POESIA AO AMANHECER
Bom dia, meus Amigos
Sabem que ao longo da vida tenho sido um homem apaixonado. Por tudo. Pelas coisas, pela vida, pelos seres humanos, pela natureza. Enfim! Por quase tudo que os olhos contemplam. Como sabem também, por vezes temos de fazer tarefas rotineiras que demoram horas e quanto mais pensamos no que fazemos, mais o tempo se alonga e não conseguimos vislumbrar o fim, como por exemplo, pintar, partir pedra, jardinar, caminhar ou viajar longas distâncias. Coisas que requerendo alguma atenção não nos impedem de pensar e, normalmente é o que faço para ocupar esse vazio de tempo. Então construo vivências com personagens que não existem, ou se existem, reinvento-as, dou-lhes outra forma, engrandeço-as, talho-as à medida da minha vontade ou dos meus sonhos e, quantas vezes, preciso de acordar para perceber que aqueles momentos não são reais. Assim, venço muitas vezes a solidão das horas. O mesmo se passa à noite quando necessito dormir e o sono não chega, mas no sossego e na escuridão nocturnos, embelezo ainda mais as imagens e os sonhos. Procuro na memória rostos de mulheres. Bonitas naturalmente, mas claro, todas as que gostamos são bonitas. Assim, aguardo, entre a lembrança de um olhar e o encontro de um sorriso, construindo aventuras das quais sou, como podem imaginar, o herói principal, que o sono me vença. Contudo, ultimamente tenho mais dificuldade em encontrar na memória essas lembranças de paixões platónicas. Os olhares já não são tão nítidos e os rostos afastam-se num movimento que não consigo inverter. É mais difícil adormecer e não se desenham amores ao dobrar da esquina. Não, não é idade. Isso é o que dizem pessoas maldosas! É só o cansaço, a fadiga que nos vence e nos faz diluir as imagens. Amanhã, certamente ao fim de uma longa recta, vai aparecer alguém com outras formas, outra beleza, no rosto ou na alma que me chamará a atenção. Eu acredito, porque acreditar também ajuda a vencer o tempo.
AMOR TRANQUILO
estava bem ali ao fim da tarde
estava bem ali ao fim do dia
a ler um livro a ler o tempo a ler a vida
enquanto dois troncos
se puxavam na lareira
crepitando
estava bem ali comigo
aquele momento
estava bem ali contigo
adormecida
não havia conflito nem memória
era só um momento
assim sem história
na pátria do sonho convivido
senti que essa mão
na minha mão caída
e essa boca sorrindo no teu sono
me bebia mesmo assim
beijando a vida
e os olhos pousados navegavam
por mundos e fragrâncias proibidas
e nem silêncios nem palavras nem razões
o que quer que fosse ali acrescentavam
estando ali
como se um fosse
éramos dois
que se queriam
e tranquilos
se bastavam
PEDRO BARROSO, in “das Mulheres e do Mundo”
Tornei-me duro. Abstivera-me, até então, de julgar os outros; acabaria por tornar-me, se tivesse poder para tanto, tão impiedoso para com eles como era para comigo. Não perdoava ao próximo as mais pequenas transgressões; receava que a minha indulgência para com os outros me conduzisse, frente à minha consciência, a desculpar as minhas próprias faltas. Receava o amolecimento proporcionado pelas sensações suaves; acabei por detestar a natureza, devido às carícias da Primavera.
MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”
“A 8 de Maio de 1945, enquanto em França se festejava a vitória, o exército deste país massacrava milhares de argelinos em Setif e Guelma. O trauma veio radicalizar irreversivelmente o movimento nacional.”
MOHAMMED HARBI, “A guerra da Argélia começou em Setif”, in “Le Monde diplomatique”, Maio de 2005
Porto, 20 de Maio de 2005
Sabem que ao longo da vida tenho sido um homem apaixonado. Por tudo. Pelas coisas, pela vida, pelos seres humanos, pela natureza. Enfim! Por quase tudo que os olhos contemplam. Como sabem também, por vezes temos de fazer tarefas rotineiras que demoram horas e quanto mais pensamos no que fazemos, mais o tempo se alonga e não conseguimos vislumbrar o fim, como por exemplo, pintar, partir pedra, jardinar, caminhar ou viajar longas distâncias. Coisas que requerendo alguma atenção não nos impedem de pensar e, normalmente é o que faço para ocupar esse vazio de tempo. Então construo vivências com personagens que não existem, ou se existem, reinvento-as, dou-lhes outra forma, engrandeço-as, talho-as à medida da minha vontade ou dos meus sonhos e, quantas vezes, preciso de acordar para perceber que aqueles momentos não são reais. Assim, venço muitas vezes a solidão das horas. O mesmo se passa à noite quando necessito dormir e o sono não chega, mas no sossego e na escuridão nocturnos, embelezo ainda mais as imagens e os sonhos. Procuro na memória rostos de mulheres. Bonitas naturalmente, mas claro, todas as que gostamos são bonitas. Assim, aguardo, entre a lembrança de um olhar e o encontro de um sorriso, construindo aventuras das quais sou, como podem imaginar, o herói principal, que o sono me vença. Contudo, ultimamente tenho mais dificuldade em encontrar na memória essas lembranças de paixões platónicas. Os olhares já não são tão nítidos e os rostos afastam-se num movimento que não consigo inverter. É mais difícil adormecer e não se desenham amores ao dobrar da esquina. Não, não é idade. Isso é o que dizem pessoas maldosas! É só o cansaço, a fadiga que nos vence e nos faz diluir as imagens. Amanhã, certamente ao fim de uma longa recta, vai aparecer alguém com outras formas, outra beleza, no rosto ou na alma que me chamará a atenção. Eu acredito, porque acreditar também ajuda a vencer o tempo.
AMOR TRANQUILO
estava bem ali ao fim da tarde
estava bem ali ao fim do dia
a ler um livro a ler o tempo a ler a vida
enquanto dois troncos
se puxavam na lareira
crepitando
estava bem ali comigo
aquele momento
estava bem ali contigo
adormecida
não havia conflito nem memória
era só um momento
assim sem história
na pátria do sonho convivido
senti que essa mão
na minha mão caída
e essa boca sorrindo no teu sono
me bebia mesmo assim
beijando a vida
e os olhos pousados navegavam
por mundos e fragrâncias proibidas
e nem silêncios nem palavras nem razões
o que quer que fosse ali acrescentavam
estando ali
como se um fosse
éramos dois
que se queriam
e tranquilos
se bastavam
PEDRO BARROSO, in “das Mulheres e do Mundo”
Tornei-me duro. Abstivera-me, até então, de julgar os outros; acabaria por tornar-me, se tivesse poder para tanto, tão impiedoso para com eles como era para comigo. Não perdoava ao próximo as mais pequenas transgressões; receava que a minha indulgência para com os outros me conduzisse, frente à minha consciência, a desculpar as minhas próprias faltas. Receava o amolecimento proporcionado pelas sensações suaves; acabei por detestar a natureza, devido às carícias da Primavera.
MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”
“A 8 de Maio de 1945, enquanto em França se festejava a vitória, o exército deste país massacrava milhares de argelinos em Setif e Guelma. O trauma veio radicalizar irreversivelmente o movimento nacional.”
MOHAMMED HARBI, “A guerra da Argélia começou em Setif”, in “Le Monde diplomatique”, Maio de 2005
Porto, 20 de Maio de 2005
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