Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

30 dezembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia meus Amigos,

Hoje venho contar-vos uma história, melhor um filme. É verdade, ontem saí às 16h00 e fui ao cinema. Como à hora que eu pretendia só havia um filme, foi fácil a escolha: Could Montain com a Nicole Kidman. O resto dos nomes, como depreendem não me recordo. Vou falar do filme através de três momentos: a guerra, a natureza e o amor.
A guerra está sempre presente, desde o início até ao fim com imagens terríveis e até dramáticas. A guerra faz-me lembrar uma noite de Moscovo de há trinta anos atrás. Da Bolívia recordo sempre os Andes. Essa imensidão de montanhas, de gelo, de desfiladeiros na mais profunda das solidões. Por ali podemos caminhar uma vida inteira sem encontrar ninguém. É um pouco como na música do Simon and Garfunkel, El Condor Pasa. Ali floresceram os Incas até serem dizimados por esse herói nacional de Espanha que dá pelo nome de Pizarro. Sobre La Paz, em pleno altiplano, habitam os mineiros e a gente pobre. Pobre na Bolívia é sinónimo de miséria absoluta. Liliana era uma índia boliviana que naquela noite de neve me contava quando nos tempos da ditadura de 72, isto admitindo que a Bolívia alguma vez viveu sem ser em ditadura, os mineiros desceram às ruas da capital e enfrentaram os carros de combate de mãos vazias e o coração cheio de coragem. Deitaram-se no chão para lhes deterem a marcha e os tanques avançaram sempre. Esta imagem faz-me lembrar a guerra, essas batalhas infindáveis que têm acompanhado o Homem nessa caminhada pela história num misto de grandiosidade e de violência. Eu combati sem ir à guerra e nunca concebi no pensamento essa ideia de matar. Quantas vezes imagino, a bestialidade da guerra a quebrar num ápice anos e anos de sonhos. Aqui vem ao de cima tudo o que temos de mau e de bom e o sentimento de impunidade gera por vezes baterias de violência sem fim. Desejo poucas coisas da vida, um livro para ler, o mar para olhar, as montanhas para caminhar, um emprego para trabalhar, uma casa para habitar, amigos para conversar e uma mulher para amar. Coisas simples como vêem e no entanto tão difíceis de alcançar obrigando-nos a um combate quotidiano para que algumas possam ser realidade. Pois é, mas sem gostar da guerra tenho de admitir que dou voz àquelas palavras do poeta quando escreveu, “já vi homens que morriam por qualquer coisa que amavam”. É verdade, até ao fim da vida, continuarei a estar disponível para morrer por uma coisa dessas, um ideal, uma causa, valores e símbolos e como tudo isto está tão barato no mercado da guerra. Afinal, um Homem tem de possuir qualquer coisa em que acreditar.
A natureza. Vocês sabem que não gosto dos Estados Unidos. Mas na sua imensidão de costa a costa está aquele território povoado de montanhas, florestas, rios e neves eternas e a natureza naquele estado quase selvagem é sempre uma sedução. Se pudesse viajava todos os dias às montanhas. É uma pena que entre a minha casa e a AXA não se situe uma montanha em estado puro para poder vir a pé para o trabalho. Aparecem imagens bonitas daquela natureza, daquele antigo território dos cherokees.
Por último, o amor. Talvez tenha sido na solidão da adolescência que aprendi a amar, a vida e os seres humanos naquilo que têm de mais belo e mais nobre. Não seria sincero se não dissesse que dos seres humanos destaco as mulheres nesses amores, o que é natural. Mas foram sempre amores longínquos, porque a proximidade perturba, rotina e faz perder o sentido da paixão. No filme, o amor é também vivido ao longe, de recordações, de pensamentos, dos últimos gestos, dos últimos momentos e quando assim é prolongamo-lo quase eternamente, não esgotamos os sentimentos nem o sentido da beleza. Dos que partem ou ainda não chegaram, guardamos sempre o melhor e se alguma vez chegam ou regressam acabam até por embaciar a imagem que tão meticulosamente criamos. Por isso digo que o melhor é amar ao longe. Somos sempre incentivados a procurar o que não temos e os nossos dotes de sedução apuram-se na tentativa de alcançar o que desejamos. Vem ao de cima, o melhor que temos de nós próprios. No filme, eles reencontram-se, mas ele morre pouco após terem-se amado, pelo que voltou a ficar o melhor na recordação que deixou. Por mim vou continuar a perseguir amores impossíveis. Quiçá um dia, talvez um deles possa vir a gostar de mim e como dizia uma antiga Directora de Recursos Humanos, todos necessitamos que gostem de nós.
Foi assim que vi o filme.
Bom fim-de-semana para todos vós.

ATLANTES

Fechados no castelo
ao fim da tarde
amantes secretos de outras vidas
recordavam
milénios devolvidos
esse espaço de brumas esquecidas

Outros ritos se lavraram
outras coisas
que o gesto não tem sempre a mesma dança
e o vento varre os montes
devagar
e às vezes bem mais do que alcançar
o gozo é
preparar o que se alcança

Como um passe de magia e elegância
a vontade vai crescendo
e cava fundo
e o baile das loucuras começou
enquanto a porta pesada afasta o mundo

Celebro nesse corpo o mar da vida
entregue a rituais
no meio dos montes
o prazer
ao fim de tudo
é a distância renascida
o prazer ao fim de tudo
é mais do que a corrida

É a distância
mais longa
entre dois pontos

PEDRO BARROSO, in
"Das Mulheres e do Mundo"

"Mas, à medida que a estrela se contrai, a força de gravidade aumenta rapidamente e, quando o diâmetro da estrela já diminuiu para 6 quilómetros, a gravidade à sua superfície é milhares de milhões de vezes mais forte do que a força de gravidade à superfície do Sol. A potência desta força enorme impede os raios de luz de abandonarem a superfície da estrela: tal como a bola lançada para o ar, eles são atraídos no sentido contrário e não podem libertar-se para o Espaço. A partir deste momento a estrela é invisível. É um buraco negro no espaço."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Na nova economia, em rota para uma sociedade que se auto-represente como sendo do conhecimento, o tempo tende a tornar-se simultaneamente num recurso cada vez mais escasso e mais fundamental."

ALFREDA CRUZ e HELENA RATO, in "Manifesto", Dezembro de 2003

Porto, 19 de Março de 2004

28 dezembro, 2006

POEMAS


Hoje, vi-te
senti-te perto
doce e terna
franzina
no interior
desse corpo
desse rosto
que aprendi
a amar

21 de Novembro de 2006

26 dezembro, 2006

REFLEXÕES


É verdade que já amei intensamente, me apaixonei com arrebatamento, persegui olhares lindos com mensagens de esperança, afaguei rostos de mulheres imaginárias e abracei corpos intensamente amados no interior dos meus sonhos.
Percorri caminhos sem fim, viajei em mares eternos, voei sobre infinitos de azul, descansei em ombros amigos, semeei esperança, aguardei chegadas de mulheres muito belas, mendiguei um naco de ternura, surripiei um sorriso de consolo, persegui um momento de carinho, perdi-me entre a multidão dos homens, recobrei forças quando já nada restava.
E, cansado da viagem, vou amainando em direcção à costa, perseguido por imagens que já não voltam, por lágrimas que escorrem pela alma, buscando um porto de abrigo num mar sereno onde possa por fim repousar a fadiga de tão longa viagem, em silêncio, em paz, no interior desta solidão que me invade sem retorno.

21 dezembro, 2006

POESIA AO AMANHECER

Bom dia, meus Amigos

Pois eu já vos disse que sair às 16 horas é uma sensação de viver muito grande, só que ontem saí às 13h30 para ir ao Tribunal e num dia assim, quente sem estar abafado, a sensação é de absoluta liberdade, é como se a um pássaro que tivesse crescido no interior do ninho de repente tirassem o chão e em queda se visse na necessidade de bater as asas e usufruísse da liberdade de voar, sobre tudo e sobre todos. Regressei às 15h30 ainda com essa sensação. Os madredeus cantavam, ao largo ainda arde/a barca da fantasia/que o meu sonho acaba tarde/acordar é que eu não queria, e ao olhar de cima da ponte para a foz do rio e ver aquela imensidão de água, aqueles dois infinitos de azul, senti que a tarde tinha valido a pena e o entardecer não seria tão triste como tem sido.
Ainda estava estonteado por esta ressaca, quando esta amanhã decidi deixar o carro à porta de casa, abandonar aquela corrida de 15 minutos via rápida fora, pegar na pasta e caminhar pelo sossego das ruas que rodeiam a minha casa usufruindo da possibilidade de olhar o céu acinzentado enquanto um bando de pombas aparecia no interior da luz que surgia de um buraco nas nuvens, ver as pessoas aqui e ali em movimentos nada apressados a luminosidade do sol trespassar o interior do campanário dando um ar de arte á sombra dos sinos, as águas dormentes do porto e no cais o movimento começava a espreguiçar-se para um novo dia. Foi assim que 15 minutos depois de sair de casa cheguei à Estação do Metro, este apareceu, sentei-me peguei num livro e deixei que o tempo corresse numa viagem serena, cómoda, sem sobressaltos, sem solavancos, quase sem ruído. Trinta minutos depois pude ainda caminhar pelo jardim da Rotunda pude olhar com olhos de ver a beleza de uma mulher bonita e 60 minutos após tudo ter começado aqui estou a falar convosco. Por isso, se no futuro este naco de prosa que se arma de poesia vos passar a chegar com atraso, sou eu que ando por aí a ver o dia nascer.

PRESENÇA

Cheio da tua ausência,
Nem sinto a solidão.
Vida, mulher ou mãe,
Feminina saudade,
Enche-me a paz que tem
A morte, a viuvez e a orfandade.

Negativo do amor,
E sua face ainda,
O já não ser amado
É uma pena suspensa
Que liga eternamente o condenado
Ao juiz da sentença.

Triste convívio, basta-me, contudo.
Todo de luto, mudo,
Cumpro os deveres humanos,
Limpo o suor da testa,
E atravesso os anos
Fiel ao desespero que me resta.

MIGUEL TORGA

"Partindo do facto de que cada onda durava um centésimo de segundo ou menos, os astrónomos concluíram que um pulsar era uma estrela incrivelmente pequena, muito mais pequena do que uma anã branca."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Hoje, o computador aparece como impulsionador triplo da produção e distribuição da informação, actuando quer directamente sobre o utilizador das suas performances, quer indirectamente, pelos impactos que cada vez mais constituem o ambiente omnipresente do quotidiano individual e colectivo. "A desintegração da comunidade dos presentes em benefício da dos ausentes" é o seu preço."

ALFREDO CRUZ E HELENA RATO, in "Manifesto", Dezembro de 2003

Porto, 18 de Março de 2004

19 dezembro, 2006

POEMAS


Procuro-te
nestas trevas nocturnas
e marítimas
nesta tarde triste
e chuvosa
mas não estás aqui.
És apenas
o pássaro azul
que nas madrugadas
de silêncio
pousa abraçado
ao peito
da minha solidão.


21 de Novembro de 2006

18 dezembro, 2006

CONTOS


Estava fria a noite e com a mão direita erguia a gola do blusão protegendo a garganta enquanto caminhava pela rua quase deserta e coberta de água que caía em torrentes de chuva. Não que a hora fosse tardia, mas o clima, o estado do tempo agreste impunha um recolhimento, em casa ou em qualquer lado. A rua mais do que nunca era apenas um trajecto, tal como era agora para si, apressado que estava em chegar, imaginando antecipadamente esse conforto de se recolher entre a roupa quente, aconchegado com a escuridão do quarto. Contudo, tardava esse instante, o usufruto dessa sensação de prazer que o deixava bem consigo mesmo e com as coisas da vida. Apressou o passo, tentou entreter o pensamento com coisas agradáveis, planos para o dia seguinte, lembrar-se das pessoas que gostava, mas parecia que o caminho se prolongava demasiado. Finalmente chegou e quase moderou os gestos só para saborear aquele deleite do aquecimento que lhe proporcionava o interior da casa. Foi arrumando o que trazia e preparando o que necessitava para o dia seguinte, pois sabia de antemão que de manhã todo o tempo seria pouco e não gostava de se atrasar. Com movimentos de antecipado gozo, abriu a cama, despiu-se e, com lentidão foi escorregando até ficar deitado. Cobriu-se deixando apenas os olhos abertos para além do lençol. Apagada a luz, surpreendeu-se por não chegar o sono com a rapidez que imaginou. Pensava que a hora tardia e a fadiga, seriam suficientes para lhe embrulhar os olhos nessa vontade de dormir tão necessária. Mas não, e desde logo percebeu que não ia ser fácil chegar esse momento de repouso. Ainda pensou sentar-se e continuar a leitura daquele livro que tanto entusiasmo lhe estava a proporcionar, mas a quentura da roupa que o amparava, desanimou essa vontade. Respirou e procurou no pensamento uma ideia para o entreter nesses longos minutos que iam decorrer até que a vontade de dormir dispersasse aquela distracção que impedia o cerramento dos olhos para o descanso que tanto carecia. As imagens iam passando por esse ecrã da memória quando parou e fez regredir a última representação. Foi então que lhe encontrou o olhar. Tinha uns olhos bonitos quando vistos de perto, castanhos quase escuros um pouco escondidos naquele rosto miúdo e gaiato e nos lábios ligeiramente dobrados reinava sempre um sorriso. A pele era lisa e pedia carícias de mel desde a fronte até aos maxilares. Lembrava-se dela com nitidez. Conhecera-a ainda menina adulta e os anos foram passando apenas com aquela sensação de ver uma pessoa a crescer e só na última primavera tinha dado conta que era agora uma mulher naquela idade plena de tudo e com capacidade para nos poder deixar felizes em toda a extensão. O sorriso perde a inocência, o olhar começa a falar e os gestos perturbam. Aproximou-se com cautela e sentiu que o peso da idade já lhe inibia a intenção sedutora e ao amor platónico de outros tempos, juntava-se agora a inibição das palavras, pelo que foi um aproximar lento, uma envolvência longínqua e circular e sentia muitas vezes que caminhava mais sem destino do que com um rumo determinado. Nas noites como esta, era ela que se aproximava e parecia fazer tardar ainda mais a vontade de dormir. Era o rosto, o mais perturbador. Aparecia como uma luz, como um brilho intenso que parecia acordar a noite e derretia-se ali em frente a ele como um chamamento, um apelo, quase um convite. E hoje, sim hoje, parece ter vindo com vontade de ficar. Aproximou-se e sentiu que se tirasse a mão de junto do corpo e a estendesse para além da roupa da cama, tocava-lhe certamente na face, nessa pele que tanto tinha desejado roçagar. Apesar dessa proximidade, viu-a chegar-se ainda mais, sentiu que os olhos lhe transmitiam já um calor imenso, começou a ficar afogueado, a jovem ergueu a roupa que o cobria e assim mesmo vestida, serenamente, deitou-se também encostada a ele, enroscando-se nas formas encurvadas daquele corpo que quase já não sonhava. Ainda virou o rosto, tocou-lhe na cabeça e beijou-o na fronte. De seguida adormeceu. Atónito, sem acreditar na verdade que o rodeava, cercou-a com os braços, fechou os olhos e sentiu que escorregava para longe. Acordou, repentinamente, sobressaltado e alagado em suor. Tinha adormecido sem dar conta e aquele sonho fê-lo despertar perturbado. Caramba, parecia quase verdade. Como é possível que a fantasia possa tornar quase realidade os nossos desejos? Acendeu a luz, sentou-se na cama, pegou no livro e reiniciou a leitura do dia anterior. Sempre seria melhor aguardar o sono, atravessando as ruas de Florença.

15 dezembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus grandes Amigos

"Vem o vento e dá/vem a sorte e tira", canta a canção e diz o poema e em cada volta nós regressamos de novo a este local a este contacto nestes amanheceres que agora sim já são primaveris até na temperatura e apesar de parecer que a chuva anuncia ao longe uma nova visita, não retira a este nascer do dia, o sossego e o repouso que nos proporciona continuando a contrastar com a tristeza do entardecer, cuja melancolia insiste em perturbar-me, a desenterrar-me fantasmas, a fazer-me viajar ao passado. Pensei até pedir para criarem um turno para mim das 6 às 13. Assim levantava-me com a madrugada que é das coisas mais bonitas que nos pode acontecer, vivia durante a tarde e o pôr-do-sol apanhava-me já a dormir. Percorrer as ruas silenciosas e quase desertas quando as estrelas dizem adeus é quase tão bonito como andar à hora do almoço dos dias de Primavera pelos "caminhos do romântico", embora alguns não acreditem. Vou pensar.

CANÇÃO DO DESTERRO

Vieram cedo
Mortos de cansaço
Adeus amigos
Não voltamos cá
O mar é tão grande
E o mundo é tão largo
Maria Bonita
Onde vamos morar?

Na barcarola
Canta a marujada
- O mar que eu vi
Não é como o de lá
E a roda do leme
E a proa molhada
Maria Bonita
Onde vamos parar?

Nem uma nuvem
Sobre a maré cheia
O sete-estrelo
Sabe bem onde ir
E a velha teimava
E a velha dizia
Maria Bonita
Onde vamos cair?

à beira da água
Me criei um dia
- Remos e velas
Lá deixei a arder
Ao sol e ao vento
Na areia da praia
Maria Bonita
Onde vamos viver?

Ganho a camisa
Tenho uma fortuna
Em terra alheia
Sei onde ficar
Eu sou como o vento
Que foi e não veio
Maria Bonita
Onde vamos morar?

Sino de bronze
Lá na minha aldeia
Toca por mim
Que estou para abalar
E fala da velha
Da velha matreira
Maria Bonita
Onde vamos penar?

Vinham de longe
Todos sabiam
Não se importavam
Quem os vinha ver
E a velha teimava
E a velha dizia
Maria Bonita
Onde vamos morrer?

JOSÉ AFONSO, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

"À estrela que explode chamamos supernova. As supernovas irrompem em chamas com um brilho muitos milhares de milhões de vezes maior do que o brilho do Sol;"

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Se é verdade que não existe uma resistência explícita, visível e organizada, não é menos verdade que, observando mais de perto o ambiente numa empresa industrial, os sinais de rebeldia tácita, subtil e latente estão abundantemente presentes. É uma linguagem de classe que não se reconhece enquanto tal."

ELÍSIO ESTANQUE, in "Manifesto", Dezembro de 2003

Porto, 17 de Março de 2004

14 dezembro, 2006

POEMAS


Minha amada
amada minha
vejo-te
nas velas de um navio
sulcando o mar
da minha fantasia.

08 de Novembro de 2006

13 dezembro, 2006

CONTOS


A sala nunca foi grande e consoante o número de pessoas que a ocupam parece maior ou mais apertada. Quando por lá começou a passar, era um mundo cheio de gente, escutavam-se vozes cruzadas e sentia-se um colorido de gestos e movimentos. Havia calor humano. Depois, como tantas vezes ocorre na vida, das pessoas, das organizações e das estruturas, de forma lenta, num processo gradual, quase sempre pensado, pequenas alterações vão ocorrendo, tão pequenas que só as sentimos quando já se acotovelam à entrada em escala suficientemente grande para serem visíveis e, aí já é tarde para o protesto, o retorno, o recuperar da alma perdida. Por ali, também foi assim, vê-se agora.
Há dias voltou àquela sala e apercebeu-se das mudanças. A sala é a mesma no seu tamanho, mas aquele calor humano que resulta da presença colectiva das pessoas já não estava, as cores pareciam quase cinzentas e os sons eram os do silêncio. Uma pessoa à esquerda, duas à direita, à esquerda e ao fundo, o chefe, sempre debruçado sobre um portátil, teclando, sempre teclando ininterruptamente, alheio ao círculo em redor, absorto nas teclas que carrega com rapidez e vontade, quase já ninguém sabe o que escreve, para quem escreve e o que diz. Escreve, simplesmente procurando não ser interrompido nesse teclar constante, supondo-se que assim dirige os serviços, não com voz, não com gestos, mas teclando, concentrado num diálogo surdo com o ecrã. À direita, também ao fundo e em frente ao homem que tecla, a deusa regressada à terra, mais inferno do que paraíso. Também ela concentrada, agravada por tanto isolamento, tanto desperdício, tanta exigência sem sentido. A única nota de registo foi quando, pressentindo gente estranha, ergueu o rosto dos papeis com atraso e olhou, olhou ao longe e um sorriso apareceu. Por força da rotação da terra, o sol entrou naquele momento, pelos longos vidros que separam a sala do exterior. Era um sol grande, quente e luminoso. O sorriso tem esse efeito. Afinal, alguma coisa tinha restado do passado.

11 dezembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos de sempre

Eu chamo a este espaço um momento de poesia, mas vocês sabem como exagero sempre. Na verdade, o que aqui faço é aproveitar estas energias do amanhecer, onde a vida renasce para me vir confessar das fraquezas e fragilidades da noite ou da tarde passada e estes fins de tarde como já vos disse não são fáceis. Ontem foi um dos difíceis. Na verdade, o dia não correu bem e aquele comunicado do Sindicato dos outros senhores não me deixou bem. Não é pelas discordâncias, é pela estatura moral, pela degradação das ideias, pela estupidez elevada à categoria de verdade. Magoa-me a alma, é só isso. Depois há aqueles valores, aqueles símbolos todos em que acredito que por vezes me põem como um pato bravo fora da história, mas que não consigo deixar de perseguir. Ideais? Perguntava-me alguém no Domingo para dizer que já não existiam, quanto mais morrer com eles. A pensar nisto e já na saída deparo com a história de um Colega que fez opções sindicais, as quais não me atrevo a comentar, não pela razão da escolha, mas por pormenores, apenas pretensos ganhos materiais. Acabei mesmo com a alma derrotada, de tal forma que nem a beleza fantástica da luz do entardecer a brilhar no rio me provocou melhorias no olhar. Lembrei-me do Pedro Homem de Melo,
Que importa o azul do céu e o azul das águas
O que procuro é gente
Que sinta o meu amor e as minhas mágoas!
Aproveitei para ir comprar comida para os cães e acabei a deambular pela Fnac entre Garcia Marquez e Saramago, a poesia da Sofia Melo Breiner e a de Florbela Espanca, a música antiga e a do Pedro Barroso. Acho que a noite lavou as nódoas e agora já estamos num dia bonito e no silêncio desta serenidade que me rodeia. Como escreveu o Vitorino Nemésio,
Não há ninguém que me derrote:
afogado ou flutuante hei-de chegar.


POSSO ESCREVER OS VERSOS...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada"

"A explosão lança para o Espaço todos os elementos que a estrela tem vindo a produzir durante a sua vida, retendo apenas o pequeno centro a arder debilmente."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"Importa ter presente a realidade da indústria tradicional. É justamente por se tratar de uma realidade onde os abusos e prepotências há muito estão em vigor, onde no dia-a-dia da vida laboral não é a lei, mas porventura a ausência dela, que não é a rigidez, mas o excesso de flexibilidade, que prevalecem."

ELÍSIO ESTANQUE, in "Manifesto", Dezembro de 2003

Porto, 16 de Março de 2004

09 dezembro, 2006

POEMAS


Pensava que aqui vinha
espreitar o mar.
Descobri que venho apenas
para falar contigo,
para te olhar,
sentir e abraçar.
O mar e o céu unem-se
não em azul infinito
mas em cor de prata cinzenta.
Tu és uma dança de gaivota
uma brisa de vento em liberdade
és um aceno de fantasia
que me cativa o olhar.

06 de Novembro de 2006

04 dezembro, 2006

REFLEXÕES


A vida é feita de pequenas nadas, escreveu o poeta. Nadas que podem ser tudo e pequenas coisas que podem ser as mais significativas.
Na verdade, perseguimos sempre algo como forma de termos um objectivo, de alcançar um pouco mais além, na tentativa de nos superarmos. E tanto nos concentramos que por vezes nos distraímos e deixamos passar os grandes momentos, sempre feitos de pequenos nadas.
Quantas vezes nos esquecemos de viver o agora, concentrados que estamos no futuro e quiçá um dia descobrimos que estamos sós e não chegamos a viver com intensidade as coisas mais bonitas que por nós passaram.

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