Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

22 julho, 2009

POEMAS


Amor, quantos caminhos para chegar a um beijo,
que solidão errante até chegar a ti!
Os comboios continuam vazios rolando com a chuva.
Em Taltal a primavera não amanheceu ainda.

Mas tu e eu, meu amor, estamos juntos,
juntos da roupa às raízes,
juntos pelo outono, pela água, pelas ancas,
até sermos apenas tu e eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que o rio arrasta,
a embocadura da água do Boroa,
pensar que separados por comboios e nações

tu e eu devíamos simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

20 julho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

Pois há muito que ao fim da tarde não ia por esse Portugal fora e ontem lá me encontrei algures às sete da tarde, a norte de Amarante numa aldeia qualquer, no meio de uma imensidade de verde, florestas que cobriam as montanhas cercando o povoado, o sossego das gentes, lugares pousados nas encostas e cobertos de sol, a igreja chamando para a novena, flores rosa cobrindo os muros, uma gaiola enorme de catatuas e rompendo o imenso calor e o silêncio do fim de tarde, o som magnífico de água caindo num lago. E os citadinos a gastarem fortunas em condomínios fechados, encerrando-se em quatro paredes chamando a isso, qualidade de vida!!!
Enfim, hoje lembrem-se de mim, pois é o Dia Mundial da Criança e embora sendo um dos homens que nunca foram meninos, recuso-me a ser adulto.

SAUDADE

Não digas,
Não acenes,
Não te lembres.
Que se mantenha mudo, hirto e sem memória
O nosso adeus eterno.
E que o poeta, do seu negro inferno,
Cante como puder
A trágica aventura de encontrar
E perder, a sonhar,
O teu aberto corpo de mulher.

MIGUEL TORGA

A música transporta-me a um mundo em que a dor não deixa de existir, mas se alarga, se tranquiliza, torna-se ao mesmo tempo mais suave e mais profunda, como uma torrente se transforma em lago.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

A economia de guerra conduziu a um racionamento brutal e desencadeou o movimento grevista de 1944, que incendiou parte da cintura industrial de Lisboa. A greve de Alhandra foi o derradeiro grito de revolta concertado contra Salazar.

MANUELA GONZAGA e RUI GOMES COELHO, “Temos Fome”, in "História”, Maio de 2005

Porto, 01 de Junho de 2005

18 julho, 2009

LEITURAS


Alemanha, ano 799, Carlos Magno, em vésperas de ser coroado imperador do Ocidente, encarrega Gorgias, um ilustre escriba bizantino, da tradução de um documento de vital importância para o futuro da Cristandade. O trabalho deverá ser executado no mais absoluto segredo. Entretanto, Theresa, filha de Gorgias e aprendiz de escriba, é falsamente acusada de um crime e procura refúgio na cidade alemã de Fulda, perdendo o contacto com o pai. Aí, conhecerá Alcuino de York, um frade britânico que investiga uma terrível epidemia que assola a população. Quando Theresa é informada do desaparecimento misterioso de Gorgias, ela e Alcuino embarcam numa aventura inquietante para o encontrar e infiltram-se numa teia conspirativa de ambição, poder e morte, em que nada nem ninguém é o que parece e da qual depende o futuro do mundo ocidental.
Combinando o rigor histórico com uma prosa de ritmo trepidante, este romance de António Garrido conduz o leitor por cidades, claustros e abadias medievais, num thriller apaixonante inspirado em factos reais.

António Garrido nasceu em Linares, em 1963. Actualmente reside em Valência e lecciona na Universidade Politécnica. Desde sempre apaixonado pela investigação histórica, dedicou oito anos da sua vida à escrita deste romance.
A Escriba obteve um acolhimento internacional sem precedentes, com os direitos vendidos para dez países antes mesmo de ser publicado em Espanha.

Este romance passado no coração da Alta Idade Média com a sua ponta de amor, os seus dramas e as suas investigações, ao mesmo tempo didáctico e pedagógico sobre a História, exaltando o papel da mulher, apresentando-a como inteligente, culta e com conhecimentos só acessíveis aos homens de então, embeleza também a história de uma época em que a essas mesmas mulheres ainda estava reservado o papel milenar do trabalho doméstico e da parição dos filhos, longe ainda de uma emancipação que altera substancialmente os papeis de cada um na sociedade actual. Leitura apetecida, entusiasmante e compensadora nesta viagem a um tempo de há mil anos.

17 julho, 2009

POEMAS


Matilde, nome de planta ou pedra ou vinho,
do que nasce da terra e dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio brota a luz dos limões.

No teu nome passam navios de madeira
rodeados por enxames de fogo azul-marinho,
e as suas letras são a água de um rio
que desagua em meu coração calcinado.

Oh nome descoberto sob uma trepadeira
como a porta dum túnel desconhecido
que comunica com a fragrância do mundo!

Oh invade-me com tua boca abrasadora,
perscruta-me, se quiseres, com teus olhos nocturnos,
mas deixa-me em teu nome navegar e dormir.


Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

14 julho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

De quando em vez, venho aqui contar-vos segredos e, naturalmente que vos peço para os guardarem, caso contrário, fico sem espaço para desabafar e esta é uma necessidade que precisamos de satisfazer e que melhor espaço que o dos amigos para que tal ocorra. É verdade, vinha já suspeitando há dias, como algo que se aproxima sem distinguirmos as formas e repentinamente, quase como uma surpresa, descubro-me de novo apaixonado. Melhor, reapaixonado. É como um reencontro com um amor antigo que o vento tinha levado e agora a madrugada traz de novo impelido por um vento semelhante mas aquecido pela primavera tardia e soprando quente de leste. Pressinto um corpo de mulher estendido como a cordilheira andina com um condor de asas abertas sobrevoando faminto sobre a beleza de uma pele que nos olha como um apelo e sentimos dentro de nós como uma onda que nasce no horizonte e se ergue aos poucos num frémito de alegria e se derrete em fulgor num longo abraço nas areias de uma praia extensa e infinita. Agora por aqui estou, olhando perdido o infinito, procurando palavras e descobrindo silêncios e tanta é a perdição que já nem sei onde começa o sonho e acaba a realidade, onde está esse limiar que distingue a imaginação do verdadeiro. Por enquanto, também não importa. Basta simplesmente amar, as formas e os gestos, o certo e o errado, o desejado e o possível, até que um outro vento qualquer faça com que de novo se esfume o que o desejo construiu com tanta beleza.

QUEIXA DAS ALMAS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo.

Dão-nos a vista recomendada
Duma janela sem comboio
Para não sabermos que madrugada
Bebeu a seiva dum arroio.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

NATÁLIA CORREIA, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Cansar-se é, por certo, uma forma de se amestrar; mas o esgotamento do corpo acaba por entorpecer a alma. Resta saber, Monique, se não é preferível uma alma inquieta a uma alma adormecida.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

No início do Verão de 1941, cerca de três milhões de alemães lançaram-se ao assalto da União Soviética. Poucos meses mais tarde, imobilizada na neve, a Wermacht sofre o seu primeiro sério revés.

JORGE FILIPE DE ALMEIDA, “Operação Barbarossa”, in “História”, Maio de 2005

Porto, 31 de Maio de 2005

06 julho, 2009

LEITURAS


Um adolescente, entusiasmado pela leitura de Moby Dick, aproveita as férias de Verão para embarcar num baleeiro e conhecer, nos confins austrais do continente americano, as terras onde o mundo termina. Muitos anos depois, já adulto, jornalista e membro activo dos movimentos ecologistas, o acaso fá-lo regressar a essas paragens distantes por uma razão completamente distinta mas talvez igualmente romântica: a fauna marítima que habita as águas gélidas e impolutas desse mundo do fim do mundo está a ser destruída pela acção criminosa dos navios piratas.

Luís Sepúlveda nasceu em 1949 no Norte do Chile, e tem percorrido quase todos os territórios possíveis da geografia e das utopias, de Punta Arenas a Oslo, de Barcelona a Quito, da selva amazónica ao deserto da República Árabe Saráui, das celas de Pinochet aos barcos do movimento Greenpace. Autor de uma obra multifacetada, que compreende contos, romances, peças de teatro e ensaios, têm-lhe sido atribuídos inúmeros prémios, de entre os quais se destacam o France-Culture para o melhor romance estrangeiro, o Relais-H para o melhor romance de evasão e o Litérature de la Jeunesse para o melhor livro para jovens, todos respeitantes à obra O Velho que Lia Romances de Amor.
Perspicaz narrador de viagens e aventureiro nos confins do mundo, Sepúlveda concilia com sucesso o gosto pela descrição de lugares sugestivos e paisagens irreais com o desejo de contar histórias sobre o Homem, através da sua experiência, dos seus sonhos, das suas esperanças.
Em 2006, foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França.

O escritor chileno fala-nos de sonhos e foi um sonho lê-lo, saborear-lhe as palavras nessa viagem em que nos levou pelas terras, ao mesmo tempo, ermas e formosas do sul austral, dos seus silêncios, dos seus segredos, da sua beleza que o frio fustiga com esse vento único e glacial. Segui-lo por canais, por estreitos, estradas sem fim nessa aventura da descoberta do que se encontra num infinito quase inalcançável, num diálogo com a vida marinha, gelos eternos, glaciares milenares provoca uma sensação de leveza de doçura de amor pela vida que se torna inesquecível e nos deixa essa sensação de perda irrecuperável quando chegamos ao fim da leitura.

05 julho, 2009

POEMAS


Tempo

Tempo sem amor e sem demora

que de mim me despe pelos caminhos fora


Sophia de Mello Breyner Andresen

04 julho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Meus Amigos

É verdade que tenho estado “ausente”, por cansaço, por excesso de serviço e por falta de ideias, de imaginação para vos dizer olá com um sorriso. Talvez esteja a viver um daqueles momentos em que sentimos a alma doente. Bem, mas hoje decidi que vos tinha de dizer duas palavras que trago aqui amarradas ao peito. Sabem como gosto desta cidade onde vivo. Bem, não vivo, mas aqui nasci, aqui passo o tempo, aqui deixo o olhar e nunca retirei a alma. Pois, cresci a aprender a amar os seus valores mais intrínsecos, aqueles que mesmo já não sendo totalmente verdadeiros ainda compõem o nosso imaginário, valores que têm a ver com nobreza de sentimentos, liberdade de pensamento e dignidade de comportamentos. O Porto foi sempre uma cidade de homens livres. Com o Bispo contra o Rei e depois com o Rei contra o Bispo. Era uma liberdade burguesa, mas também é a única que tivemos até hoje, mas foi sustentada com a coragem e o sangue da arraia-miúda, dos mesteirais e de todos aqueles que morrem sempre por uma causa. Ao longo da vida tenho sempre pugnado para que os visitantes levem desta cidade uma das suas medalhas mais valoradas que é de saber receber bem, saber dizer bem vindos aos que chegam e regressem sempre que puderem aos que partem. A cidade é vossa e nós encontramo-nos ao vosso dispor. Pois bem, a semana passada vi passarem imagens na TV que desonraram esta cidade. O nome da cidade espalhou-se com a fama de um vinho que não é seu e nos últimos anos com o nome de um Clube que tem coleccionado vitórias e é bom que quando estamos algures no mundo alguém nos felicite por virmos de onde vimos. Só que as imagens que vi de arruaça e violência promovida por energúmenos e homúnculos, provavelmente uma parte deles oriundos de outros locais que não o Porto, não têm palavras que as qualifiquem. A cidade e as suas praças não são de ninguém, foram e serão sempre de todos os homens livres que as pisarem, mesmo que alguns decidam ocupá-las temporariamente à cacetada. E, apesar de tudo, o mais chocante foi encontrar nos dias seguintes alguma gente séria que não apoiando, desculpou os actos com o argumento de que os outros também…., como se a “nossa” violência pudesse ser desculpada com a violência dos outros. Para além de nos sentirmos tristes por os vândalos guerrearem a seu bel-prazer pela cidade ocupada ficou ainda a tristeza de verificarmos que quem não sabe perder, não merece vencer, pelo que, constatamos agora, têm sido uns maus vencedores e não merecem a cidade que têm.

Assim que a conheci fiquei a gostar da palavra Winnipeg. As palavras têm asas ou não as têm. A palavra Winnipeg é alada. Eu vi-a voar pela primeira vez num atracadouro de vapores, perto de Bordéus. Era um formoso barco velho, com essa dignidade que dão os sete mares ao longo do tempo.
Diante dos meus olhos, sob a minha direcção, o navio devia encher-se de dois mil homens e mulheres. Vinham de campos de concentração, de inóspitas regiões, do deserto. Vinham da angústia, da derrota, e este barco devia encher-se com eles para trazê-los às costas do Chile, ao meu próprio mundo que os acolhia. Eram os combatentes espanhóis que cruzaram a fronteira da França para um exílio que já dura há mais de trinta anos.
Eu não pensei, quando viajei do Chile à França, nos azares, dificuldades e adversidades que encontraria em minha missão. O meu país necessitava de capacidades qualificadas, homens de vontade criadora. Necessitávamos de especialistas.
Recolher estes seres dispersados, escolhê-los nos mais remotos acampamentos e levá-los até aquele dia azul, defronte do mar da França, onde suavemente flutuava o barco Winnipeg, foi coisa grave, foi assunto complicado, foi trabalho de devoção e desesperação.
Os meus colaboradores eram uma espécie de tribunal do purgatório. E eu, pela primeira e última vez, devo ter parecido Júpiter aos emigrados. Eu decretava o último Sim ou o último Não. Porém, eu sou mais Sim do que Não, de modo que disse sempre Sim.
Estavam já a bordo quase todos os meus bons sobrinhos, peregrinos rumo a terras desconhecidas, e me preparava para descansar da dura tarefa, mas as minhas emoções pareciam não terminar nunca. O governo do Chile, pressionado e combatido, me instava num telegrama a cancelar a viagem dos emigrados.
Falei com o Ministério das Relações Exteriores do meu país. Era difícil falar a grande distância em 1939. Mas a minha indignação e a minha angústia ouviram-se através de oceanos e cordilheiras e o Ministro ficou solidário comigo. Depois de uma crise de gabinete, o Winnipeg, carregado com dois mil republicanos que cantavam e choravam, levantou âncoras e tomou o rumo de Valparaíso.
Que a crítica apague toda a minha poesia, se lhe parece. Mas este poema, que hoje recordo, ninguém poderá apagá-lo nunca mais.

PABLO NERUDA, “Nasci para nascer”, in “Presentes de um Poeta”

Receava o imprevisto dos encontros mundanos, o perigo dos rostos humanos. Encontrei-me só. Depois a solidão meteu-me medo. Nunca se está completamente só: para nossa desgraça, estamos sempre com nós mesmos.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

Fantasma presente, estátua viva, marca registada, herói para uns, ditador para outros, figura incontornável da defunta Jugoslávia e de todo o século XX, 25 anos depois da morte de Tito, ainda há Tito.

ANDRÉ CUNHA e ANA ZADRO, “A História em restauro”, in “História”, Maio de 2005

Porto, 30 de Maio de 2005

02 julho, 2009

LEITURAS


Em 1960, Michael Berg é iniciado no amor por Hanna Schmitz. Ele tem 15 anos, ela 36. Ele é apenas um adolescente. Ela é uma mulher madura, bela, sensual e autoritária. Os seus encontros decorrem como um ritual: primeiro banham-se, depois ele lê, ela escuta e finalmente fazem amor. Mas este período de felicidade incerta tem um fim abrupto quando Hanna desaparece subitamente.
Michael só a encontrará muitos anos mais tarde, envolvida num processo de acusação a ex-guardas dos campos de concentração nazis. Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha, julgar a geração anterior, responsável por vários crimes.
Perturbadora meditação sobre os destinos da Alemanha, O Leitor é, desde O Perfume, o romance alemão mais aplaudido nacional e internacionalmente. Traduzido em 39 línguas, foi galardoado em 1997 com os prémios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Em 1999 venceu o Prémio de Literatura do Die Welt.


Bernard Schlink nasceu em 1944, em Bielefeld, e é jurista de formação. Em 1988, tornou-se juiz do Tribunal Constitucional da Renânia Setentrional-Vestefália. É professor de Direito Público e de Filosofia do Direito na Universidade Humboldt, em Berlim, desde 2006. Tanto O Leitor como um conto de Amores em Fuga foram adaptados ao cinema. Para além destas obras, no catálogo ASA figuram também os seus livros Neblina sobre Mannheim e O Regresso.


Ver o filme e ler o livro é complemento que nos conduz a uma maior abrangência da obra. Ao ler, procuramos instintivamente as imagens do filme e procuramos estas nas páginas do livro. No entanto, é nas palavras escritas que encontramos o rigor que nos ajuda a uma maior compreensão e reflexão da história, dos factos relatados e que certamente o autor procurou conseguir. Pese embora, abordar um tema dramático como foi a Segunda Guerra Mundial e os seus campos de concentração que por vontade de quem os construiu ou pelas condições que neles geraram se tornaram na verdade em campos de extermínio, lê-se sem a paixão da vingança, sem a crueldade das mortes matadas e torturadas. Sentimos até uma ternura comovente por certos actos, certos momentos, determinados instantes em que a reflexão nos leva para lá do pensamento histórico. É verdade que procurar compreender os seres humanos, não desculpa, nem perdoa os actos nem absolve da justiça, mas, passado o presente histórico do acontecimento, a justiça terá de substituir a vingança, desde que as pessoas envolvidas compreendam que à responsabilidades que não podem passar impunes sob pena de se repetirem indiscriminadamente. Neste caso, não podemos esquecer que essa máquina montada pelos nazis, principiou por prender os comunistas, depois os democratas e estenderam a sua acção aos que professavam a religião judaica, aos eslavos e a todos aqueles que se diferenciavam dessa ideia estúpida, absurda e abjecta de considerar que existia uma raça superior.
O livro, ao contrário do filme, divide-se claramente em três momentos distintos. Um primeiro em que um adolescente encontra uma mulher madura com o dobro da sua idade e que lhe oferece o que todos os jovens desejam no alimento dos seus sonhos, o corpo de uma mulher para amar. São páginas cheias desses instantes em que em troca de uma leitura lhe são proporcionados momentos de verdadeiro amor, desse onde o tactear do corpo do outro nos conduz a vogar pelas nuvens e traz à memória essa situação de os rapazes procurarem na adolescência mulheres mais velhas como se nelas encontrem a mãe e quando adultos procurem mulheres mais novas como se isso lhes dê essa sensação de não envelhecer.
Numa segunda parte, o livro conduz o jovem de encontro a essa Hanna que o havia ensinado a amar e que um dia desapareceu sem deixar rasto e de forma inexplicável. Encontra-a agora sentada num banco de réus, acusada de crimes contra a humanidade cometidos num campo de concentração para mulheres. A mulher, envelhecida vai admitindo a verdade, a que ela conhecia e a que não podia ser contestada. Contudo, essa perversão que é a consciência humana nos seus espaços mais trágicos, traz ao de cima esse limiar da sobrevivência que nos faz caminhar por sobre os outros. Foi assim, com aquelas acusadas suas companheiras de viagem que não se importaram de fazer recair todos os factos sobre Hanna desde que isso servisse para minorar o seu papel e iludir as suas responsabilidades. Todas estas mulheres eram guardas prisionais e, na aparência foram julgadas e condenadas como se não existisse um comando, uma direcção, oficiais, soldados e todo um conjunto, toda uma escala hierárquica responsável. De novo, aparecem vítimas e são judeus. Sobre esta matéria, a minha paciência esgota-se pelo realçar, constante, permanente, dessa gente que pelo simples facto de professar uma religião se considera única e, da forma como se apresentam, como realçam o seu papel, demasiado passivo, diga-se, até parecem ser também eles, uma raça superior. Afinal, não são esses mesmos judeus que após a guerra, esta guerra, passaram a ser eles a fazer uma outra, cheia de crimes, de torturas, de dramas de milhares e milhares de mortos, de assassínios, de campos de concentração? São, só que agora, são eles, judeus, a raça superior, os carrascos, os nazis. Prefiro pensar que para além dos 6 milhões de judeus foram mortos 30 milhões de eslavos. Não pelo número, mas por também serem seres humanos.
O Terceiro momento do livro é o do homem que foi jovem, após passar pelo sofrimento que foi ver julgada a mulher que o havia ensinado a amar, que o acolheu nos seus braços nessa adolescência que nos dilacera a alma com as paixões, essa mesma mulher julgada e condenada por crimes em que colaborou no envio de outros seres tão humanos como ela, para uma morte que se sabia ou adivinhava, descobrir que Hanna não sabia ler, daí o papel de leitor que lhe destinou em troca de actos de amor. É um diálogo surdo com essa mulher a quem envia gravações de livros que lê para que ela escute e só no fim sabendo que com esse gesto a impulsionou a aprender a escrever e a ler. Descobri-lo-á muito tarde, após o seu suicídio, incapaz que foi de enfrentar a liberdade. Já nada a ligava ao mundo exterior, depois de se ter encerrado no seu próprio.
Na aparência, o escritor parece querer conduzir-nos para essa ideia que nem todos os nazis foram criminosos sem com isso deixar de afirmar que os crimes devem ser julgados e os responsáveis punidos. Cria esta personagem em que toda a sua vida foi condicionada pelo medo e a vergonha de não saber ler. É o seu analfabetismo que a conduz a guarda prisional aos 21 anos e num momento em que a guerra se voltava contra os seus criadores e há-de ser essa falta de saber juntar as letras que agravará a sua condenação, pois preferiu assumir culpas a reconhecer que não lia nem escrevia. É um pouco incompreensível que alguém deixe a sua vida afundar-se por não ser capaz de reconhecer uma dificuldade comum a muitos outros seres humanos. Talvez que a intenção do autor fosse essa mesma de realçar esse papel dos culpados por obediência e não por escolha.
Entre a ternura do amor e a reflexão da vida, o livro chega a ser lindíssimo sem deixar de ser dramático.
Já nas derradeiras páginas algumas afirmações chamaram-me a atenção. “fugir não é somente partir, é chegar também a outro lado.” Estamos sempre em viagem mas escapar-nos talvez não seja a solução, pois haveremos de encontrar outro lugar, outra realidade e a vida tem de voltar a ser vivida. O melhor, por muito que nos custe, é ficar e resolver o que tiver de ser resolvido. “ser historiador é lançar pontes entre o passado e o presente e observar as duas margens e actuar em ambas”. O historiador tem essa vantagem de viver duas vezes. A sua própria vida e aquela que observa, analisa e estuda e da simbiose de ambas tentar extrair lições para os caminhos que hão-de chegar. Futuro onde recomenda o autor que nos concentremos para não nos deixarmos cegar pela herança do passado. Contudo, embora seja lugar comum dizermos que quanto mais olharmos para trás menos tempo temos de ver o futuro, não podemos deixar de procurar no passado, o ensinamento que nos ajude a descobrir o devir.
Uma outra afirmação, uma frase, de grande beleza enriquece o final do livro, quando já quase nos rendemos a um drama que nos questiona e nos apaixona, acelerando a leitura, mas tornando mais lento o pensamento e tem a ver com a aprendizagem a ler de Hanna, pois ler, saber ler e interpretar é a liberdade do pensamento. “Quando a Hanna arranjou coragem para aprender a ler e a escrever, deu o passo da imaturidade para a maturidade, um passo para a renascença”. Para a renascença, esse tempo, esse espaço de grandeza da humanidade, essa época de luzes e de sonho, onde a fantasia voava no espírito dos Homens.
Por último, diz-nos que “quando se deixa passar o momento certo (…) algo chega forçosamente demasiado tarde (…). Talvez «tarde de mais» não exista, apenas «tarde»”. Sim, há muitas coisas que se tornam irrecuperáveis quando não são usufruídas no seu próprio tempo e no seu espaço. Por vezes, ainda têm sabor quando as recuperamos, mas na maior parte das situações, é sempre tarde de mais. Porém, deixa-nos uma pergunta, será que tarde, apesar de tudo é melhor do que nunca?

01 julho, 2009

POEMAS


Pela flor pelo vento pelo fogo

pela estrela da noite tão límpida e serena

pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo

pelo amor sem ironia - por tudo.

Que atentamente esperamos

Reconheci tua presença incerta

tua presença fantástica e liberta.


Sophia de Mello Breyner Andresen

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