Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

06 dezembro, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Todos os anos em Julho, mais precisamente a vinte e cinco, viro a proa a norte e rumo a Santiago. Apesar de o fazer há vinte anos, apossa-se sempre de mim um sentimento de alegria. Costumo dizer que tenho a alma dividida entre Portugal e a Galiza, mas não é exactamente verdade, pois os homens dividiram o espaço, mas não puderam separar as gentes naquilo que elas têm de comum, a língua, a cultura, a paisagem, os hábitos e o passado. Sinto que quando rumo ao sul vou à descoberta, mas quando me volto para norte sei que vou encontrar um pouco de mim. Não é só a questão dos amigos que ali encontro numa festa quase medieval na Carvalheira de San Lourenzo, é também o ar que respiro, o mar visto das montanhas e as florestas de uma imensidade de verde. Caminha e o Minho são aquela parte do território que nos embeleza o pensamento, pela magnificência da paisagem e pela quietude sentida, mas atravessado o rio, sente-se o poder da pedra antiga, com história, das gentes que foram ficando de cada um dos lados. Subimos e sentimos um aroma que nos atrai que nos prende e nos cativa. Queremos expressar a sensibilidade do que sentimos e não conseguimos, somos obrigados a interiorizar e é como se a alegria explodisse no interior de nós próprios. No centro histórico da capital galega, voltamos a esse limbo sensível que nos banha o pensamento. É a grandeza dessa praça da Quintana, com os muros que a cercam e a lápide à memória dos heróis que compuseram o batalhão literário, sacrificado no amor pátrio. Heróis e cultura que simbiose quase perfeita da vida, ali lembrados à imponência da sombra da catedral do apóstolo que como todos os santos, nasceu de um mito transformado em lenda e que se apoderou da mente dos homens. A igreja que o homenageia cresceu ao som das trombetas da riqueza das esmolas dos peregrinos e hoje ergue-se majestosa voltada para a praça do Obradoiro e para lhe percebermos as dimensões temos de erguer o olhar para o cimo onde se vislumbra o infinito azul. Mas é entre a Quintana e as Praterias que escuto em silêncio e perfilado o hino galego, esse conjunto de palavras e música que é mais do que um poema, é o som da gaita transportado pelas montanhas que com ternura se infiltra mar adentro. É a parte mais bonita e talvez a mais singela, mas sente-se naqueles sons musicais a alma humana mobilizada para longos e nobres combates. Depois é o abraçar dos amigos e o caminho da festa, onde se mistura a lembrança, o ano passado, as histórias recentes e antigas, os desejos e os sonhos de um mundo diferente e melhor e, claro, à mistura, o polvo galego, o vinho, os doces e a música, galega e portuguesa.

JOÃO DOS JORNAIS

Criança por fora
Já homem por dentro
De ombros cansados
Curvados de peso

João indefeso
João dos Jornais
Nascido num beco
Do beco não sais

Teus olhos são grades
Sonhando com estrelas
Barcas amarradas
Despidas de velas

Nascido num beco
Do beco não sais
João naufragado
João dos Jornais

RITA OLIVAES, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Diz-se que a música é o universo da alma; é possível, minha amiga: isso apenas prova que a alma e a carne não são separáveis, e que uma contém a outra, como o teclado contém os sons. O silêncio que sucede aos acordes não tem nada dos silêncios vulgares: é um silêncio atento; é um silêncio vivo. Muitas coisas insuspeitadas murmuram por nosso intermédio graças a esse silêncio, e nunca sabemos o que nos irá dizer a música que acabou.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“A rejeição do Tratado Constitucional é mais reveladora de um confronto filosófico fundamental do que de uma crise política. Face às derivas de tipo elitista, a reafirmação da cidadania poderá permitir uma refundação da democracia.”

ANDRÉ BELLON “Votem bem, que eles farão o resto ”, in “Le Monde diplomatique”, Julho de 2005

Porto, 28 de Julho de 2005

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