Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

30 outubro, 2009

POEMAS


INVENTÁRIO

Havia
uma lâmina de sal
e um rio matinal correndo a nossos pés

Havia
uma pedra acesa no limiar de cada dia
e a memória dos passos ao redor do corpo

Havia ainda
uma guitarra de dedos aquáticos
e um pássaro de lume
rasgando o coração da noite


II

Acendo a lâmpada do sonho
e olho-te
os olhos desertos de tanta ternura
o desejo derrama sobre os nossos corpos
a sua luz torturada
na nossa pele respira a espera
de todas as ausências

Caminhamos seguros
nenhum olhar nos deterá agora
Sabemos que ao virar do verão
um jardim de água espera por nós
e que finalmente escutaremos
a nossa voz
na mudez comovida das palavras
desarmadas

Regresso
ao lume dos teus olhos
Mas os teus olhos são dois pássaros receosos
têm medo das palavras
que secretas
não dizes
Medo de respirar a sede
das memórias proibidas
de acender estrelas
com cintilações desconhecidas

No silêncio do teu abraço
cresce a recusa da minha pele
magoada
Os teus olhos são um espelho
de imagens gastas
de melancólicas viagens
E no meu coração silenciou-se
a campainha que chamava
por ti

Parto
Vou à procura de um
relógio de insónia
de palavras derramadas de ternura
flutuando ao redor do fogo

Isabel Constancinho

11 outubro, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Procurei entender sempre a vida como um longo caminho a percorrer durante o qual, como alguém já disse, se vai lançando sementes para a berma da estrada, procurando que um dia nasçam flores, sabendo de antemão que esse campo florido surgirá muito para além de nós. Ao longo desse caminho, vamos encontrando aqui e ali motivos de alento, sinais de que o caminho é certo e devemos prosseguir, teimar na procura do que nos parece certo e correcto, do interesse colectivo, do bem comum para todos. Nessa arremetida pela vida fora sempre dei uma importância muito elevada às palavras, procurando que as mesmas traduzam ideias, pensamentos, sentimentos, formas de estar. Talvez por isso, agora aqui estou, exactamente…, sem palavras. Entre as coisas que acredito, uma delas tem um valor que não sei mensurar tal a sua dimensão, que são os amigos e as amizades. Tem sido, um motivo de alegria, saber que aqui e ali as sementes dão fruto, saber que não estou só nesse porfiar por um mundo humano diferente, na plenitude do que somos capazes na utilização de tudo o que temos de positivo. E essa alegria é maior quando tantas vezes descubro que os meus amigos chegaram primeiro ao destino e têm paciência e generosidade para me abraçarem no seu conceito de vida e de diálogo. Além do mais conseguem algo que não fui capaz, surpreender pela imaginação, a criatividade e elevar esse valor de ser generoso a um patamar que não consigo alcançar. Foi assim, com estes termos que descrevi e outros que não encontro que na última sexta-feira me surpreenderam de forma imprevista e inesperada. Estavam lá quase todos aqueles que ao amanhecer têm essa paciência de quotidianamente me lerem os escritos que me vêm ao pensamento. Foi nesse momento que comecei a não saber o que fazer e muito menos o que dizer. O que se seguiu depois, não consigo descrever, muito menos sei como agradecer tanta nobreza. Costumo dizer que a palavra obrigado abarca uma grandiosidade elevada, mas é pouco, muito pouco para as circunstâncias. Tenho dito que raramente sou feliz e o que me proporcionaram viver veio demonstrar que tenho tido razão, pois esse momento sublime em que nos sentimos bem, não é só raro, ocorre apenas uma vez. No dia seguinte quando vi a chegada da noite no interior de uma pequena floresta no Gerês e observava a intensidade da luz da estrela polar percebi que por muito brilho que possa adquirir e pese embora nos visitar todos os dias, é apenas um ponto no interior do universo, um grão de poeira na imensidão do infinito. Pois foi um pouco assim que me senti, um pequeno ponto, incapaz de retribuir a grande prova de amizade que me demonstraram e que, sendo um incentivo, nunca saberei como retribuir. Foram até ao ponto de incluírem os ausentes, o que me deixa outro agradecimento sem retribuição. Não vou dizer muito mais, apenas que vos ficarei eternamente grato pelo gesto, pela forma e pelo conteúdo, por esse momento que gravarei no meu pensamento, como um momento inesquecível, porventura, o mais inesquecível. Já tinha dado os vossos nomes às estrelas do céu, mas agora quando à noite procurarem observá-las vão encontrar o nome, uma flor e um livro. A flor pela amizade e o livro pelos ensinamentos.

Quero que ao limpo amor que recorrera
meu domínio, descansem os cansados,
sentem-se à minha mesa os obscuros,
durmam sobre a minha cama os feridos.

Irmão, esta é a minha casa, entra no mundo
da flor marinha e pedra constelada
que levantei lutando na pobreza.
Nasceu o som aqui em minha janela
como num caracol sempre crescendo
e foi fincando as suas latitudes
na minha desordenada geologia.

Tu chegas de abrasados corredores,
vens de túneis mordidos pelo ódio,
pelo salto sulfúrico do vento:
aqui tens a paz que te destino,
água e espaço da minha Oceânia.


PABLO NERUDA, “Canto Geral”, in “Presentes de um Poeta”

Sempre me pareceu que a música deveria ser o excesso de um enorme silêncio.
Em menino, desejei a glória. Nessa idade, desejamos a glória como desejamos o amor: Precisamos dos outros para nos revelarmos a nós próprios. Não digo que a ambição seja um vício inútil; pode servir para espicaçar a alma. Simplesmente, cansa-a. Não sei de nenhum êxito que não se compre com mentira; não conheço ouvintes que não nos forcem a omitir ou a exagerar qualquer coisa.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

Em Portugal, o século XX nascia extasiado pelos maravilhosos progressos do automóvel. Mas o novo meio de transporte havia de impor uma disciplina acrescida às sociedades da época. Os novos Códigos da Estrada desencadearam reacções naturais de incomodidade.

MANUEL DO CARMO, “O primeiro Código da Estrada - Pela Direita » ”, in “História”, Maio de 2005.
Porto, 06 de Junho de 2005

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