Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

14 julho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

De quando em vez, venho aqui contar-vos segredos e, naturalmente que vos peço para os guardarem, caso contrário, fico sem espaço para desabafar e esta é uma necessidade que precisamos de satisfazer e que melhor espaço que o dos amigos para que tal ocorra. É verdade, vinha já suspeitando há dias, como algo que se aproxima sem distinguirmos as formas e repentinamente, quase como uma surpresa, descubro-me de novo apaixonado. Melhor, reapaixonado. É como um reencontro com um amor antigo que o vento tinha levado e agora a madrugada traz de novo impelido por um vento semelhante mas aquecido pela primavera tardia e soprando quente de leste. Pressinto um corpo de mulher estendido como a cordilheira andina com um condor de asas abertas sobrevoando faminto sobre a beleza de uma pele que nos olha como um apelo e sentimos dentro de nós como uma onda que nasce no horizonte e se ergue aos poucos num frémito de alegria e se derrete em fulgor num longo abraço nas areias de uma praia extensa e infinita. Agora por aqui estou, olhando perdido o infinito, procurando palavras e descobrindo silêncios e tanta é a perdição que já nem sei onde começa o sonho e acaba a realidade, onde está esse limiar que distingue a imaginação do verdadeiro. Por enquanto, também não importa. Basta simplesmente amar, as formas e os gestos, o certo e o errado, o desejado e o possível, até que um outro vento qualquer faça com que de novo se esfume o que o desejo construiu com tanta beleza.

QUEIXA DAS ALMAS CENSURADAS

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo.

Dão-nos a vista recomendada
Duma janela sem comboio
Para não sabermos que madrugada
Bebeu a seiva dum arroio.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

NATÁLIA CORREIA, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Cansar-se é, por certo, uma forma de se amestrar; mas o esgotamento do corpo acaba por entorpecer a alma. Resta saber, Monique, se não é preferível uma alma inquieta a uma alma adormecida.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

No início do Verão de 1941, cerca de três milhões de alemães lançaram-se ao assalto da União Soviética. Poucos meses mais tarde, imobilizada na neve, a Wermacht sofre o seu primeiro sério revés.

JORGE FILIPE DE ALMEIDA, “Operação Barbarossa”, in “História”, Maio de 2005

Porto, 31 de Maio de 2005

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