POESIA AO AMANHECER
Já o tenho dito, embora pense que repeti-lo não faz mal, que quando andamos por aí com alguma atenção, aqui e ali, descobrimos pessoas muito interessantes, no falar, no escrever, na forma como reflectem sobre a vida e muitas outras coisas. No fundo, pessoas encantadoras que nos cativam e que em alguns casos, quando chega o momento, quase nem nos apetece partir, tal o encantamento que nos deixam. Na maioria das vezes, a surpresa é ainda maior, pelo facto de as encontrarmos onde menos esperamos e quando ao primeiro olhar, nem tínhamos reparado nelas. Vem isto a propósito de ontem deparar com um texto que me deixou a viver um daqueles momentos mágicos que por vezes apanhamos no ar. Pela beleza e simplicidade das palavras. Alguém decidiu sintetizar os pontos positivos e negativos de uma reunião através de um poema, feito prosa. A primeira sensação que tive na leitura foi de me apetecer abraçar esse alguém que escrevia de forma tão leve e tão rica, afagar o rosto de alguém que nos pode deixar tão feliz com a vida. Mas como não podia, socorri-me das palavras que de seguida vou transcrever. Foi o que me ocorreu ao pensamento perante o texto que li e que um dia quiçá vos deixarei ler. É uma pena que o autor queira permanecer anónimo e terei de respeitar essa vontade. Possivelmente alguns de vós identificareis a pessoa face às palavras que escrevi, mas não tenho receio, pois sois os meus leais companheiros destes amanheceres que se querem tranquilos.
Nós quase não nos conhecemos, apesar de pensar que nos tratamos por tu. Sei que se chama Ana que é um nome bonito. Tem também Cristina que pode transmitir uma aparência de maior fragilidade, mas Guerreiro complementa e endurece o que poderia parecer leve. A mistura dos três dá a doçura e a beleza destas palavras que acabei de ler e que tão bem reflectem o que vi, mas pouco disse, porque alguma coisa disse, ao meu Director, mas sem poesia que estava zangado. A Ana também estava, di-lo com amargura, mas com calma, chega a sorrir no meio da sua reflexão e, certamente deixou até que o olhar se perdesse ao longe pelas águas calmas da albufeira, imaginando vidas diferentes, mundos diversos e seres humanos com mais moral do que materialidade. Mas se existem, poucos estariam por lá. Os restantes nem paisagem seriam, pois esta era demasiado soberba para que se deixasse em lugar secundário. O resto foi o que se viu, um pouco de vazio aqui, muita secura mais além, quase nada de nada, muitas palavras atiradas ao vento e nem sequer emoções foram criadas. Se a alma levava esperança, esvaiu-se ainda pelo caminho, pois de intenções já nós enchemos a vida e não podemos encher mais nada. No fim, nem despedida chegou a ser, foi mais partida, sem regresso e quase sem destino. Apenas estrada e nem esta era nossa. Quando olhamos para trás e tentamos recordar temos essa desilusão de nada sentir, da brevidade do tempo e da escassez das ideias que sobrevoaram aquele templo quase perdido num lugar que só recordamos o nome porque poucos lá regressarão. A caminhada continua como quase sempre e com as mesmas notas dispersas, mas, agora, sabemos que, algo aconteceu, pelo menos, um pormenor valeu a pena, a possibilidade de três meses depois bebermos tão bela escrita, feita de palavras de sonho.
Entre as árvores escuras e caladas
O céu vermelho arde,
E nascido da secreta cor da tarde
Dionysos passa na poeira das estradas.
A abundância dos frutos de Setembro
Habita a sua face e cada membro
Tem essa perfeição vermelha e plena,
Essa glória ardente e serena
Que distinguia os deuses dos mortais.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in “Cem Poemas de Sophia”
MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”
“O fracasso do Conselho Europeu de Bruxelas, a 16 e 17 de Junho de 2005, tem causas muito anteriores ao «não» francês e holandês. Tal como foi concebida, a União atingiu os seus limites. A política do euro é disso um bom exemplo: à margem da democracia, fundada num dogma monetarista obsoleto, ela impede qualquer promoção do emprego. Longe de ser acidental, a rejeição desta Europa traduz um corte filosófico entre dirigentes e cidadãos. E só dos cidadãos poderá nascer uma refundação democrática da Europa.”
BERNARD CASSEN “Por uma Europa da inovação democrática”, in “Le Monde diplomatique”, Julho de 2005
Porto, 22 de Julho de 2005
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