Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

25 dezembro, 2010

LEITURAS


Livro de amores e de guerras sonhadas ou apenas pressentidas, de incidentes e de conspirações, e no qual se transmutam e misturam todas as idades, O Ano do Cometa com a Batalha dos Quatro Reis é sobretudo uma meditação apaixonada sobre a condição humana e a arte de escrever, sobre a por vezes difícil convivência entre a verdade do que é real e o exercício da liberdade, e entre o Mundo e o palco, o vivo e o pintado dependem de quem sonha e o quê.
No ano em que chega a Lucerna a notícia da aproximação de um cometa, Paulos, membro do Colégio de Astrólogos, expõe e interpreta perante os cônsules os três sinais da grave influência da passagem do mesmo nos trabalhos e nos dias da cidade: a chegada dos visitantes vespertinos, que viajam sem sombra, o regresso momentâneo dos rios às suas nascentes, no tempo que dura um relâmpago, e por último, a aparição de um unicórnio. Paulos pretende conjurar estes prodígios e repelir a ameaça dos exércitos de Asad II com a ajuda de David, Artur e Júlio César, três reis antigos a quem procura e expõe o propósito da sua missão.

ÁLVARO CUNQUEIRO [1911-1981] foi jornalista, poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo. Nascido em Mondoñedo, cedo se destacou como uma das mais importantes figuras das letras galegas.
Em 1930 filia-se no Partido Galeguista e começa uma intensa colaboração com várias revistas e jornais, ocupação que o acompanharia durante grande parte da vida. Em 1932 inicia a publicação das suas obras de poesia, nomeadamente Mar ao norde (1932), Cantiga nova que se chama ribeira (1933) e Poemas do si e do non (1933). A partir da década de 50 são editados os seus romances mais importantes em galego, dos quais se destacam, Merlín e familia (1955), As crónicas do Sochantre (1956) e Si o vello Sinbad volvese ás illas (1961), não deixando de lado textos noutros géneros, como o dramático ou o poético. O Ano do Cometa com a Batalha dos Quatro Reis é dado à estampa em 1974, em castelhano..
Em 1963, Álvaro Cunqueiro entra na Real Academia Galega, uma distinção a que se seguirão muitas outras, entre elas o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Santiago de Compos
tela, em 1980.

Leitura de sonho e de sonhos, com muita beleza à mistura, levando-nos a viajar por um mundo de fantasia nessa ficção de fazer voar, encantando e dando vida a uma Maria, com muita ternura e delicadeza.

14 dezembro, 2010

POEMAS


Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço juramento:
Amo
firme
fiel
e verdadeiramente.

Maiakovski

12 dezembro, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Em Maio um amigo fez-me chegar a “notícias magazine” do dia um desse mesmo mês, pois teve a percepção que ia gostar de ler uma reportagem intitulada, “Até amanhã Mãe”. Guardei a revista no saco e esperei por melhores dias que é o mesmo que dizer, um momento de acalmia em que nenhuma pressa me toldasse a vontade e me prendesse o pensamento. A semana passada ao regressar de Lisboa e com a cadência regular do Alfa, decidi que era chegado o momento dessa leitura. A reportagem consistia na entrevista a quatro mulheres hoje na idade dos 60/70 anos que foram companheiras de dirigentes políticos clandestinos quando a adolescência começava a ganhar corpo adulto. Continuo a pensar que é lamentável que este país deixe perder lentamente um pouco da sua história, neste caso concreto, da sua história viva. Estas mulheres, hoje avós, então na flor na idade, sacrificaram a sua juventude, voluntariamente, é certo, em nome de um ideal, de um sonho, de um projecto humano colectivo. Um ideal de liberdade, um sonho de um viver melhor, um projecto de construção de uma sociedade de seres humanos dignos e livres. Foi uma vivência, amarga, dia-a-dia dramática, povoada de ansiedade, de medos, quantas vezes coroada com anos de prisão. Pelo meio os filhos, os que queriam ter, os que merecidamente tiveram e a infância destes feita de silêncios e segredos, mistérios que não entendiam e a separação como forma de segurança de todos, separação que em alguns casos foi de anos, de muitos anos. Pensar no Portugal de então a quarenta anos do nosso olhar e saber que essas mulheres que tanto ofereceram de si próprias em nome de uma caminhada comum, são hoje como sempre foram, pessoas simples na sua imensa grandeza, anónimas como sempre estiveram e, sabendo eu que nunca alguma coisa desejaram em troca, seria um acto de dignidade que a nação as compensasse moralmente, lhes reconfortasse a alma pelo esforço dedicado com que se entregaram a uma causa que era de todos. Ao ler as suas palavras ditas, quase admiradas por as terem descoberto, senti-me grato e reconhecido e, lembrei-me com amargura de tantos sábios que hoje nos falam de liberdade sem saberem o preço que ela teve.

INVERNO

Apagou-se a fogueira.
Que frio na lareira
Do coração!
Neva
Na solidão
Da vida.
E o vento traz e leva
Um recado de eterna despedida.

Amor! Amor!
Sei ainda o teu nome redentor,
Chamo ainda por ti a cada hora!
Arde outra vez em mim
Como ardias outrora,
Nos dias de ventura.
Não me deixes assim
Nesta algidez de morte prematura.

MIGUEL TORGA

Acusava-me de levar para o trágico preceitos que tantos exemplos desmentem, - e a moral humana não passa de um enorme compromisso. Meu Deus, não censuro ninguém: cada qual acalenta em silêncio os seus segredos e os seus sonhos, sem nunca o confessar, sem o confessar sequer a si próprio, e tudo se explicaria se acaso não mentíssemos.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“O Médio Oriente está em crise. Todos os indicadores económicos, sociais e políticos estão no vermelho, e a «Primavera árabe», tão celebrada pela comunicação social, tarda em concretizar-se. O regime sírio, obrigado a evacuar o seu exército do Líbano, está enfraquecido. A crescente força dos xiitas na região preocupa os dirigentes sunitas, nomeadamente os da Arábia Saudita e da Jordânia. Apesar da retirada israelita de Gaza, prevista para Agosto, a situação nos Territórios Ocupados continua explosiva, estando reunidos todos os ingredientes para uma nova Intifada. Mas, para Washington, há que preservar na mesma via e estender a toda a região a sua perigosa estratégia.”

WALID CHARARA “«Instabilidade construtiva» ”, in “Le Monde diplomatique”, Julho de 2005

Porto, 29 de Julho de 2005


10 dezembro, 2010

LEITURAS


Juan Rulfo (México, 1917-1986) é talvez o autor sul-americano mais comentado, elogiado e imitado do século XX. Toda a sua obra literária conhecida, que reunida pouco ultrapassa as 300 páginas, é considerada como fundadora, origem de uma nova forma de literatura, que deu lugar a escritores como Gabriel García Márquez, um dos seus mais famosos e reconhecidos devedores. De Pablo Neruda a Carlos Fuentes, de Octávio Paz a Jorge Luís Borges e Juan Carlos Onetti, abundam os testemunhos de admiração dos seus pares e o assombro e desconcerto da crítica.
Em contraste com este enorme rumor a rodear a escassa obra de Rulfo, está o silêncio em que desapareceu o escritor desde a publicação, em 1955, de Pedro Páramo e até à sua morte, em Janeiro de 1986. Silêncio este apenas interrompido pela revelação esporádica, por parte de jornalistas, da iminente “saída” de uma nova novela, La cordillera, que acabou por se tornar mítica. As tentativas de explicar esta prematura interrupção da escrita de um dos mais marcantes escritores contemporâneos no auge da sua fama contribuiu para aprofundar a «lenda Rulfo», não faltando comparações com a de Rimbaud.
Este livro oferece ao leitor português, num único volume, o essencial da Obra de Juan Rulfo. Os livros que o compõem, «O llano em chamas» (1953), «Pedro Páramo» (1955), e a novela póstuma «O galo de ouro» (1980), foram revistos tendo em conta a sua edição crítica mais recente.

«Tive uma infância muito dura, muito difícil. Uma família que se desintegrou muito facilmente num lugar que foi totalmente destruído. Desde o meu pai e minha mãe, inclusive todos os irmãos de meu pai foram assassinados. Vivi, portanto, numa zona devastada. Não apenas de devassidão humana, mas devassidão geográfica. Nunca encontrei até à data uma lógica que explique tudo isto. Não se pode atribuir à Revolução. Foi mais uma coisa atávica, uma coisa do destino, uma coisa ilógica. Até hoje ainda não encontrei um ponto de apoio que me mostre porque nesta minha família sucederam nessa forma, e tão sistematicamente, essa série de assassinatos e de crueldades.»

in Los muertos no tienen ni tempo ni espacio, diálogo com Juan Rulfo.

Há autores que residem em nós como autênticos desconhecidos. Um dia, numa leitura, lemos o seu nome e a curiosidade fica-nos a sobrevoar o pensamento. Mais tarde, repete-se a sua presença. Posteriormente e por coincidência aparece editado em português e quando nos debruçamos sobre o que escreveu, sentimos o deslumbramento das grandes descobertas. Foi o que aconteceu. Deliciados percorremos um México desconhecido, enriquecido por personagens de um quotidiano de miséria, onde encontramos a dignidade e a ignomínia, esses valores que tanto convivem com a humanidade. Em curtos parágrafos, em frases que parecem construídas de palavras simples, percebemos a riqueza da grande escrita desenrola-se perante o nosso prazer quase atónito. E Juan Rulfo nem às 400 páginas chegou. Até onde chegaria se tivesse continuado?

09 dezembro, 2010

POESIA


Ondas
de longe e de perto
verdes águas e branca espuma
cinzento céu
fria tarde.
Lembranças soltas
de um rosto
muito amado.

06 dezembro, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Todos os anos em Julho, mais precisamente a vinte e cinco, viro a proa a norte e rumo a Santiago. Apesar de o fazer há vinte anos, apossa-se sempre de mim um sentimento de alegria. Costumo dizer que tenho a alma dividida entre Portugal e a Galiza, mas não é exactamente verdade, pois os homens dividiram o espaço, mas não puderam separar as gentes naquilo que elas têm de comum, a língua, a cultura, a paisagem, os hábitos e o passado. Sinto que quando rumo ao sul vou à descoberta, mas quando me volto para norte sei que vou encontrar um pouco de mim. Não é só a questão dos amigos que ali encontro numa festa quase medieval na Carvalheira de San Lourenzo, é também o ar que respiro, o mar visto das montanhas e as florestas de uma imensidade de verde. Caminha e o Minho são aquela parte do território que nos embeleza o pensamento, pela magnificência da paisagem e pela quietude sentida, mas atravessado o rio, sente-se o poder da pedra antiga, com história, das gentes que foram ficando de cada um dos lados. Subimos e sentimos um aroma que nos atrai que nos prende e nos cativa. Queremos expressar a sensibilidade do que sentimos e não conseguimos, somos obrigados a interiorizar e é como se a alegria explodisse no interior de nós próprios. No centro histórico da capital galega, voltamos a esse limbo sensível que nos banha o pensamento. É a grandeza dessa praça da Quintana, com os muros que a cercam e a lápide à memória dos heróis que compuseram o batalhão literário, sacrificado no amor pátrio. Heróis e cultura que simbiose quase perfeita da vida, ali lembrados à imponência da sombra da catedral do apóstolo que como todos os santos, nasceu de um mito transformado em lenda e que se apoderou da mente dos homens. A igreja que o homenageia cresceu ao som das trombetas da riqueza das esmolas dos peregrinos e hoje ergue-se majestosa voltada para a praça do Obradoiro e para lhe percebermos as dimensões temos de erguer o olhar para o cimo onde se vislumbra o infinito azul. Mas é entre a Quintana e as Praterias que escuto em silêncio e perfilado o hino galego, esse conjunto de palavras e música que é mais do que um poema, é o som da gaita transportado pelas montanhas que com ternura se infiltra mar adentro. É a parte mais bonita e talvez a mais singela, mas sente-se naqueles sons musicais a alma humana mobilizada para longos e nobres combates. Depois é o abraçar dos amigos e o caminho da festa, onde se mistura a lembrança, o ano passado, as histórias recentes e antigas, os desejos e os sonhos de um mundo diferente e melhor e, claro, à mistura, o polvo galego, o vinho, os doces e a música, galega e portuguesa.

JOÃO DOS JORNAIS

Criança por fora
Já homem por dentro
De ombros cansados
Curvados de peso

João indefeso
João dos Jornais
Nascido num beco
Do beco não sais

Teus olhos são grades
Sonhando com estrelas
Barcas amarradas
Despidas de velas

Nascido num beco
Do beco não sais
João naufragado
João dos Jornais

RITA OLIVAES, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Diz-se que a música é o universo da alma; é possível, minha amiga: isso apenas prova que a alma e a carne não são separáveis, e que uma contém a outra, como o teclado contém os sons. O silêncio que sucede aos acordes não tem nada dos silêncios vulgares: é um silêncio atento; é um silêncio vivo. Muitas coisas insuspeitadas murmuram por nosso intermédio graças a esse silêncio, e nunca sabemos o que nos irá dizer a música que acabou.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“A rejeição do Tratado Constitucional é mais reveladora de um confronto filosófico fundamental do que de uma crise política. Face às derivas de tipo elitista, a reafirmação da cidadania poderá permitir uma refundação da democracia.”

ANDRÉ BELLON “Votem bem, que eles farão o resto ”, in “Le Monde diplomatique”, Julho de 2005

Porto, 28 de Julho de 2005

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