Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

30 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus bons Amigos

Este sol que há três dias nos banha o amanhecer parece querer fazer-nos acreditar que a primavera vem a caminho de nos visitar e eu começo a pensar que estou a sair dessa letargia que o inverno me mergulhou. Sobretudo o frio que me tolheu a vontade.
Neste fim de semana vi dois bocados de filme na televisão. Em ambos, o "artista" figura simpática, bom rapaz, bem comportado, sozinho, ficava com a actriz, no fim, a qual o vinha esperar. Num caso, até pôde escolher. É uma pena, pois nos meus filmes a miúda ou fica sozinha ou vai com outro. Deixem lá, sou eu a digerir a perda de uma amiga. A semana passada perdi uma amiga e até hoje nunca tinha perdido amigos e veio-me à lembrança aquela frase que dizia, que destruímos sempre aquilo que mais amamos, os cobardes com um beijo e os valentes com a espada.

APONTAMENTO

Ó noite, ó noite, ó noite!
Luar e Primavera
e os telhados cobrindo
sonhos que a vida gera!

Subo por essas horas
solitária e sincera,
e encontro, exausta e pura,
minha alma que me espera.

CECÍLIA MEIRELES

"Quando uma grande quantidade de ferro se acumula no centro da estrela, o fogo não pode ser reacendido; apaga-se pela última vez e a estrela inicia uma contracção final sob a força do próprio peso.
A contracção final é um acontecimento catastrófico. Os núcleos de ferro no centro absorvem a energia da estrela ao mesmo tempo que ela vai sendo produzida, e as matérias que se vão contraindo, não encontrando quase nenhuma resistência, desabam para o centro a velocidades enormes, cobrem um milhão de quilómetros em menos de um minuto e acumulam-se no centro, num amontoado denso, criando pressões elevadíssimas. Quando a pressão no centro é suficientemente grande, a contracção pára. A estrela, contraída e apertada como uma mola, acalma momentaneamente - depois ressalta com uma explosão violenta".

ROBERT JASTROW, in a "A Arquitectura do Universo"

"As estratégias das multinacionais, as contratações e subcontratações, o funcionamento em rede, fazem com que seja muito difícil aos sindicatos terem, com rigor, um ponto de conflito onde a expressão do confronto de interesses se possa fazer com visibilidade e resultados concretos."

MANUEL CARVALHO DA SILVA, in "Manifesto", Dezembro de 2003

Porto, 15 de Março de 2004

29 novembro, 2006

POEMAS


Venho aqui
quando quero imaginar-te
junto ao mar
onde não estás
porque te levam as montanhas.
Acabou o tempo
em que o sol, partindo
dava asas à fantasia.
Os dias são noites
e o céu
desenha fantasmas de cinza.
Hoje vi-te.
Não, procurei-te
porque te queria ver.
e senti esse afago da face
qual brisa leve
acariciando a solidão.
Ah! Sinto os passos do silêncio
levando a tua alegria
para longe dos meus sonhos.

31.10.2006

28 novembro, 2006

CONTOS


Desde há muito que ao fim da tarde, Artur gostava de visitar aquele Café. Geralmente sossegado, a música por norma era suave, os clientes não perturbavam e, estava-se bem, melhor, estava bem com os seus pensamentos, as suas reflexões, as suas contemplações. Sim, porque daquele local, via-se larga extensão do mar só com um levantar do olhar. No Verão era mais agradável, porque a noite ainda demorava e por largo tempo desfrutava do prateado do mar estendendo-se pelo horizonte com tonalidades de brilho diferentes consoante o sol se deslocava até cair inclinado sobre as águas. Mas chegado o Outono, já só a noite se oferecia ao olhar que levantava, na procura da mistura das cores e do oceano espraiando-se pela terra. Nos últimos meses procurava com mais frequência aquele local, caminhava um pouco, lia muito e a cada momento, parava e estendia os olhos à procura de imagens. Por vezes procurava um papel e escrevia o que chamava de poemas. Eram palavras em que construía diálogos com alguém. Em certas ocasiões, esses diálogos pareciam conter pessoas, gentes, personagens, melhor dito, a figura de uma mulher, não uma qualquer, mas com rosto, com voz, com formas. Via-a nas águas do mar, sorrindo enquanto voava sobre as ondas, observava os cabelos esvoaçando nas velas desfraldadas de veleiros que atravessavam em direcção a oeste e via-lhe os olhos vogar de alegria nas ondas de luz do farol que esticava os seus braços pela escuridão da noite. Sentia-lhe a doçura do olhar, via-lhe o rosto pequeno de formas perfeitas e um sorriso que abraçava o tempo. Era como uma tempestade de letícia se espalhasse na escuridão. Naquele dia, porém, qual pássaro galopando no ar dirigiu-se para si, viu-a perfeitamente de asas abertas, corpo pequeno e franzino, pousar-lhe no peito e abraçar-lhe a alma com um gesto de ternura, encostando o rosto e transferindo o calor que há muito partira e, falou, lembrava-se perfeitamente de a ter ouvido falar, sentia ainda aquelas palavras ternas e meigas sussurrando-lhe segredos aos ouvidos. Não resistindo a esse momento único, estendeu os braços para lhe acariciar o rosto e beijar o olhar. Ouviu de novo aquela voz como um canto marítimo, mas não conseguia traduzir o que escutava, não conseguia entender o que transmitia o brilho castanho de olhos tão doces. Fez então um esforço, abriu os seus próprios olhos e percebeu que o empregado lhe perguntava: «deseja alguma coisa?». «Sim, não, quer dizer, obrigado, de momento não». Recuperou o fôlego, arrumou os livros e os papéis, levantou-se e perdeu-se a caminhar na noite. Que sonho! Pena foi que não fosse verdadeiro.

25 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos e Companheiros

Deixai-me hoje falar de política. Política de morte ou da morte da política. Era inevitável porque começamos a acumular demasiados mortos na memória. Esses senhoritos espanhóis que acampam na Moncloa e noutros sítios semelhantes do mundo, continuam a lançar à terra estas sementes de terror. Fazem as suas guerras, os seus roubos, os seus assaltos, acossam os povos, polvilham a terra de miséria e de miseráveis e fecham-se nos seus castelos, nas suas fortalezas para quando as bombas explodirem como ontem nos arredores de Madrid, atinjam os desgraçados de sempre, os trabalhadores, os estudantes, os emigrantes, porque foram estes que morreram ontem de facto. Uns inventam guerras, espoliam o mundo; os outros morrem.
El rio Guadalquivir
vay entre naranjos y olivos
los dos rios de Granada
bajam de la nieve al trigo
El rio Guadalquivir
tiene las barbas granate
los dos rios de Granada
uno lhanto y otro sangre
A Espanha republicana, operária e popular, a de Federico Garcia Lorca que já tinha morrido em 1939, voltou a morrer de novo ontem nas estações ferroviárias de Madrid às mãos de uns fanáticos quaisquer que nem sequer temos o direito de julgar. Uns porque são conhecidos mas estão fechados nos palácios, os outros porque andam nas margens do mundo mas não os conhecemos. Morreram inocentes? Não. Não morreram inocentes. Morreram homens e mulheres, mas não morreram inocentes. Estes se existem são as crianças que ainda olham para o azul do céu com a pureza das estrelas. Nos adultos não há inocentes. Somos todos nós, com os nossos silêncios, os nossos votos como eles dizem, os nossos medos, a nossa indiferença, que pactuamos com o poder desses senhores que dominam financeiramente o mundo e em nome de cujos interesses se travam todas as guerras nas quais, só nós morremos. Esse senhorito que governa o Estado espanhol há anos, prometeu que acabava com a identidade dos povos que habitam esse território que dá pelo nome de Espanha, nem que fosse em cima de muitos mortos e os cidadãos do Estado continuam a votar nele. Sharon prometeu aos israelitas que traria a paz em cima de uma pilha de cadáveres e já ganhou duas vezes as eleições. Portanto, quando morremos, não somos inocentes, mas antes comparsas desta miséria que ajudamos a semear. Desgraçadamente comparsas porque continuamos a não ter nada, mas não inocentes.
Quando o rácio de rendimentos reais per capita entre os países mais ricos e mais pobres do mundo que era de 3 para 1 no início do século XIX, passou em 1900 para 10 para 1 e em 2000 de 60 para 1, quando 1% da população mundial tem hoje a mesma riqueza que os 60% que têm menos, quando um bilião de seres humanos vivem com menos de 1 € por dia, estamos a lançar a semente de gente desesperada, sem nada para perder, sem nada para ganhar, capaz de conceber nas suas mentes, girândolas de terror e morte como aquela que aconteceu ontem em Madrid. Por isso, nas estações ferroviárias da capital do Estado espanhol, como antes em Bali ou em Marrocos, não foram 198 os mortos, mas mais, muitos mais. Quase todos nós morremos no amanhecer da cidade do centro da Península. Morremos porque deixamos morrer, com o nosso silêncio, a nossa indiferença, a nossa comodidade, o nosso olhar para o lado, enquanto o mundo constituído por milhões de seres humanos se vai afundando num mar de miséria, fome e desgraça. Quando em 10 anos, 4000 homens e mulheres, pelo menos contabilizados, morreram a atravessar o Mediterrâneo para tentarem alcançar a Europa, ou seja, o direito ao trabalho e a condições mínimas de sobrevivência e nós só temos uns segundos de comoção frente ao ecrã do televisor e a seguir assobiamos para o ar, estamos a lançar à terra as sementes que vão gerar homens acossados, sem saída, disponíveis para o sacrifício e para a matança colectiva. Quando o sátrapa que governa Bagdad disse no meio de um rasgado sorriso, “apanhamo-lo” referindo-se à prisão de Saddam, figura criada, sustentada e alimentada pelos senhores que ele mesmo representa, está a cimentar as tempestades daqueles que certamente ontem também terão dito, “apanhamo-los”. Os senhores do poder vão dizer as palavras de circunstância de sempre, pedir mais votos para com isso se sentirem legitimados e nós, sim nós, choraremos dois dias, colocaremos umas velas, umas flores e continuaremos no dia seguinte disponíveis para sermos os próximos sacrificados no altar dessa desgraça colectiva. É preciso que pensemos que os corpos que víamos ao longo da via férrea, destroçados no meio das carruagens, espalhados por aquela vastidão de destruição, eram de gente pouco antes viva, gente que pensava, sonhava, acreditava que o amanhã podia ser melhor e certamente muitos lutavam por isso. Deixam-nos essa herança de não permitir que estas matanças continuem que alteremos o estado de coisas, que modifiquemos o mundo e não nos remetamos ao silêncio dos inocentes.
Desculpem este grito de revolta, mas continuo a recusar, vindo de Espanha ou de qualquer lado, os gritos de Viva la Muerte. Logo guardarei um minuto de silêncio, por todos nós, os que morreram fisicamente e os que morreram intelectualmente porque o que estão a tentar fazer de nós é de resto apenas a ideia de que agora falam as pedras. Vou guardar o meu, o nosso minuto de silêncio, não o do Senhor Aznar que mesmo num momento como este veio introduzir a Constituição no protesto sabendo que aquela não é um elemento pacífico para os povos de Espanha. Esta gente não vale mesmo nada. Contra o terrorismo sim, mas todos os terrorismos, a começar por aqueles que os Estados movem aos povos e o daqueles que governam as nossas vidas tornando-as insuportavelmente dolorosas.
Mas deixem-me continuar a acreditar. Um outro mundo é possível, feito de Homens e Mulheres livres e iguais, em direitos, em deveres e dignidade. Como escreveu Torga,
Foi a mão como um ralo a semear
que me disse que sim, que acreditasse
que a vida é um poema a germinar
e portanto, cantasse.

BARCA EM CHÃO DE LAMA

É quando um chão de lama
se instala e nos comanda
que a injustiça avança
e a raiva se proclama
é quando D. Quixote
o peito acende e brama
irreverente a espada
imorredoura a chama
quando os homens longe
repousam distraídos
que a cobra traiçoeira
lhes tapará os ouvidos
e a boca e o saber
e a vida tutelar
e o mais que for preciso
para não deixar pensar

Mas sopra a barca ao vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
Da ilha para que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

Que façam mil favores
em crónicas variadas
meus olhos e distâncias
nunca serão compradas
e comam futebol
e mostrai-vos ao mundo
e engulam três novelas
com tal não me deslumbro
ocupados de dia
com a bicha do guichet
entretidos à noite
com a santa mãe TV
matai-vos por um carro
ou para ter lantejoulas
que aqui na minha terra
cavalgo entre papoulas

Mas sopra a barca ao vento
(...)

...e a busca do sucesso
e o detergente ideal
- Aquilo é que é progresso!...
agora, em Portugal,
o creme adelgaçante
e outras coisas de interesse
a escola do miúdo
o IVA, o IRS
e a bolsa e o poder
- Aquilo é mesmo assim!
ah se um dia o totoloto
me calhasse a mim...
- E o tipo aqui do lado
morreu ontem de enfarte...
Mas uma vez por ano
é Agosto em toda a parte!

PEDRO BARROSO, in "Das Mulheres e do Mundo"

"Estas estrelas contraídas e brancas devido ao calor são chamadas anãs brancas. A anã branca irradia lentamente o resto do seu calor para o Espaço. No fim a temperatura baixa e a estrela extingue-se, tornando-se um corpo enegrecido.
Um destino muito diferente espera uma estrela grande e maciça. Porque o peso da estrela é tão grande, o seu colapso produz uma enorme quantidade de calor, maior do que o calor produzido na criação da anã branca."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"No caso de o candidato George W. Bush confirmar a transferência formal de soberania no Iraque para 30 de Junho de 2004, o secretário-geral das Nações Unidas exclui a realização antes dessa data de eleições legislativas. Assim sendo, quem dirigirá o país? Segundo uma sondagem publicada a 21 de Fevereiro, só 2 por cento dos iraquianos aceitam que o país seja governado pelo actual Conselho de Governo. A anunciada paródia de «democracia» limitar-se-á a reforçar a acção das resistências..."

PAUL-MARIE DE LA GORCE, in "Le Monde Diplomatique", Março de 2004

Porto, 12 de Março de 2004

23 novembro, 2006

POEMAS


O sol desce
a lua espreita
o mar assiste.
Um arco amarelo
intenso e triste
fecha-se levando o dia.
No interior dos raios de luz
um rosto
um olhar belo e alegre
e um aceno
constante e amigo
leva-me o pensamento
para o outro lado do tempo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O sol desceu
por completo.
Resta um clarão imenso
sobre o azul prateado
E tu, só tu
recortada
na natureza
acenas e sorris
e partes, partes
enquanto
uma lágrima teimosa
desce em mim
de saudade
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A natureza serenou
A dança das cores
extinguiu-se.
Estás sentada na amurada
recortada na noite
como silhueta perfeita.
Gira o farol
e sigo-lhe a luz
para me encontrar.

27 de Outubro de 2006

22 novembro, 2006

LEITURAS


Há figuras que temos na memória de uma ou outra leitura que fizemos, ou do conhecimento geral que corre entre o cidadão comum se a expressão me é permitida. Leonor Teles a rainha que viveu nos tumultos da grande revolução medieval é uma dessas personagens que vive no nosso pensamento com uma auréola de maldade. Mulher adúltera, sedutora dos homens e seduzida pelo poder, em nome do qual entregou o país aos castelhanos. Durante muito tempo viveu-se nesse limiar de não sabermos onde começa e acaba a verdade e essa incerteza ainda hoje se prolonga com os historiadores divididos. Afinal, foi uma rainha maldita ou uma mulher inteligente? Ou ambas as coisas?
Quando preparava o mestrado, esta senhora apareceu-me naturalmente no meio da análise e, por consequência das conclusões. Dessa feita foi bastante mais longe no conhecimento da mulher que abandonando um casamento em Trás-os-Montes, desceu até aos corredores do palácio, sedutora, ou seduzida por um rei que se viria a revelar frágil e fraco, pese embora algumas realizações de relevo, levou o país até à guerra civil e quase o fez perder a independência. Que papel teve em tudo isso Leonor é a incógnita que não chegaremos a esclarecer de todo. Hoje, parece assistir-se a alguma reabilitação da sua imagem negativa e, muitos que estudam a sua vida, os seus actos e as suas ambições, tendem a considerá-la mais a “Flor da Altura” com que a tratavam os que a admiravam, do que a dama maldita que a história pareceu alimentar.
Desta vez, a leitura incidiu sobre um romance histórico que pretende recriar a sua vida, mas contada pela própria no que foi a sua prisão de Tordesilhas. È pois, uma outra forma de abordar a vida desta personagem, através do qual pretende explicar as suas acções, justificar as ambições e desculpar os seus erros, mas não deixa de ser curioso que o adjectivo que aparece no título é o de maldita.
De qualquer forma, Leonor Teles, continuará a ser uma das personagens incontornáveis dessa revolução extraordinária que o país viveu entre os anos de 1383 e 1385. Precipitando o país no abismo ou perdendo o controlo de uma situação que julgou servir as suas grandes ambições, Leonor acabou vítima de uma situação cujo desenho ajudou a elaborar.

21 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Olá! Amigos

Embora não pareça sou um homem de rotinas, de hábitos constantes e permanentes, por uma questão de disciplina, de estabilidade, de regularidade. Enfim! Mas às vezes, saio da rotina. Dou um pontapé na normalidade e vou à aventura. Ontem programei-me para sair às 5, mas saí já depois das 5h30 e fui para o estacionamento do Jardim do Calém para junto daquele lago de águas serenas que é o rio a espreitar o mar. Peguei no computador e mergulhei na história. Quando acordei, o ecrã brilhava muito porque já era noite. O rio fulgia na escuridão e na outra margem os faróis dos carros eram lanternas de luz a correr ao longo da margem. Com os vidros cerrados, eram um silêncio acolhedor que se sentia. Foi então que parti. É verdade que não houve a carícia de um rosto à despedida, mas foi bom. À noite chegavam notícias de que o Hubble tinha espreitado o universo há um bilião de anos atrás. Enviou os seus olhares pelo universo e apanhou as galáxias daquele espaço enorme de tempo. Com o big-bang o infinito assistiu à maior explosão que se pode imaginar. Uma miríade de cores e luzes num fogo de artifício escaldante espalhou-se por aí. Já tínhamos assistido a esse caldo termonuclear. Agora o Hubble está quase a aproximar-nos dessa janela do tempo que nos permitirá olhar o que havia antes. Quando isso acontecer, teremos dado um passo eterno. Até lá, vamos quebrando as rotinas e esperando pela noite na margem do rio.

SALMO

Abro-te o coração.
É um santuário humano.
Uma nave de intensa claridade
Que leva o sol da vida à tua imagem,
E laterais recantos de penumbra
Que discretas presenças
Povoam de secreta
Melancolia.
Entra, e vê por teus olhos
O templo onde moras
E onde mora a traição
Ao culto ilimitado que mereces.
Deusa do amor, sei que tudo perdoas
A quem ama,
Olhando a própria calma
Da heresia
Como indirecta luz que te alumia.

MIGUEL TORGA

"Numa estrela pequena o colapso produz uma quantidade modesta de calor e a temperatura no centro não consegue atingir os 300 milhões de graus requeridos para a ignição de núcleos de carbono. Assim, o fogo nuclear nunca chega a ser reacendido. Em contrapartida, a estrela continua a aluir até que, por fim, a matéria dentro dela está tão comprimida que impede qualquer outra redução de tamanho. A estrela permanece, então, neste estado altamente comprimido, para sempre."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"A provável reeleição do presidente Vladimir Putin nas eleições de 14 de Março corresponderá a uma viragem política na Rússia. No limiar de novos avanços do capitalismo, o presidente russo enfrenta exigências de «pôr os oligarcas na ordem», de redistribuição das riquezas, de reconstituição da protecção social e de um regresso ao papel de potência. Exigências essas paralelas a uma reavaliação da herança da União Soviética, não redutível à caricatura que dela fazem os liberais, que a apresentam como uma «nostalgia» passadista."

JEAN-MARIE CHAUVIER, in "Le Monde Diplomatique", Março de 2004

Porto, 11 de Março de 2004

16 novembro, 2006

POEMAS


Procuro-te sempre aqui
nos espaços tristes do entardecer.
Procuro no mar
e tu partes para as montanhas.
Olho o azul
e tu estás entre o verde.
Neste teatro sempre idêntico
voa um pássaro de asas largas
livre e belo
rasga o ar e a brisa da tarde
volteia em redor do sol.
Abafo o silêncio.
De olhar extasiado
sigo-lhe o movimento
a dança leve e colorida.
Um sorriso beija-me os lábios
quando sinto que és tu
que vejo navegar no céu
em girândolas de alegria.
Amanhã hei-de voltar
para ensaiar assim
um voo magnífico como esse.

27.10.2006

15 novembro, 2006

REFLEXÕES


Do mundo apenas sei o que encontrei.
As montanhas que subi, as planícies que vi, os heróis que conheci, as amizades que construí, as mulheres que amei, os sonhos que vivi, os ideais que persegui, as epopeias que imaginei, os silêncios que sofri, as amarguras que amassei, as lágrimas que verti e, no fim, aqui cheguei.
Afinal, apenas Coisas da Alma para partilhar com os amigos.

14 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

Pois é verdade, o FC Porto lá ganhou. Por vontade de Deus e com a ajuda do árbitro, lá ganhou outra vez. Na hora do jogo, a cidade lá esteve rendida a esse sossego quase deserto dos serviços mínimos. A cidade, estava parada, ansiosa, a ver, a olhar para Manchester. Depois, foi a explosão de alegria de sempre, porque no Porto comemora-se tudo. Um dia se descerem ao Regional e ganharem vão comemorar também. Cada vitória, às vezes até uma derrota, comemora-se como se se ganhasse o campeonato. É a triste sina desta cidade. Não tem mais nada para comemorar. Dirigida por gente medíocre restam-lhe as vitórias do FC Porto. O Salgueiros não consegue sair do interior de Paranhos, o Boavista enreda-se naquele vozear do Presidente a seguir os caminhos do pai e, só resta mesmo o FC Porto a espalhar-nos pelo mundo. Depois há esta forma de expressão que me faz sucumbir à cidade (sabiam que Alvalade e Benfica são topónimos árabes? É verdade, mas estou a brincar porque ainda está por escrever o esplendor da presença árabe no território nacional), como dizia, que me faz não atravessar o rio e sentir aquela pontinha de orgulho de lá no fundo pertencer à comunidade. De resto, em mais lugar nenhum do mundo é possível dizer como se diz aqui, Bibó! o Porto.

RECUSO-ME

Recuso-me a ficar amolecido
Tragicamente cilindrado
E muito antes de lutar - vencido
E muito antes de morrer - violado.

Recuso-me ao silêncio e à mordaça
Serei independente, livre e emacto
A verdade é uma força que ultrapassa
A própria dimensão em que combato.
Recuso-me a servir a violência
Embora a minha voz de nada valha
Mas que me fique ao menos a consciência
De que tentei romper esta muralha.

Recuso-me a ter medo e a estiolar
Na concha dos poetas sem mensagem
Que me levem o corpo e a coragem
Mas que fique esta voz para cantar.

JOÃO APOLINÁRIO

"As estrelas pequenas tornam-se enrugadas e ressequidas e extinguem-se, enquanto as maiores desaparecem numa explosão gigantesca."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"A 17 de Fevereiro o Parlamento holandês aprovou, por larga maioria, a decisão de expulsar 26 mil estrangeiros sem papéis para países como a Tchetchénia, o Afeganistão e a Somália. Os defensores de uma política restritiva relativamente ao direito de asilo têm tido a colaboração de todos os governos europeus. Com a participação (materialmente recompensada) dos países de origem, implantam toda uma arquitectura destinada a exportar o «tratamento» dos refugiados, o qual passa pela abertura de campos e significa, a prazo, a morte do direito de asilo."

ALAIN MORICE, in "Le Monde Diplomatique", Março de 2004

Porto, 10 de Março de 2004

13 novembro, 2006

POEMAS


Noite,
noite escura
de chuva e de sombras
e eu estou longe
ou és tu que não estás aqui?
Sinto-te em redor de mim
danças na minha memória
sobrevoas o quarto
e vejo-te pequena
franzina e doce
e uma carícia de saudade
traz-me esse olhar
que me ilumina a estrada
e enche de luz
a galáxia dos meus sonhos

Lisboa, 19 de Outubro de 2006

11 novembro, 2006

LEITURAS

Uma semana de férias, proporcionou-me umas horas de leitura como há muito não acontecia. Numa semana dei comigo a ler três livros sendo que dois deles me deram um prazer especial. Um desses livros foi uma releitura. Encontrei-o há vinte anos atrás, mas por razões que já não lembro, desapareceu. Recordo, contudo, que na primeira leitura sublinhei imensas frases, afirmações e reflexos do autor. Há cerca de um mês, tentei junto da Bertrand saber se haveriam alguns números que tivessem ficado esquecidos nas prateleiras e, para surpresa minha descubro que existe uma nova edição da pequena obra que procurava.
Stig Dagerman foi um escritor sueco autor de imensas obras e vida curta. Da leitura dos seus livros ressalta um certo sofrimento pela vida, pela vivência do ser humano. Estes aspectos aparecem de forma bem vincada nesta “A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer”. Este título é desde logo explicado nas primeiras letras do livro: “Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.” Impressiona a sua incapacidade de se localizar em qualquer dos espaços que lhe permitiriam ter a fé que afirma ser a essência da vida, interrogando-se, “Como posso, assim, viver a felicidade?” E insiste nesse discurso de posicionamento contraditório. “Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore. Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê, entre os dedos? Se sou solitário – uma mulher amada, um desditoso companheiro de viagem. Se sou poeta ou prisioneiro – um arco de palavras com assombro reteso, um súbita suspeita de liberdade. Se sou ameaçado pela morte ou pelo mar – um animal vivo e quente, coração que pulsa sarcástico; um recife de granito bem sólido.” É interessante os aspectos que coloca como resposta e mais interessante ainda juntar os poetas aos prisioneiros. Não sei se a intenção mostrar a prisão em que se encontram as palavras. Creio que não, pois adiante, será nelas que encontrará a vitória que derrotará a solidão. Mas, a pergunta que deixa às suas interrogações é tão contraditória como a anterior: “Sendo tudo isso, é sempre escasso o que tenho”.
Num segundo capítulo parece reflectir sobre a liberdade. “E teimo na recusa de optar entre a orgia e a ascese, ainda que com isso me sujeite ao suplício em brasa dos desejos. Não sou livre nos meus actos, por isso tudo me pode ser desculpado.” E continua a confrontar a esperança e a derrota, o alimento do sonho e a ideia de não vale a pena. “Descubro, afinal, que se não levar em conta a minha liberdade, todo o consolo é enganador, mera imagem reflectida do desespero. De facto, assim que o desespero me diz - «perde a esperança, o dia não passa de um momento de trevas entre duas noites», há uma falsa voz que me grita – «tem confiança, a noite não é mais que um momento de trevas entre dois dias»". Quase nos deixamos arrastar para este confronto, o qual, aliás, vive nas nossas reflexões e, momentos existem que não sabemos onde colocar as trevas e Dagerman termina este momento com uma afirmação que me parece feliz na sua construção, reconheço até uma beleza sedutora. “É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que possa resolver-se dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem.” Seduziu-me esta viagem. Por vezes, questiono-me, até que ponto, amar também não é uma dessas viagens imprevisíveis entre lugares que não existem. Afinal, a maior dos nossos amores não ficam como o consolo, uma necessidade impossível de satisfazer? Ou estarei a confundir amor com paixão? É possível, pois, não sou eu que afirmo que amor é uma grande amizade. Sou e não tenho dúvidas que amo muito as minhas melhores amigas, tanto mesmo, que não seria capaz de amá-las!
Apesar da escassez do ensaio do autor não sobra aqui tanto espaço que permita comentar todas as suas reflexões, mas na parte final, volta a atrair-me a atenção de uma forma muito particular: “Sei que o mundo é mais forte do que eu. E para resistir ao seu pedido só me tenho a mim. O que já não é pouco. Se o número não me esmagar, sou, também eu, um poder. E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade. E no dia em que só o silêncio me restar com defesa, então será ilimitado, pois gume algum pode fender o silêncio vivo. É este o meu único consolo. Sei que as recaídas no desespero serão profundas e numerosas, mas a lembrança do milagre da libertação leva-me como uma asa a um fim que me inebria: um consolo que seja mais do que apenas isso, mais vasto que uma filosofia: que seja, enfim, uma razão de viver.”
Deixa-nos assim, como fim deste momento de palavras, algum consolo, uma mensagem de viver, mesmo que o caminho seja feito sozinho. No interior do seu discurso tinha já segurado esse voo, “A minha divisa não é o dever antes de tudo, mas a vida acima de tudo. Como os outros homens, tenho direito a alguns momentos em que possa sentir-me à parte, em que possa saber que para além de pertencer a essa massa anónima chamada população mundial, sou também uma unidade autónoma”.
Contudo, num momento desta reflexão sobre o conteúdo do homem e da vida construída por este, deixa transparecer a grande angústia que alimenta o seu ser: “A depressão é uma boneca russa, e na última boneca estão a faca, a lâmina de barbear, o veneno, as águas profundas e o salto para um grande abismo. De todos esses instrumentos de morte me torno escravo”. Stig Dagerman acabará por suicidar-se a 4 de Novembro de 1954, na sua garagem. «Um acidente do trabalho do autor consigo próprio», escreveu o seu biógrafo, Olof Lagercrantz. A sua vida de 31 anos ter-se-á tornado um símbolo para a jovem literatura sueca.

03 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER

Olá! Amigos

O tempo parece querer regredir e impõe-nos este ar desanimador, diria até, desolador. Quase nos faz perder a esperança e os motores demoram a aquecer. Depois, prolonga-se até à tarde, tornando tudo mais difícil. É quase tão deprimente como a chuva miúda. Ontem saí às 4 horas que é uma óptima hora porque temos a sensação que o dia ainda está a começar. Fui para casa esperar o homem do gás, o qual demorou hora e meia. Andei a deambular pelo espaço a que chamo jardim para contentamento dos cães que adoram ter companhia. Pus-me a olhar e a pensar que em Outubro decidi arranjar aquele espaço e transformá-lo mesmo em jardim. Precisava de três coisas, tempo, trabalho e dinheiro. A primeira e a última escasseiam e para a do meio já vão faltando as forças. Então decidi fazer um plano em que trabalho três horas cada Domingo. Tem a vantagem de não me cansar muito, não me ocupar muito e o dinheiro vai sendo gasto aos poucos. Ao princípio, olhamos e não vemos nada, é como se estivéssemos quietos. Depois, pouco a pouco vai surgindo alguma coisa. Ontem, ao olhar, vi que já realizei um quarto do trabalho e que quando a Primavera chegar já vou ter motivos para ficar contente. Vai haver alguma disciplina e as flores vão florir. Quando estiver pronto levo-vos de visita. Para o ano. A vida é assim, feita de paciência, de pequenos gestos, de gestão da ansiedade, até que chega um tempo em que olhamos para trás e nos sentimos bem com nós próprios.

MOÇA MORENA E ÁGIL...

Moça morena e ágil, o sol que faz as frutas,
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
fez o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.

Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosse um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.

Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio-dia.
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.

Porém meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água.

PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada"

"...os fogos nucleares cessam à medida que o carbono se vai acumulando e a estrela, carecendo mais uma vez dos recursos necessários para se defender do peso das camadas exteriores, começa a contrair-se pela segunda vez sob a força da gravidade."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"No Fórum Económico Mundial de Davos de Janeiro de 2004 surgiu um elemento de inquietação, inesperado em cenáculos deste tipo - as deslocalizações. Enquanto estas disseram respeito às indústrias tradicionais, ninguém lhes encontrou defeitos. Mas agora elas passaram a afectar empregos que envolvem trabalho por vezes qualificado (informática, aconselhamento jurídico...) e afectam as classes médias. Em França, nas vésperas de datas eleitorais, o presidente da República e o governo aparentam descobrir os malefícios da desindustrialização, a fim de mascarar o seu desastroso balanço social. O caso Moulinex constitui um verdadeiro estudo de caso: submetida à «dura lei dos mercados financeiros», a empresa exigiu dos seus assalariados adaptações que não tinham fim; e morreu disso."

FRÉDÉRIC LORDON, in "Le Monde Diplomatique", Março de 2004

Porto, 09 de Março de 2004

02 novembro, 2006

POEMAS


Que plácida tarde
neste anfiteatro de luz e de água
como gostava de ser passageiro
nesse voo do teu olhar
sobre as ondas.
A ternura do céu a beijar o mar
e o cintilar do pôr-do-sol
a envolver o teu corpo.
Imagino
o castanho dos teus olhos
na tranquilidade deste horizonte
e quando o alvorecer
te devolve de sorriso aberto
é como se mil carícias
me envolvessem de desejo.

09.10.2006

01 novembro, 2006

GERÊS

Olá! Meus amigos de caminhada

Nem sei por onde começar. Uf! Esperem um pouco para recuperar o fôlego. Pois bem, lá fomos. Como sabem, nas inscrições foi uma “mortandade”. Daquele ânimo de Setembro, metade não resistiu, mas estas coisas são assim mesmo. Da próxima vez será melhor e seremos mais. Temos que manter viva essa esperança. Pois, como ia dizendo lá fomos nove. Ao grupo de Novembro juntou-se a Leonor e o Acácio, saiu o Pedro e veio a Claudina. Chegamos todos a horas, o tempo estava magnífico, uma espécie de presente dos deuses. Não sabíamos era que ainda iríamos precisar mais vezes da sua ajuda, mas isso foi já lá mais para diante. Com o sol a erguer-se do nosso lado direito, lá rumamos à natureza. Chegados à fronteira, de imediato encetamos a jornada, subindo rapidamente a alturas confortáveis, ficando lenta e gradualmente por cima de tudo. Ao longe víamos o caminho de Novembro e em nosso redor era uma profusão de cores, entre o rosa que predominava, os diversos verdes, o castanho misturado com o cinza e o infinito azul na abóbada celeste. No momento em que o caminho que era bom estabilizou um pouco pudemos olhar a imensa lagoa azul da barragem de Vilarinho da Furna. Hora e meia depois, fazíamos a primeira paragem, no fim do caminho bem traçado que tínhamos seguido e no início da montanha propriamente dita. Ao procurar o rasto das mariolas, o Alcino caiu, magoou-se num joelho mas sem qualquer consequência. Mais tarde voltou a cair, mas já teve o cuidado de bater com o mesmo joelho, para, pelo menos, um ficar direito. Encontradas as pedrinhas mágicas, internamo-nos por entre desfiladeiros, encostas e pequenos prados até nos aparecer o objectivo a alcançar. Ali estavam os retransmissores do Muro, aparentemente inatingíveis. A barragem do Lindoso surgiu do lado direito entre uma fenda e pouco depois o muro da fronteira dizia-nos que estávamos certos na direcção, só que era uma da tarde, caminhávamos há três horas e meia, desconhecíamos a distância ainda por percorrer, pelo que se impunha tomar uma decisão sobre o continuar ou regressar após o almoço. Concluímos pelo regresso, mas procurando uma variante através da aldeia de Vilarinho que nos levaria até à albufeira. Era um risco, mas estas coisas não se fazem sem risco, caso contrário, não há aventura, nem o prazer da descoberta. Escolhemos a parte mais íngreme da encosta para descer e não encontrando vestígios de mariolas, acabamos por concluir que o terreno e a vegetação não permitiam a passagem. Enquanto o Bruno e o Acácio subiam até uma vertente, os restantes invertiam a marcha, mas desviando-nos um pouco para a direita através de uma subida com bastante inclinação. O sol incidia com a força das duas e meia da tarde, o vento amainou pela protecção da encosta e foi nesse momento que aconteceu o que nunca desejamos que possa acontecer, o que só de forma remota admitimos como provável. Ao tentar subir uma pedra a Leonor escorregou e caiu. Socorremo-nos da terceira carga de baterias, pois as de reserva já estavam esgotadas e aproximamo-nos rapidamente. Nos primeiros minutos, assustamo-nos, num misto de preocupação e ansiedade, mas calmos, só preocupados. Esquecemos a beleza do sol e daquela paisagem que se estendia ao nosso olhar e o tempo, pareceu uma eternidade, uma enorme eternidade, mas felizmente a Leonor recuperou. Claro que percebemos de imediato que se impunha o regresso, mas pelo caminho já percorrido, pois sendo conhecido dava garantias de ser alcançado com mais facilidade. Ia ser uma caminhada paciente, de muita paciência, pois a Leonor ficara naturalmente debilitada. A montanha que se apresentava à nossa frente parecia assustadora. Olhada à distância, procuramos o trajecto aparentemente mais acessível e lá fomos. Iríamos demorar duas horas a subir o que tínhamos descido em 30 minutos e para surpresa nossa ao alcançarmos o cimo, encontramos as mariolas que certamente nos teriam levado a Vilarinho. A caminhada estava longe do fim, mas a Leonor comportava-se como uma verdadeira heroína. O vento passou a soprar mais forte e o boné foi substituído pelo gorro, reforçando-se a protecção das camisolas, excepto a Fátima que tinha acabado de perder a sua. A ideia era alcançar o caminho florestal antes da noite, caso contrário ficava muito difícil o que já estava complicado. Não parecia nada impossível tal pretensão, mas como sempre acontece nestas circunstâncias, alguém esticou o caminho e o fim parecia nunca mais chegar. Como tendemos a olhar só para o que desejamos alcançar começamos a perder as referências e já não conhecíamos o que tínhamos visto algumas horas antes. O sol escondera-se por trás da montanha mais próxima e a luz do dia era agora apenas o reflexo da sua luminosidade, até que às sete menos vinte, estávamos já no caminho que procurávamos. Agora tanto a Leonor como o Acácio, cujo músculo da perna o havia traído, poderiam caminhar com mais segurança. O céu de azul claro foi ficando azul-marinho, mas a luz continuava a iluminar o caminho após termos chamado a lua no quarto crescente e as mariolas eram agora as estrelas que foram chegando uma a uma para nos guiar. Os vultos eram sombras na penumbra da noite, Olhávamos periodicamente para trás e confortava-nos ver o casaco branco da Leonor e escutar as vozes do Acácio e do Oliveira. O pior já tinha passado. A albufeira de Vilarinho já não era o azul em estado puro, mas uma mancha escura algures no meio do espaço. Já se viam as luzes dos faróis na estrada, até que às oito e quinze alcançámos os automóveis e respiramos de alívio. Afinal tudo tinha corrido bem. Restava o cansaço, mas certamente que estávamos felizes. Ainda paramos para tomar um chá e o Acácio e a Leonor rumaram directamente a casa, pois bem mereciam um bom descanso.Aqui chegados, podemos dizer que foi uma boa caminhada. Mais uma vez não alcançamos o objectivo porque certamente temos sido ambiciosos, mas o que se procura é esse encontro com o ar puro, com a natureza quase virgem, o sossego e o isolamento, o longe de tudo com a civilização à vista. Tudo isso vivemos no dia de ontem e desta vez tivemos até uma heroína, que nos demonstrou que mesmo na adversidade não devemos desanimar.
Março de 2004

Free Web Counter
Site Counter