Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

21 março, 2009

POEMAS


Para ti eu criarei um dia puro

Livre como o vento e repetido

Como o florir das ondas ordenadas


Sophia de Mello Breyner Andersen

18 março, 2009

POESIA AO AMANHECER


Olá! Amigos

É verdade, tantos dias de ausência e de saudade da vossa companhia. Lá andei pelas minhas leituras da história. Agora que chegou ao fim, começava a gostar destes intervalos académicos. Coloca-nos naquela posição que nunca acreditamos como possível de cortarmos com o quotidiano. Na nossa pressa diária, as coisas parecem imutáveis. Depois, ler, mesmo que em estudo, é uma grande paixão.
Hoje de manhã o cheiro a maresia chegava até minha casa. Foi agradável, como agradável também foi ontem fazer a marginal do rio após um dia esgotante. Lembrei-me então que há coisas que nunca vos contei porque são segredos e, naturalmente os segredos são para guardar. Mas, enfim, de quando em vez podemos levantar um bocadinho da cortina. Eu penso que todos nós vivemos de imagens. Eu crio imagens para muitas coisas, quando não as tenho reais, invento-as e imagino-as reais. Assim, para adormecer criei uma imagem, de mulher, naturalmente que são as mais bonitas e então a história é esta. Há dois anos estive em Cantenac na escola da AXA e todas as manhãs saía às 6h30 e ia passear para a estrada, ver o dia nascer. Caminhava até uma povoação chamada Margueux (acho que era assim) e via o comboio das 07h15 chegar e partir numa estação vazia de tudo apenas com uma placa evocativa da Resistência na 2ª Guerra Mundial. Agora todas as noites como forma de adormecer imagino-me sentado no banco da estação acompanhado da imagem - a imagem tem rosto, é branca com tonalidades de um moreno muito leve, os cabelos aloirados de um loiro não agressivo, não sei de que cor lhe pintei os olhos, mas acho que são castanhos claros e tem um sorriso aberto e bonito e transpira ternura pela pele -, a falar baixinho e a olhar uma noite de lua cheia. Quando demoro a adormecer ainda vimos de mão dada pela estrada, mas adormeço antes de chegarmos à escola e ainda bem, senão poderiam ver-nos e que iriam pensar?

"A única, a amada sem igual,
a mais bela entre todas!
Ela é como a estrela da manhã
que aparece no início de um bom ano.
Ela tem uma luminosa perfeição,
a pele resplandecente,
é amoroso o olhar dos seus lindos olhos.
É suave o falar dos seus lábios,
sem nunca falar de mais.
De pescoço elegante, peito radioso,
cabelo de verdadeiro lápis-lazúli.
Os seus braços valem mais que o ouro,
os seus dedos são como flores de lótus.
de coxas largas e cintura estreita,
as pernas acentuam a sua beleza,
com um andar gracioso ao pisar o chão."

Poema do Antigo Egipto, reinado de Ramsés ", meados do séc. XIII a.C.

"A gente às vezes não sabe se faz as coisas por causa da nossa força ou por causa da nossa cobardia."

ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA, in "Tia Suzana Meu Amor"

"No Egipto, o mundo tinha sido criado por actos sexuais prenhes de erotismo com os amantes a serem representados em fruição plena da natureza e do corpo. No Império Novo, o erotismo transborda nos corpos femininos."

LUÍS MANUEL DE ARAÚJO, "Assim na Terra como no Céu", in "História", Maio de 2004

Porto, 06 de Julho de 2004

15 março, 2009

LEITURAS


António José Bolivar Proaño vive em El Idílio, um lugar remoto na região amazónica dos índios shuar, com quem aprendeu a conhecer a selva e as suas leis, a respeitar os animais que a povoam, mas também a caçar e descobrir os trilhos mais indecifráveis. Um certo dia resolve começar a ler, com paixão, os romandes de amor que, duas vezes por ano, lhe leva o dentista Rubicundo Loachamín, para ocupar as solitárias noites equatoriais da sua velhice anunciada. Com eles, procura alhear-se da fanfarronice estúpida desses “gringos” e garimpeiros que julgam dominar a selva porque chegam armados até aos dentes, mas que não sabem enfrentar uma fera a quem mataram as crias.

Luís Sepúlveda nasceu em Ovalle, no Chile, em 1949. da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se os romances O Velho que lia Romances de Amor e Hisória de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar, ambos já adaptados ao cinema. Mas Mundo do Fim do Mundo, Nome de Toureiro, Patagónia Express, Encontros de Amor num País em Guerra ou Diário de um Killer Sentimental, por exemplo, conquistaram também, em todo o mundo, a admiração de milhões de leitores.

Este Velho que lia Romances de Amor é uma pequena delícia da literatura, Cerca de cem páginas de uma beleza que nos deixam com a atenção e a alma presas a uma história bonita em que os homens e a natureza comungam da mesma taça, a da alegria da vida. É de facto um hino a essa unidade que o ser humano pode realizar com o meio ambiente que o envolve, tanto mais quando falamos desse paraíso chamado Amazónia, território onde populações autóctones vivem ainda no interior de uma convivência que ampara ambos. Mas o Velho é esse ser humano que chegou ao coração da floresta e aprendeu a viver com e dela, dessa extensão de verde que tantos segredos ainda guarda e esconde. Mas este Velho na velhice da sua experiência tornada sabedoria apaixona-se pelos romances. Não quaisquer romances mas aqueles que lhe trazia o dentista, impregnados de amor. Quando já no dealbar da história os homens guiados pelo Velho se encontram no mais profundo da selva na espera de um animal ferido, não no corpo, mas na alma, oferece-nos esse momento ímpar de fazer a espera nocturna do tempo, lendo um dos seus romances de amor e quando os restantes companheiros se aproximam da sua leitura, ocorre a delícia de um diálogo cuja beleza aqui se deixa:
- E que é que estás a ler?
- Um romance. Mas cala-te. Se falas, a chama mexe-se e mexem-se-me as letras.
- De que é que trata?
- Do amor.
- Não me lixes. Com fêmeas ricas, das que fervem?
O Velho fechou o livro num repente fazendo tremer a chama do candeeiro.
- Não. Trata-se do outro amor. Do que dói.
Amor do que dói, esse que nos arrebata a alma, nos provoca a angústia e uma dor imensa quando se perde o que tanto amamos. Três homens, isolados na floresta, no maior dos isolamentos, numa noite de medos e temores, sem o conforto de uma cama, de um leito acolhedor, debruçam-se sobre as letras de um romance, de amor e de paixão, dessas que nos quebram a alma e nos amarram o olhar. Na verdade, Luís Sepúlveda brinda-nos com esta maravilhosa história que nos surge pintada com as cores bonitas da grandeza das coisas e das pessoas.

13 março, 2009

POEMAS


Eu não quero tocar teu corpo de água

Nem quero possuir-te nem cantar-te

Pesa-me já demais a minha mágoa

Sem que seja preciso procurar-te.


Sophia de Mello Breyner Andersen

12 março, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

Há pouco quando vinha a entrar na auto-estrada, sim porque agora o IC1 em Leça é uma auto-estrada, tive uma grande sensação de tranquilidade e apeteceu-me voltar para trás, deixar o carro, atravessar a ponte, apanhar o Metro e vir nas calmas a ler como se tivesse todo o tempo do mundo. Alguns de nós conseguem isso. Um dia, agem como se o tempo não existisse, reduzisse a velocidade ao mínimo. Na maior parte das vezes, a questão é que quando esse tempo chega, já somos demasiado velhos para o aproveitar em toda a plenitude. Quiçá, um dia destes não decido mesmo fazer parar o tempo e olhar para o céu e fico a aguardar a chegada das estrelas.

Amiga, não morras.
Ouve estas palavras que me saem ardendo,
e que ninguém diria se eu não te dissera.

Amiga, não morras.

Eu sou o que espera na estrelada noite.
O que debaixo do sangrento sol poente te espera.

Olho os frutos a cair na terra sombria.
Vejo as gotas de orvalho dançando na erva.

Na noite o espesso perfume das rosas
quando dança a ronda das sombras imensas.

Sob o céu do Sul, o que te espera quando
o ar da tarde como uma boca beija.

Amiga, não morras.

Eu sou o que cortou as grinaldas rebeldes
para o leito selvagem fragrante a sol e a selva.
O que trouxe no braço jacintos amarelos.
E rosas desgarradas. E papoulas sangrentas.

O que cruzou os braços para te esperar, agora.
O que rompeu os seus arcos. O que vergou suas flechas.

Eu sou o que guarda nos lábios o sabor das uvas.
Racimos esfregados. Mordidas vermelhas.

O que te chama desde as alturas brotadas.
Eu sou o que te deseja na hora do amor.

O ar da tarde faz vibrar os ramos mais altos.
Ébrio, meu coração, debaixo de Deus, cambaleia.

O rio desatado rompe às vezes a chorar
sua voz se adelgaça e se faz pura e trémula.

Retumba, entardecida, a queixa azul da água.
Amiga, não morras!

Eu sou o que te espera na estrelada noite,
sobre as praias áureas, sobre as douradas eras.

O que cortou jacintos para o teu leito, e rosas.
Estendido entre as ervas, eu sou o que te espera!

PABLO NERUDA, "El bondero entusiasta", in "Presentes de um Poeta"

" - Não... sempre que me passava pela cabeça pensava logo que ia magoar muita gente. O mundo tinha umas certas regras e eu aceitei-as, tomei compromissos."

ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA, in "Tia Suzana Meu Amor"

À luz da evidência fóssil e da documentação arqueológica disponível não é possível reconstituir a evolução das práticas sexuais dos nossos mais remotos antepassados e dos primeiros homens. Será possível vislumbrar as "origens" do erotismo nas sociedades de bonobos?"

JOÃO PEDRO CUNHA-RIBEIRO, "Sexo, Bifaces e Imagens", in "História", Maio de 2004

Porto, 22 de Junho de 2004

08 março, 2009

LEITURAS


"Um pai e um filho caminham sozinhos pela América. Nada se move na paisagem devastada, excepto a cinza no vento. O frio é tanto que é capaz de rachar as pedras. O céu está escuro e a neve, quando cai, é cinzenta. O seu destino é a costa, embora não saibam o que os espera, ou se algo os espera. Nada possuem, apenas uma pistola para se defenderem dos bandidos que assaltam a estrada, as roupas que trazem vestidas, comida que vão encontrando – e um ao outro.
A Estrada é a história verdadeiramente comovente de uma viagem, que imagina com ousadia um futuro onde não há esperança, mas onde um pai e um filho, «cada qual o mundo inteiro do outro», se vão sustentando através do amor. Impressionante na plenitude da sua visão, esta é uma meditação inabalável sobre o pior e o melhor de que somos capazes: a destruição última, a persistência desesperada e o afecto que mantém duas pessoas vivas enfrentando a devastação total."

Cormac McCarthy nasceu em Rhode Island, em 1933, e estudou na Universidade do Tennessee, que deixou para ingressar na Força Aérea. Vive actualmente em Santa Fé, no Sul dos Estados Unidos, com a mulher e o filho. É autor de nove romances. Na Relógio D’Água tem publicados O Filho de Deus, O Guarda do Pomar e Meridiano de Sangue. De entre os prémios que recebeu, destacam-se o National Book Awward e o National Book Critics Circle Award.

José Saramago com o seu Ensaio sobre a Cegueira, Knut Hamsun com a sua Fome já nos haviam perturbado ao mostrarem-nos até onde pode chegar a violência interior dos seres humanos, essa que escondemos, não mostramos mas surge aqui e ali. Saramago trá-la até nós colectivamente e Hamsun de forma isolada, mas ambos no fim deixam um sinal de esperança, pois perante o nosso desespero de incompreensão terminam com uma saída positiva para o personagem ou os personagens. Contudo, este McCarthy recusa qualquer sinal de esperança. No território do que se presume ser os Estados Unidos da América tudo desapareceu e resta apenas devastação, cinzas, deserto de pessoas e as poucas que restam, vagueiam famintas, agressivas, violentas, selvagens, prontas a matar para roubar e comer. Apenas um homem e uma criança, encarnam o bem, mas mesmo assim, este homem por vezes roça a violência do mal, naturalmente que em legítima defesa como convém. Em certa medida parece uma metáfora sobre a realidade daquele país. Na verdade, se aproximarmos o nosso olhar parece encontrarmos todos aqueles indícios, até a devastação, mesmo sem o território estar vazio de gente, ou será que já se encontra mesmo apesar das pessoas que pensamos ver? No final, a esperança parece desaparecer, pois o pai acaba por morrer doente e a criança encontra a companhia de outro ou outros seres humanos que respondendo a uma pergunta do miúdo, dizem fazer parte dos bons. Mas farão?

01 março, 2009

POEMAS


Não te chamo para te conhecer

conheço tudo à força de não ser.


Sophia de Mello Breyner Andresen

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