LEITURAS
Em 1960, Michael Berg é iniciado no amor por Hanna Schmitz. Ele tem 15 anos, ela 36. Ele é apenas um adolescente. Ela é uma mulher madura, bela, sensual e autoritária. Os seus encontros decorrem como um ritual: primeiro banham-se, depois ele lê, ela escuta e finalmente fazem amor. Mas este período de felicidade incerta tem um fim abrupto quando Hanna desaparece subitamente.
Michael só a encontrará muitos anos mais tarde, envolvida num processo de acusação a ex-guardas dos campos de concentração nazis. Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha, julgar a geração anterior, responsável por vários crimes.
Perturbadora meditação sobre os destinos da Alemanha, O Leitor é, desde O Perfume, o romance alemão mais aplaudido nacional e internacionalmente. Traduzido em 39 línguas, foi galardoado em 1997 com os prémios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Em 1999 venceu o Prémio de Literatura do Die Welt.
Michael só a encontrará muitos anos mais tarde, envolvida num processo de acusação a ex-guardas dos campos de concentração nazis. Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha, julgar a geração anterior, responsável por vários crimes.
Perturbadora meditação sobre os destinos da Alemanha, O Leitor é, desde O Perfume, o romance alemão mais aplaudido nacional e internacionalmente. Traduzido em 39 línguas, foi galardoado em 1997 com os prémios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Em 1999 venceu o Prémio de Literatura do Die Welt.
Bernard Schlink nasceu em 1944, em Bielefeld, e é jurista de formação. Em 1988, tornou-se juiz do Tribunal Constitucional da Renânia Setentrional-Vestefália. É professor de Direito Público e de Filosofia do Direito na Universidade Humboldt, em Berlim, desde 2006. Tanto O Leitor como um conto de Amores em Fuga foram adaptados ao cinema. Para além destas obras, no catálogo ASA figuram também os seus livros Neblina sobre Mannheim e O Regresso.
Ver o filme e ler o livro é complemento que nos conduz a uma maior abrangência da obra. Ao ler, procuramos instintivamente as imagens do filme e procuramos estas nas páginas do livro. No entanto, é nas palavras escritas que encontramos o rigor que nos ajuda a uma maior compreensão e reflexão da história, dos factos relatados e que certamente o autor procurou conseguir. Pese embora, abordar um tema dramático como foi a Segunda Guerra Mundial e os seus campos de concentração que por vontade de quem os construiu ou pelas condições que neles geraram se tornaram na verdade em campos de extermínio, lê-se sem a paixão da vingança, sem a crueldade das mortes matadas e torturadas. Sentimos até uma ternura comovente por certos actos, certos momentos, determinados instantes em que a reflexão nos leva para lá do pensamento histórico. É verdade que procurar compreender os seres humanos, não desculpa, nem perdoa os actos nem absolve da justiça, mas, passado o presente histórico do acontecimento, a justiça terá de substituir a vingança, desde que as pessoas envolvidas compreendam que à responsabilidades que não podem passar impunes sob pena de se repetirem indiscriminadamente. Neste caso, não podemos esquecer que essa máquina montada pelos nazis, principiou por prender os comunistas, depois os democratas e estenderam a sua acção aos que professavam a religião judaica, aos eslavos e a todos aqueles que se diferenciavam dessa ideia estúpida, absurda e abjecta de considerar que existia uma raça superior.
O livro, ao contrário do filme, divide-se claramente em três momentos distintos. Um primeiro em que um adolescente encontra uma mulher madura com o dobro da sua idade e que lhe oferece o que todos os jovens desejam no alimento dos seus sonhos, o corpo de uma mulher para amar. São páginas cheias desses instantes em que em troca de uma leitura lhe são proporcionados momentos de verdadeiro amor, desse onde o tactear do corpo do outro nos conduz a vogar pelas nuvens e traz à memória essa situação de os rapazes procurarem na adolescência mulheres mais velhas como se nelas encontrem a mãe e quando adultos procurem mulheres mais novas como se isso lhes dê essa sensação de não envelhecer.
Numa segunda parte, o livro conduz o jovem de encontro a essa Hanna que o havia ensinado a amar e que um dia desapareceu sem deixar rasto e de forma inexplicável. Encontra-a agora sentada num banco de réus, acusada de crimes contra a humanidade cometidos num campo de concentração para mulheres. A mulher, envelhecida vai admitindo a verdade, a que ela conhecia e a que não podia ser contestada. Contudo, essa perversão que é a consciência humana nos seus espaços mais trágicos, traz ao de cima esse limiar da sobrevivência que nos faz caminhar por sobre os outros. Foi assim, com aquelas acusadas suas companheiras de viagem que não se importaram de fazer recair todos os factos sobre Hanna desde que isso servisse para minorar o seu papel e iludir as suas responsabilidades. Todas estas mulheres eram guardas prisionais e, na aparência foram julgadas e condenadas como se não existisse um comando, uma direcção, oficiais, soldados e todo um conjunto, toda uma escala hierárquica responsável. De novo, aparecem vítimas e são judeus. Sobre esta matéria, a minha paciência esgota-se pelo realçar, constante, permanente, dessa gente que pelo simples facto de professar uma religião se considera única e, da forma como se apresentam, como realçam o seu papel, demasiado passivo, diga-se, até parecem ser também eles, uma raça superior. Afinal, não são esses mesmos judeus que após a guerra, esta guerra, passaram a ser eles a fazer uma outra, cheia de crimes, de torturas, de dramas de milhares e milhares de mortos, de assassínios, de campos de concentração? São, só que agora, são eles, judeus, a raça superior, os carrascos, os nazis. Prefiro pensar que para além dos 6 milhões de judeus foram mortos 30 milhões de eslavos. Não pelo número, mas por também serem seres humanos.
O Terceiro momento do livro é o do homem que foi jovem, após passar pelo sofrimento que foi ver julgada a mulher que o havia ensinado a amar, que o acolheu nos seus braços nessa adolescência que nos dilacera a alma com as paixões, essa mesma mulher julgada e condenada por crimes em que colaborou no envio de outros seres tão humanos como ela, para uma morte que se sabia ou adivinhava, descobrir que Hanna não sabia ler, daí o papel de leitor que lhe destinou em troca de actos de amor. É um diálogo surdo com essa mulher a quem envia gravações de livros que lê para que ela escute e só no fim sabendo que com esse gesto a impulsionou a aprender a escrever e a ler. Descobri-lo-á muito tarde, após o seu suicídio, incapaz que foi de enfrentar a liberdade. Já nada a ligava ao mundo exterior, depois de se ter encerrado no seu próprio.
Na aparência, o escritor parece querer conduzir-nos para essa ideia que nem todos os nazis foram criminosos sem com isso deixar de afirmar que os crimes devem ser julgados e os responsáveis punidos. Cria esta personagem em que toda a sua vida foi condicionada pelo medo e a vergonha de não saber ler. É o seu analfabetismo que a conduz a guarda prisional aos 21 anos e num momento em que a guerra se voltava contra os seus criadores e há-de ser essa falta de saber juntar as letras que agravará a sua condenação, pois preferiu assumir culpas a reconhecer que não lia nem escrevia. É um pouco incompreensível que alguém deixe a sua vida afundar-se por não ser capaz de reconhecer uma dificuldade comum a muitos outros seres humanos. Talvez que a intenção do autor fosse essa mesma de realçar esse papel dos culpados por obediência e não por escolha.
Entre a ternura do amor e a reflexão da vida, o livro chega a ser lindíssimo sem deixar de ser dramático.
Já nas derradeiras páginas algumas afirmações chamaram-me a atenção. “fugir não é somente partir, é chegar também a outro lado.” Estamos sempre em viagem mas escapar-nos talvez não seja a solução, pois haveremos de encontrar outro lugar, outra realidade e a vida tem de voltar a ser vivida. O melhor, por muito que nos custe, é ficar e resolver o que tiver de ser resolvido. “ser historiador é lançar pontes entre o passado e o presente e observar as duas margens e actuar em ambas”. O historiador tem essa vantagem de viver duas vezes. A sua própria vida e aquela que observa, analisa e estuda e da simbiose de ambas tentar extrair lições para os caminhos que hão-de chegar. Futuro onde recomenda o autor que nos concentremos para não nos deixarmos cegar pela herança do passado. Contudo, embora seja lugar comum dizermos que quanto mais olharmos para trás menos tempo temos de ver o futuro, não podemos deixar de procurar no passado, o ensinamento que nos ajude a descobrir o devir.
Uma outra afirmação, uma frase, de grande beleza enriquece o final do livro, quando já quase nos rendemos a um drama que nos questiona e nos apaixona, acelerando a leitura, mas tornando mais lento o pensamento e tem a ver com a aprendizagem a ler de Hanna, pois ler, saber ler e interpretar é a liberdade do pensamento. “Quando a Hanna arranjou coragem para aprender a ler e a escrever, deu o passo da imaturidade para a maturidade, um passo para a renascença”. Para a renascença, esse tempo, esse espaço de grandeza da humanidade, essa época de luzes e de sonho, onde a fantasia voava no espírito dos Homens.
Por último, diz-nos que “quando se deixa passar o momento certo (…) algo chega forçosamente demasiado tarde (…). Talvez «tarde de mais» não exista, apenas «tarde»”. Sim, há muitas coisas que se tornam irrecuperáveis quando não são usufruídas no seu próprio tempo e no seu espaço. Por vezes, ainda têm sabor quando as recuperamos, mas na maior parte das situações, é sempre tarde de mais. Porém, deixa-nos uma pergunta, será que tarde, apesar de tudo é melhor do que nunca?
O livro, ao contrário do filme, divide-se claramente em três momentos distintos. Um primeiro em que um adolescente encontra uma mulher madura com o dobro da sua idade e que lhe oferece o que todos os jovens desejam no alimento dos seus sonhos, o corpo de uma mulher para amar. São páginas cheias desses instantes em que em troca de uma leitura lhe são proporcionados momentos de verdadeiro amor, desse onde o tactear do corpo do outro nos conduz a vogar pelas nuvens e traz à memória essa situação de os rapazes procurarem na adolescência mulheres mais velhas como se nelas encontrem a mãe e quando adultos procurem mulheres mais novas como se isso lhes dê essa sensação de não envelhecer.
Numa segunda parte, o livro conduz o jovem de encontro a essa Hanna que o havia ensinado a amar e que um dia desapareceu sem deixar rasto e de forma inexplicável. Encontra-a agora sentada num banco de réus, acusada de crimes contra a humanidade cometidos num campo de concentração para mulheres. A mulher, envelhecida vai admitindo a verdade, a que ela conhecia e a que não podia ser contestada. Contudo, essa perversão que é a consciência humana nos seus espaços mais trágicos, traz ao de cima esse limiar da sobrevivência que nos faz caminhar por sobre os outros. Foi assim, com aquelas acusadas suas companheiras de viagem que não se importaram de fazer recair todos os factos sobre Hanna desde que isso servisse para minorar o seu papel e iludir as suas responsabilidades. Todas estas mulheres eram guardas prisionais e, na aparência foram julgadas e condenadas como se não existisse um comando, uma direcção, oficiais, soldados e todo um conjunto, toda uma escala hierárquica responsável. De novo, aparecem vítimas e são judeus. Sobre esta matéria, a minha paciência esgota-se pelo realçar, constante, permanente, dessa gente que pelo simples facto de professar uma religião se considera única e, da forma como se apresentam, como realçam o seu papel, demasiado passivo, diga-se, até parecem ser também eles, uma raça superior. Afinal, não são esses mesmos judeus que após a guerra, esta guerra, passaram a ser eles a fazer uma outra, cheia de crimes, de torturas, de dramas de milhares e milhares de mortos, de assassínios, de campos de concentração? São, só que agora, são eles, judeus, a raça superior, os carrascos, os nazis. Prefiro pensar que para além dos 6 milhões de judeus foram mortos 30 milhões de eslavos. Não pelo número, mas por também serem seres humanos.
O Terceiro momento do livro é o do homem que foi jovem, após passar pelo sofrimento que foi ver julgada a mulher que o havia ensinado a amar, que o acolheu nos seus braços nessa adolescência que nos dilacera a alma com as paixões, essa mesma mulher julgada e condenada por crimes em que colaborou no envio de outros seres tão humanos como ela, para uma morte que se sabia ou adivinhava, descobrir que Hanna não sabia ler, daí o papel de leitor que lhe destinou em troca de actos de amor. É um diálogo surdo com essa mulher a quem envia gravações de livros que lê para que ela escute e só no fim sabendo que com esse gesto a impulsionou a aprender a escrever e a ler. Descobri-lo-á muito tarde, após o seu suicídio, incapaz que foi de enfrentar a liberdade. Já nada a ligava ao mundo exterior, depois de se ter encerrado no seu próprio.
Na aparência, o escritor parece querer conduzir-nos para essa ideia que nem todos os nazis foram criminosos sem com isso deixar de afirmar que os crimes devem ser julgados e os responsáveis punidos. Cria esta personagem em que toda a sua vida foi condicionada pelo medo e a vergonha de não saber ler. É o seu analfabetismo que a conduz a guarda prisional aos 21 anos e num momento em que a guerra se voltava contra os seus criadores e há-de ser essa falta de saber juntar as letras que agravará a sua condenação, pois preferiu assumir culpas a reconhecer que não lia nem escrevia. É um pouco incompreensível que alguém deixe a sua vida afundar-se por não ser capaz de reconhecer uma dificuldade comum a muitos outros seres humanos. Talvez que a intenção do autor fosse essa mesma de realçar esse papel dos culpados por obediência e não por escolha.
Entre a ternura do amor e a reflexão da vida, o livro chega a ser lindíssimo sem deixar de ser dramático.
Já nas derradeiras páginas algumas afirmações chamaram-me a atenção. “fugir não é somente partir, é chegar também a outro lado.” Estamos sempre em viagem mas escapar-nos talvez não seja a solução, pois haveremos de encontrar outro lugar, outra realidade e a vida tem de voltar a ser vivida. O melhor, por muito que nos custe, é ficar e resolver o que tiver de ser resolvido. “ser historiador é lançar pontes entre o passado e o presente e observar as duas margens e actuar em ambas”. O historiador tem essa vantagem de viver duas vezes. A sua própria vida e aquela que observa, analisa e estuda e da simbiose de ambas tentar extrair lições para os caminhos que hão-de chegar. Futuro onde recomenda o autor que nos concentremos para não nos deixarmos cegar pela herança do passado. Contudo, embora seja lugar comum dizermos que quanto mais olharmos para trás menos tempo temos de ver o futuro, não podemos deixar de procurar no passado, o ensinamento que nos ajude a descobrir o devir.
Uma outra afirmação, uma frase, de grande beleza enriquece o final do livro, quando já quase nos rendemos a um drama que nos questiona e nos apaixona, acelerando a leitura, mas tornando mais lento o pensamento e tem a ver com a aprendizagem a ler de Hanna, pois ler, saber ler e interpretar é a liberdade do pensamento. “Quando a Hanna arranjou coragem para aprender a ler e a escrever, deu o passo da imaturidade para a maturidade, um passo para a renascença”. Para a renascença, esse tempo, esse espaço de grandeza da humanidade, essa época de luzes e de sonho, onde a fantasia voava no espírito dos Homens.
Por último, diz-nos que “quando se deixa passar o momento certo (…) algo chega forçosamente demasiado tarde (…). Talvez «tarde de mais» não exista, apenas «tarde»”. Sim, há muitas coisas que se tornam irrecuperáveis quando não são usufruídas no seu próprio tempo e no seu espaço. Por vezes, ainda têm sabor quando as recuperamos, mas na maior parte das situações, é sempre tarde de mais. Porém, deixa-nos uma pergunta, será que tarde, apesar de tudo é melhor do que nunca?
1 Comments:
eu tive prazer de ler esse livro, e sim ele é muito bom! muito boa postagem :D
Enviar um comentário
<< Home