Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

25 novembro, 2006

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos e Companheiros

Deixai-me hoje falar de política. Política de morte ou da morte da política. Era inevitável porque começamos a acumular demasiados mortos na memória. Esses senhoritos espanhóis que acampam na Moncloa e noutros sítios semelhantes do mundo, continuam a lançar à terra estas sementes de terror. Fazem as suas guerras, os seus roubos, os seus assaltos, acossam os povos, polvilham a terra de miséria e de miseráveis e fecham-se nos seus castelos, nas suas fortalezas para quando as bombas explodirem como ontem nos arredores de Madrid, atinjam os desgraçados de sempre, os trabalhadores, os estudantes, os emigrantes, porque foram estes que morreram ontem de facto. Uns inventam guerras, espoliam o mundo; os outros morrem.
El rio Guadalquivir
vay entre naranjos y olivos
los dos rios de Granada
bajam de la nieve al trigo
El rio Guadalquivir
tiene las barbas granate
los dos rios de Granada
uno lhanto y otro sangre
A Espanha republicana, operária e popular, a de Federico Garcia Lorca que já tinha morrido em 1939, voltou a morrer de novo ontem nas estações ferroviárias de Madrid às mãos de uns fanáticos quaisquer que nem sequer temos o direito de julgar. Uns porque são conhecidos mas estão fechados nos palácios, os outros porque andam nas margens do mundo mas não os conhecemos. Morreram inocentes? Não. Não morreram inocentes. Morreram homens e mulheres, mas não morreram inocentes. Estes se existem são as crianças que ainda olham para o azul do céu com a pureza das estrelas. Nos adultos não há inocentes. Somos todos nós, com os nossos silêncios, os nossos votos como eles dizem, os nossos medos, a nossa indiferença, que pactuamos com o poder desses senhores que dominam financeiramente o mundo e em nome de cujos interesses se travam todas as guerras nas quais, só nós morremos. Esse senhorito que governa o Estado espanhol há anos, prometeu que acabava com a identidade dos povos que habitam esse território que dá pelo nome de Espanha, nem que fosse em cima de muitos mortos e os cidadãos do Estado continuam a votar nele. Sharon prometeu aos israelitas que traria a paz em cima de uma pilha de cadáveres e já ganhou duas vezes as eleições. Portanto, quando morremos, não somos inocentes, mas antes comparsas desta miséria que ajudamos a semear. Desgraçadamente comparsas porque continuamos a não ter nada, mas não inocentes.
Quando o rácio de rendimentos reais per capita entre os países mais ricos e mais pobres do mundo que era de 3 para 1 no início do século XIX, passou em 1900 para 10 para 1 e em 2000 de 60 para 1, quando 1% da população mundial tem hoje a mesma riqueza que os 60% que têm menos, quando um bilião de seres humanos vivem com menos de 1 € por dia, estamos a lançar a semente de gente desesperada, sem nada para perder, sem nada para ganhar, capaz de conceber nas suas mentes, girândolas de terror e morte como aquela que aconteceu ontem em Madrid. Por isso, nas estações ferroviárias da capital do Estado espanhol, como antes em Bali ou em Marrocos, não foram 198 os mortos, mas mais, muitos mais. Quase todos nós morremos no amanhecer da cidade do centro da Península. Morremos porque deixamos morrer, com o nosso silêncio, a nossa indiferença, a nossa comodidade, o nosso olhar para o lado, enquanto o mundo constituído por milhões de seres humanos se vai afundando num mar de miséria, fome e desgraça. Quando em 10 anos, 4000 homens e mulheres, pelo menos contabilizados, morreram a atravessar o Mediterrâneo para tentarem alcançar a Europa, ou seja, o direito ao trabalho e a condições mínimas de sobrevivência e nós só temos uns segundos de comoção frente ao ecrã do televisor e a seguir assobiamos para o ar, estamos a lançar à terra as sementes que vão gerar homens acossados, sem saída, disponíveis para o sacrifício e para a matança colectiva. Quando o sátrapa que governa Bagdad disse no meio de um rasgado sorriso, “apanhamo-lo” referindo-se à prisão de Saddam, figura criada, sustentada e alimentada pelos senhores que ele mesmo representa, está a cimentar as tempestades daqueles que certamente ontem também terão dito, “apanhamo-los”. Os senhores do poder vão dizer as palavras de circunstância de sempre, pedir mais votos para com isso se sentirem legitimados e nós, sim nós, choraremos dois dias, colocaremos umas velas, umas flores e continuaremos no dia seguinte disponíveis para sermos os próximos sacrificados no altar dessa desgraça colectiva. É preciso que pensemos que os corpos que víamos ao longo da via férrea, destroçados no meio das carruagens, espalhados por aquela vastidão de destruição, eram de gente pouco antes viva, gente que pensava, sonhava, acreditava que o amanhã podia ser melhor e certamente muitos lutavam por isso. Deixam-nos essa herança de não permitir que estas matanças continuem que alteremos o estado de coisas, que modifiquemos o mundo e não nos remetamos ao silêncio dos inocentes.
Desculpem este grito de revolta, mas continuo a recusar, vindo de Espanha ou de qualquer lado, os gritos de Viva la Muerte. Logo guardarei um minuto de silêncio, por todos nós, os que morreram fisicamente e os que morreram intelectualmente porque o que estão a tentar fazer de nós é de resto apenas a ideia de que agora falam as pedras. Vou guardar o meu, o nosso minuto de silêncio, não o do Senhor Aznar que mesmo num momento como este veio introduzir a Constituição no protesto sabendo que aquela não é um elemento pacífico para os povos de Espanha. Esta gente não vale mesmo nada. Contra o terrorismo sim, mas todos os terrorismos, a começar por aqueles que os Estados movem aos povos e o daqueles que governam as nossas vidas tornando-as insuportavelmente dolorosas.
Mas deixem-me continuar a acreditar. Um outro mundo é possível, feito de Homens e Mulheres livres e iguais, em direitos, em deveres e dignidade. Como escreveu Torga,
Foi a mão como um ralo a semear
que me disse que sim, que acreditasse
que a vida é um poema a germinar
e portanto, cantasse.

BARCA EM CHÃO DE LAMA

É quando um chão de lama
se instala e nos comanda
que a injustiça avança
e a raiva se proclama
é quando D. Quixote
o peito acende e brama
irreverente a espada
imorredoura a chama
quando os homens longe
repousam distraídos
que a cobra traiçoeira
lhes tapará os ouvidos
e a boca e o saber
e a vida tutelar
e o mais que for preciso
para não deixar pensar

Mas sopra a barca ao vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
Da ilha para que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto

Que façam mil favores
em crónicas variadas
meus olhos e distâncias
nunca serão compradas
e comam futebol
e mostrai-vos ao mundo
e engulam três novelas
com tal não me deslumbro
ocupados de dia
com a bicha do guichet
entretidos à noite
com a santa mãe TV
matai-vos por um carro
ou para ter lantejoulas
que aqui na minha terra
cavalgo entre papoulas

Mas sopra a barca ao vento
(...)

...e a busca do sucesso
e o detergente ideal
- Aquilo é que é progresso!...
agora, em Portugal,
o creme adelgaçante
e outras coisas de interesse
a escola do miúdo
o IVA, o IRS
e a bolsa e o poder
- Aquilo é mesmo assim!
ah se um dia o totoloto
me calhasse a mim...
- E o tipo aqui do lado
morreu ontem de enfarte...
Mas uma vez por ano
é Agosto em toda a parte!

PEDRO BARROSO, in "Das Mulheres e do Mundo"

"Estas estrelas contraídas e brancas devido ao calor são chamadas anãs brancas. A anã branca irradia lentamente o resto do seu calor para o Espaço. No fim a temperatura baixa e a estrela extingue-se, tornando-se um corpo enegrecido.
Um destino muito diferente espera uma estrela grande e maciça. Porque o peso da estrela é tão grande, o seu colapso produz uma enorme quantidade de calor, maior do que o calor produzido na criação da anã branca."

ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"

"No caso de o candidato George W. Bush confirmar a transferência formal de soberania no Iraque para 30 de Junho de 2004, o secretário-geral das Nações Unidas exclui a realização antes dessa data de eleições legislativas. Assim sendo, quem dirigirá o país? Segundo uma sondagem publicada a 21 de Fevereiro, só 2 por cento dos iraquianos aceitam que o país seja governado pelo actual Conselho de Governo. A anunciada paródia de «democracia» limitar-se-á a reforçar a acção das resistências..."

PAUL-MARIE DE LA GORCE, in "Le Monde Diplomatique", Março de 2004

Porto, 12 de Março de 2004

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