LEITURAS
«Sinos ou cães, a mim tanto se me dava. Sirenes ou feras em alvoroço, tudo na noite excitava e engrandecia os ânimos dos habitantes, pois dividiram-se entre o saque da Regedoria e a caça ao criminoso pelas atas mais próximas. Mas quanto a ele, a esse meu excomungado irmão, repito, nada de nada. Sumira-se sem deixar um rasto de baba. O Diabo o levara talvez para bem longe daqui. Se o engoliu o mar, se se dissolveu na morrinha do ar, se cavou a própria sepultura e nela se enfiou para ir direito às profundas do Inferno – não há quem honestamente o possa garantir. O caso é que a sua aura se ergueu e esfumou no ar, voando sabe-se lá para onde e expandindo-se depois em lendas, boatos e outras suposições.»
Há histórias, personagens, invenções sobre o mundo que podem viver connosco durante anos e anos, ser parte do nosso imaginário e suscitar em nós a linguagem dos chamados «grandes sistemas» políticos e sociais do nosso tempo. Esse é o caso desta novela. O autor trouxe-a consigo de estação em estação, de livro para livro, em momentos de pausa, pulsão de reescrita e obra inacabada, por entre outras ficções – como um texto que estivesse à espera da sua própria completude, para só então existir fora de quem o escreveu e criou. A Divina Miséria separa-se definitivamente do seu autor para adquirir vida própria e propor-nos a imagem do obscurantismo moderno, os poderes terreno e divino como tema de uma literatura que tenta forçar os limites da própria imaginação. Eis um ser vivo à margem do seu criador. É de uma nova «trindade» que esta novela nos fala: o triunfo da religião sobre a morte simbólica da Igreja, a rota de colisão entre o humano e o transcendente, a grande potência invasora do mundo de hoje, mais forte do que Deus e senhora absoluta dos homens.
Há histórias, personagens, invenções sobre o mundo que podem viver connosco durante anos e anos, ser parte do nosso imaginário e suscitar em nós a linguagem dos chamados «grandes sistemas» políticos e sociais do nosso tempo. Esse é o caso desta novela. O autor trouxe-a consigo de estação em estação, de livro para livro, em momentos de pausa, pulsão de reescrita e obra inacabada, por entre outras ficções – como um texto que estivesse à espera da sua própria completude, para só então existir fora de quem o escreveu e criou. A Divina Miséria separa-se definitivamente do seu autor para adquirir vida própria e propor-nos a imagem do obscurantismo moderno, os poderes terreno e divino como tema de uma literatura que tenta forçar os limites da própria imaginação. Eis um ser vivo à margem do seu criador. É de uma nova «trindade» que esta novela nos fala: o triunfo da religião sobre a morte simbólica da Igreja, a rota de colisão entre o humano e o transcendente, a grande potência invasora do mundo de hoje, mais forte do que Deus e senhora absoluta dos homens.
João de Melo nasceu nos Açores, em 1949, e fez os seus estudos no continente. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e foi professor nos ensinos secundário e superior. Tem residência nesta cidade desde 1967, mas actualmente vive e trabalha em Madrid.
Autor de vinte livros já publicados (ensaio, antologia, poesia, romance e conto), algumas das suas obras de ficção valeram-lhe vários prémios literários, nacionais e estrangeiros, e foram adaptadas para teatro e televisão, estando traduzidas em cerca de uma dezena de países.
Autor de vinte livros já publicados (ensaio, antologia, poesia, romance e conto), algumas das suas obras de ficção valeram-lhe vários prémios literários, nacionais e estrangeiros, e foram adaptadas para teatro e televisão, estando traduzidas em cerca de uma dezena de países.
Voltar a encontrar João de Melo passado uns anos nos seus escritos mais belos e mais ricos com as aldeias das suas ilhas com a exuberância da palavra que só um açoriano pode transmitir é uma grata surpresa que nos deixa encantado. Mesmo que as personagens viajem de O Meu Mundo não é Deste Reino, pouco importa e menos ainda que seja um texto reescrito. O que verdadeiramente interessa é esse desenrolar de vidas que essa aldeia do Nordeste no longínquo oceano nos traz, essas vivências perdidas no tempo e no espaço entre mar e mar e azul e azul, embora algumas delas, como nos diz o narrador, nunca tivessem olhado outra cor que não o verde, com excepção do céu, desse infinito que nem imaginar podiam. A morte de Padre Governo aqui contado no relato de alguém que tudo acompanhou por fora, despoleta sentimentos há muito contidos, há muito amargurados, há tanto tempo escondidos e enganados e esboça uma crítica a uma sociedade de fingimento, de opulências, de injustiças de vidas amarguradas e enganadas, esquecidas no interior dessa ventania que assola as encostas dos que trabalham, sem nada, nem a alma. Não consigo esconder esta alegria de voltar aos Açores pela pena de João de Melo e à delícia da sua escrita.
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