. Nas sequelas da I Grande Guerra, o imperialismo francês, inglês e, já, americano, haveriam de destroçar tudo isso, retalhando o império numa série de países, geralmente entregues a regimes monárquicos tribalistas, origem das dinastias que ainda hoje ou até há pouco, dominavam a região. Mais tarde, o projecto de implantação na região de um Estado judaico, reclamada pelas correntes sionistas, fora decidido pelas potências ocidentais, decisão que um político de tanta visão como o ex-vice rei da Índia inglesa, Lord Curzon of Kegleston (1859-1925); v. David Gilmour, “The Unregarded Prophet: Lord Curzon and the Palestine Question”, Journal of Palestine Studies, Vol. 25, Nº. 3 (Spring, 1996), pp. 60-68) classificara como “um erro cujas consequências nefastas durarão séculos”. Com tudo isto, as hipóteses do sonho de Boutros iam definhando. No plano religioso, o seu espírito era igualmente generoso. O seu Colégio Universal aceitava meninos de todas as religiões.

Que resta de tudo isto hoje, no que resta de Beirute ou das aldeias do vale de Bekah? Provavelmente muito na alma do povo, atavicamente habituado ao convívio com outros, pragamático e irmanado nos sofrimentos de uma guerra imposta. Retenho as palavras de uma jovem mulher libanesa, que ontem ouvi na televisão e que, numa linguagem repassada de tópicos literários árabes (cristãos e judaicos, também, afinal) sobre a santidade das palavras, dizia, referindo-se a quem lhe tinha destruído a casa a golpes de bombas: “Nem se lhes pode chamar ‘animais’, porque as palavras não podem ser insultadas!”.

in, “História”, Setembro de 2006

07 setembro, 2006

AO ENCONTRO DOS OUTROS

Ao princípio era o nada, uma nuvem de poeira estelar espalmada pelo universo, a matéria sulcando oceanos de ninguém, até que o indício de formas apareceu aqui e ali, agrupando uns, provocando o nascimento de outros. Nesta dança entre o infinito pequeno e o imensamente grande surgimos nós no alvorecer de uma manhã serena. Crescemos, caminhamos, descobrimos sentimentos, experimentamos convivências, planos e aqui vamos, rumando ao desconhecido.

Também aqui, ao princípio será o nada. De hoje em diante, veremos se conseguirei almejar chegar onde está a maior riqueza do ser humano, no expressar das ideias, no fazer fruticar o diálogo, no partilhar o saber, no alargamento da cultura própria e colectiva e, também, alimentar o sonho que navega nas asas do condor andino.

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