Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

21 maio, 2007

POESIA AO AMANHECER


Olá! Amigos

Pois é verdade, comecei o fim de semana na 6ª Feira à noite com uma conferência sobre a liberdade de informar, ou desinformar. Nada que nós já não saibamos, mas que nos surpreende sempre escutar como as coisas se passam de facto. No Sábado, pois no Sábado foi "um eléctrico chamado desejo". Não, não foi nada. Já sabem que não sou sócio do Clube de Colaboradores. Eu e o patrão nunca convivemos bem, muito menos ao nível da cultura e do lazer, pelo que enquanto o patrão estiver no Clube, eu não estou. Mas, reconheça-se que a presença do patrão trouxe algumas vantagens - é como tudo na vida, há mulheres bonitas de quem não gostamos e há outras, que fazem coisas bonitas e de quem nós gostamos muito - permitiu a dispensa de um funcionário que até há dias atrás foi a Olga Cecilia, a qual promoveu um conjunto de iniciativas muito interessantes e pena foi que não tivessem mais participação. No Sábado foi um eléctrico chamado poesia. Cinco horas da tarde, um sol ameno sem ser brilhante, a marginal que está muito bonita, cheia de gente a passear e um eléctrico antigo restaurado também muito bonito, a ronronar ao longo do rio enquanto nos vão soltando palavras de poesia. Paragem no Calém, no Museu do Carro Eléctrico, aqui e além como no cais das pedras. Enquanto ouvíamos as palavras soltarem-se contemplávamos as pedras carregadas de história do Porto antigo e o retorno, agora vendo nós a foz a aproximar-se, o rio a entrar no mar. Foi bonito, muito bonito e, diferente. A vida é feita de pequenos nadas e este foi um deles.
No Domingo, foi o concerto na igreja da Lapa. O Requiem de Mozart que é aquela música que me apaixona e arrebata. Os primeiros vinte minutos são de delírio. A abóbada da igreja é enorme e embora o interior barroco não seja tão sedutor como a majestade da pedra exterior, faltando-lhe aquela sobriedade de pedra característico das catedrais góticas medievais, não deixa de ser imponente e o som espalha-se sobrevovoando todo aquele imenso espaço. Claro, faltou a noite e o requiem requer uma visão nocturna - embora tudo depende do espírito com que escutamos; afinal já dancei às três da tarde com 40º, de Verão no interior das montanhas de Tarouca ao som do Concerto de Aranjuez. A diferença é que estava apaixonado -, como dizia, a escuridão ter-lhe-ia dado outro semblante, mas foi espectacular. Conheci Mozart e o Requiem através de um filme, Amadeus, lembram-se? A partir daí foi uma paixão para toda a vida. Quando eu morrer, não se esqueçam de tocarem o Requiem. Não é preciso, uma orquestra, basta um CD, mas ponham alto para eu ouvir.
Uf! que fim de semana....

SANTA IRIA

Num rio virginal de águas claras e mansas,
Pequenino baixel, a santa vai boiando.
Pouco e pouco, dilui-se o oiro das suas tranças
E, diluído, vê-se as águas aloirando.

Circunda-a um esplendor de verdes esperanças.
Unge-lhe a fronte o luar (os santos óleos) brando.
E, com a graça etérea e meiga das crianças,
Formosa Iria vai boiando, vai boiando...

Os cravos e os jasmins abrem-se à luz da Lua,
E, ao verem-na passar fantástica e barquinha,
Murmuram entre si: "É um mármore que flutua!"

Ela entra, enfim, no oceano... E escuta-se, ao luar,
A mãe do pescador, rezando a ladainha
Pelos que andam, Senhor! sobre as águas do mar...

ANTÓNIO NOBRE

"O desenvolvimento primitivo da célula, concentrando nas proximidades do ADN todos os produtos químicos necessários ao crescimento e reprodução, marcou o maior passo individual jamais dado no curso evolutivo. Devem ter sido precisas centenas de milhões de anos para a evolução da célula; mas uma vez aparecida, esta eficiente forma de vida deve ter-se disseminado com rapidez pelas águas de terra, submergindo e substituindo todas as moléculas sem células que a precederam.
Podemos supor que num período relativamente pequeno - talvez no espaço de 100 milhões de anos - o organismo unicelular evoluiu, formando uma colónia de células. Com a continuação do tempo, os grupos de células no interior dessas colónias assumiram funções especializadas de obtenção de alimento, assimilação, as características estruturais de uma pele exterior, etc.; começou deste modo a fase da evolução que deu origem, às criaturas complexas e multicelulares que dominam a vida de hoje."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Segundo a ONU, 4 milhões de mulheres e de raparigas são anualmente compradas em todo o mundo. Calcula-se que, todos os anos, cerca de 200 mil mulheres provenientes de países de Leste, caem nas mãos de proxenetas europeus"

INÊS FONTINHA, Socióloga, Directora de O Ninho

Porto, 05 de Abril de 2004

17 maio, 2007

POESIA


Inclinado na noite

Caminho pelas areias de praias sem fim
enquanto os murmúrios da luz do farol
rompem o sossego brumoso da noite
iluminando a escuridão duma falésia sem nome.
De longe a longe o mar derrama-se pelo litoral
num cansaço parecido com a longitude dos tempos.

Entre as névoas nocturnas
lembro-me que há muito estás ausente
não sinto o teu caminhar
e dói-me a alma por te saber longe.
Quero que estejas onde não podes estar
para eu poder ter o que não posso ter.

Procuro nos confins do universo o caminho que me conduza a ti
mas hoje todas as estrelas amararam no céu.
Queria navegar pela tua vida à bolina do vento suão
para que me levasses até onde os sonhos podem chegar.

Já não sei onde estás
já não sei onde estou.
Queria que estivesses onde estou para eu poder estar onde estás.

Procuro nos roteiros da magia
E não encontro as avenidas que só o teu rosto promete
Quero partir e sei que vou ficar
Porque sem ti as flores não florescem na primavera.


Porto, Agosto de 1997. A quarta das Canções Desesperadas



16 maio, 2007

LEITURAS


“Conheci” o autor nos anos idos da década de 70 quando pela primeira vez caminhei ao encontro dos revolucionários de 1383 e, fascinou-me, arrebatou-me, a escrita, o empolgamento, a beleza das palavras com que António Borges Coelho descrevia os diversos momentos da revolta, os passos dos homens que naquele momento e naquela Lisboa medieval, faziam história. Quando nos diz que escutando “os murmúrios que se ouvem vindos dos subterrâneos da história” sentimos esse fascínio que só é proporcionado pelos grandes acontecimentos nos grandes espaços do nosso planeta ao longo dos séculos. Segui o conselho do Professor e grande historiador e procurei ouvir esses murmúrios subterrâneos que tanto ensinamento, tanto conhecimento nos proporcionam para enriquecimento da vida. Uma e outra vez fui tropeçando com a sua escrita, os seus estudos, ora abordando a presença árabe no território nacional, ou seguindo as naus para o Oriente, ou ainda, tentando compreender a complexidade da vida quando os homens fazem história. E uma e outra vez, a delícia da palavra a encher o prazer de ler.
Há tempos atrás dei pela presença de um livro, edição de 2005, da autoria do Prof. Borges Coelho, com o título de “Youkali”. Folha de papel cuidado, ilustrações a compor os espaços, tamanho a condizer e preço a quebrar a nossa tentação. Contudo, mais tarde, a Bertrand ofereceu parte sensível do seu valor e, não resisti. Há dias, terminei, pelo menos, a primeira leitura. De início parece que as palavras não têm o fôlego de outrora, mas, de seguida, esquecemo-nos do enredo da história e deixamo-nos levar ao sabor da corrente, como levados por essas águas que rumam para o mar. O autor, ao que julgo saber, foi sempre de grande coerência na vida. Ideologicamente também, mas os tempos complexos que vivemos não se vislumbram fáceis e alguns vacilam no que tantas vezes tiveram por absoluto, ou decidem percorrer outros caminhos na defesa das ideias. Não sei até que ponto tal se passou com o Prof. Borges Coelho e, além de ser injusto, não seria de bom-tom fazer juízos de valor, ou deixá-los subterraneamente armadilhados, quando não sabemos exactamente do que falamos. Atrevo-me apenas a dizer que, neste seu trabalho de escrita, viajou a um passado que foi seu e de muitos de nós seus contemporâneos e, no decorrer dessa viagem, regressamos à sedução de outros textos, à excelência das frases que descrevem gestos simples, mas de muita nobreza. Descreve-nos jornadas passadas, tempos de combate de ideias em que a vida se empenhava até poder ser perdida. Mas a vida humana não se completa sem o amor, da paisagem, das coisas, da natureza, da cidade e, naturalmente dos homens e das mulheres. E é por aqui que nos perdemos definitivamente. Pressente-se ainda um amor por Lisboa, pela cidade, a cidade grande que é o espaço onde todos habitamos, mas de uma forma particular por esse espaço da capital, como se tornasse seiscentos anos atrás e seguisse a cavalgada de Álvaro Pais e dos mesteirais em direcção ao Paço. “Não há uma rua ou um lugar que não esteja marcado pela história. Mas não é essa história que hoje me inquieta. São as marcas da minha relação com os lugares. O meu Terreiro do Paço olha das janelas abertas por cima das arcadas para os cacilheiros que partem e atracam e para os golfinhos que nadam e saltam em frente do Cais das Colunas. Lisboa é as casas e as ruas onde habitei, as mulheres que amei e desejei, os quartos onde desafiei no sono as passadas da morte”. É o autor em visita a um passado que quer assumir, como seu e de todos aqueles que o acompanharam quando o historiador era ainda combatente da revolução que haveria de descrever com heróis do passado. E, até a mim, que me afasto sempre dessa Lisboa recente, onde germinam os corredores de um poder menor e medíocre, me ganha para esse olhar sensível da cidade que procuro na presença árabe e quando volta a olhar o Tejo, sinto na grandeza das palavras aquele canto que me chama do alto dos minaretes em direcção ao infinito. “Descreves as ruas, o largo, as casas, a água, dizes o nome dos lugares mas não ouço pulsar o coração da cidade. Experimenta a luz, a cor dourada sobre as casas velhas que descem a olhar o rio ou com as janelas incendiadas pelo sol ao entardecer. Estende velas brancas sobre o Mar da Palha. Amarra ao cais os grandes transatlânticos. Não há sinais das lágrimas mas não é possível apagar a memória. Falam no marulhar da água, na fala dos poetas.” Quase rendidos guardamos ainda um resto de fôlego para o fim, pois não história de seres humanos sem uma amizade, sem uma grande amizade que é sempre amor e nas personagens que desfolham por estas páginas encontramos palavras ricas de entendimento, mesmo que por vezes a tristeza se interponha entre um sorriso. Deleitamo-nos a ler. “«Por vezes uma ou outra nuvem , aproveitando a distância física, interpõe-se entre nós. Mas nós sopramo-la com os lábios da nossa pura amizade, com os pulmões da nossa vontade e o azul vem de novo cercar os nossos peitos. Bate devagar, coração, sorri a este sol de Fevereiro e, porque nada mais podes alcançar, colhe-o como uma rosa de fogo e aquece com ela os teus membros frios. E tu, carta, diz-lhe que os meus braços só a ela cingirão com a mansidão do voo dos pássaros pela tarde, com o murmúrio brando de rios alimentados pelas fontes suavíssimas da terra e sem as cóleras golfadas das nuvens que tombam iradas do céu. Diz-lhe que estas palavras saem gota a gota com os lábios entreabertos como se dissesse um poema, como palavras namoradas ditas rosto a rosto»”. Lágrimas de nostalgia descem lentamente a colina do castelo, rompendo por entre as ruelas e as muralhas procurando o grosso caudal do rio e deixamos que as águas nos levem na doçura das tardes. Quase sentimos pena, sentimos mesmo, uma imensa pena quando o livro chega ao fim, quedamo-nos até com a sensação que o autor findou antes do tempo. Resta ainda o porquê do título. Quem é Youkali? Borges Coelho vem um pouco atrás e diz-nos, esclarece essa dúvida inquieta:
Youkali é o país dos belos amores partilhados…
É a libertação
Que todos esperamos para amanhã
.

15 maio, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Pois é, o Inverno voltou. Deu-nos três semanas de tréguas e após isso caiu-nos com esta chuva toda em cima. Hoje de manhã nevava no Marão... Ontem saí cedo de novo e atravessei a ponte, a da Arrábida que é a mais alta e mais bonita. Ainda não chovia, havia muita luz a romper a barragem das nuvens e a foz vista das alturas é deslumbrante, é linda de se ver, é de facto dos locais mais bonitos que conheço, mesmo se olharmos para o outro lado e contemplarmos a cidade continua a ser uma imagem fantástica. Um dia hei-se atravessar a ponte a pé e olhar com calma tudo aquilo. Afinal, temos de guardar alguma coisa na memória. Se for as paisagens e os amigos já é bom. Depois começou a chover e nunca mais parou. Molhei os pés todos e fiquei com frio. Quando assim é a noite fica desagradável. A ver vamos o que nos reserva o fim de semana.

ESSE HOMEM

Se esse homem mexe contigo, amiga, avança.
dá o corpo ao prazer e ao delito
e sustenta o peso enorme da leveza
e arrisca uma vez mais o ser mulher
e tudo o mais que houver será bonito.

Há dias a mais iguais no calendário da razão
por isso avança, amiga, que ao dizeres que sim,
quebraste enfim o medo - estás a dizer não!...

Se é esse o teu cheiro a sério mesmo cá de dentro;
Se, ao tocares, é essa pele que sentes como tua;
exulta por, afinal, viveres esse momento,
que, ao fim da vida, um dia, foi isso o que contou,
e dança, e avança, e vai e põe-te nua.

Há dias a mais iguais no calendário da razão
....

se é esse o teu macho, o teu homem, o teu cio
serve-te quente e intensa naquele enorme instante
e vai, e ferve devagar no arrepio,
e esmaga-lhe os teus lábios como amante
e inunda-lhe a cama como um rio.

Há dias a mais iguais no calendário da razão
....

PEDRO BARROSO, in "Das mulheres e do mundo"

"Em «A Origem das Espécies», Darwin sustenta que é a luta pela sobrevivência que modela a forma das criaturas vivas. Os indivíduos dotados, à nascença, de características especiais que lhes permitem competir pelo alimento, resistir aos rigores climatéricos e escapar a depredadores são aqueles que têm mais probabilidades de atingir a maturidade e de se reproduzir. Transmitem igualmente as suas características favoráveis aos descendentes ao longo de muitas gerações."

"ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Antes da Revolução de 1820, a Intendência Geral da Polícia manteve sempre uma opinião claramente desfavorável às corridas de touros. O liberalismo vintista abriu-lhes as portas e D. Miguel, em 1823, promoveu a multiplicação dos festejos taurinos."

ODETTE GONÇALVES, in "História", Março de 2004

Porto, 02 de Abril de 2004

14 maio, 2007

POESIA


Quando te vi

Amanheceu sombrio e triste
o dia que trouxe esta manhã
enquanto navegava por silêncios
de oceanos profundos

Procurei-te toda a noite
entre as constelações do sul
tentando encontrar o teu nome
escrito em pedras de mármore

Sossegava já o alvorecer
quando te vi chegar
por entre grinaldas amarelas
e a doçura da canela
que naus invisíveis traziam do resto do império

E a tua voz soou ao longe
trazida pelo campanário de uma aldeia recôndita
enquanto as palavras esvoaçavam na planície
ao encontro da minha alma esquecida

Nas águas do teu olhar mergulhei
e senti a pureza dos lagos da montanha
nos dias serenos do degelo
enquanto o tempo se detinha sem memória

Agora vejo o mar e é como se te visse a ti
sobre as águas velejas de encontro ao horizonte
há um brilho estranho sobre as ondas
Leva-me o vento suão
à procura do infinito

e afinal
estou só à espera que chegues de novo.


Porto, Agosto de 1997. A terceira das Canções Desesperadas

13 maio, 2007

LEITURAS


No momento em que iniciava a leitura do livro A Fé em Guerra, mão amiga fez-me oferta de um outro livro sobre os muçulmanos, os árabes e a sua religião.
Esta obra, de Domingos Lopes e Luís de Sá tem a vantagem de ter sido publicada em 1997, ou seja quatro anos antes desse 11 de Setembro que tanto tem marcado as nossas vidas e condicionado as nossas sociedades, relembrando ao nosso esquecimento que a questão árabe juntamente com a sua religiosidade, não é recente. Tem pois, a vantagem de nos mostrar uma realidade não condicionada pelos interesses maléficos dos Estados Unidos e os seus aliados, quer dizer, os interesses do grande capital económico e financeiro que hoje damos em chamar de globalização.
Sob o título com Alá ou com Satã procuram os autores ir ao cerne da questão que faz mover os islamitas, daí deixarem a dúvida se aqueles agem em nome de Deus ou do Diabo. Para além de uma análise das transformações recentes do mundo em termos políticos e de interesses económicos, abordam a temática social e histórica, terminando com um conjunto de elementos sobre cada um dos países completando um quadro onde é possível palmilhar um caminho de percepção que nos mostra um espaço que só pode ser entendido na complexidade de cada momento da história que, diga-se, não teve os mesmos condicionalismos.
É verdade que desde o século VIII, a Europa atormenta-se com a proximidade árabe, mas não poderão estes, dizer o mesmo da Europa? O atraso daqueles não será uma consequência da ocupação europeia dos seus espaços territoriais, da exploração das suas riquezas e do suporte que é dado a regimes autocráticos, conservadores e muitos deles possuidores de um fundamentalismo, o qual, em nome de um fervor religioso alimenta uma casta de senhores? Se nos podemos interrogar se o fundamentalismo das massas árabes serve Deus ou o Diabo, não seria mais correcto dirigirmos a pergunta para os palácios onde ainda prevalecem as sombras da noite, e fazê-la no sentido inverso, quer dizer, não estarão os senhores do petróleo, em nome de Deus a servir o Diabo sendo este o que governa os seus interesses espúrios? Sobre os territórios árabes, floresceram civilizações extraordinárias ao longo de milénios. Egípcios, Persas, Hititas, só para mencionar três a título de exemplo, deixaram marcas indeléveis no caminho da humanidade. Por onde andava a Europa no auge da civilização egípcia? Onde surgiram os primeiros núcleos urbanos? Que povo foi esse que permaneceu seis séculos no ocidente europeu, deixando presença assinalável no âmbito da cultura, do conhecimento, do património e de tantos outros aspectos que compõem a vida humana? É verdade que o domínio otomano pareceu retirar brilho à caminhada destes povos pelos afluentes da vida, mas tê-lo-ão feito mais do que a ocupação colonial, inglesa, francesa e italiana? Neste capítulo, os autores deixaram-me grandes dúvidas quando afirmam que o obscurantismo da presença otomana explica em parte o desprezo pela democracia dos regimes árabes. Não é essa a minha convicção. O desprezo pela democracia já foi diversas vezes demonstrado na Europa e noutros países em que os europeus têm grande e decisiva influência e, no entanto, tal aspecto não foi impeditivo de uma vida democrática posterior. Por outro lado, em termos de obscurantismo que pode dizer a Europa dos seus séculos XV a XVIII? E no entanto, a democracia não sobressai hoje nos seus diversos territórios? A democracia tem o seu tempo histórico e ocorre com o ascenso e o domínio político da burguesia enquanto em muitas sociedades árabes e muçulmanas vivemos ainda um tempo que é medieval, em termos de valores, de cultura e de interesses. Não será por acaso que o sagrado prevalece sobre o profano que a religião e a presença de Deus acordam a população e seguem-na até ao repouso e sendo o mundo tão dependente de Deus é lógico e compreensível que as massas humanas lhe dediquem e ofereçam o que de melhor ou mais valioso têm de si próprios, a vida.
Continuo a olhar para os árabes, talvez mais para os árabes de que para os muçulmanos de forma a tentar compreender como se move toda aquela manta cultural, tentar perceber a diferença entre o palácio e a rua entre as cúpulas douradas das mesquitas e as agruras da vida. São multidões de seres humanos desprezados e humilhados e que é necessário manter sub um jugo perpétuo para que o petróleo possa jorrar nas rotas certas, nem que para isso se utilize a força na crença de um Deus que é tudo e quando a semente da revolta, certa ou errada, lhes escapa ao controlo, então parece que servem o Diabo.
Para mim, o canto árabe, essa poesia que nasce nos desertos de África ou da Arábia, é ainda um valor universal que me cativa, daí que continue a aceitar que quando agem no que parecem ser acções contra o mundo, estão servindo o seu Deus, embora pareça que o façam em nome do Diabo, mas para eles, certamente, o Diabo é antes de mais aqueles que os vão condenando à miséria extrema apesar de dormirem sob fortunas colossais.
É mais uma leitura recomendável para nos ajudar a percepcionar essa realidade que perturba os donos do mundo.

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