Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

15 março, 2009

LEITURAS


António José Bolivar Proaño vive em El Idílio, um lugar remoto na região amazónica dos índios shuar, com quem aprendeu a conhecer a selva e as suas leis, a respeitar os animais que a povoam, mas também a caçar e descobrir os trilhos mais indecifráveis. Um certo dia resolve começar a ler, com paixão, os romandes de amor que, duas vezes por ano, lhe leva o dentista Rubicundo Loachamín, para ocupar as solitárias noites equatoriais da sua velhice anunciada. Com eles, procura alhear-se da fanfarronice estúpida desses “gringos” e garimpeiros que julgam dominar a selva porque chegam armados até aos dentes, mas que não sabem enfrentar uma fera a quem mataram as crias.

Luís Sepúlveda nasceu em Ovalle, no Chile, em 1949. da sua vasta obra (toda ela traduzida em Portugal), destacam-se os romances O Velho que lia Romances de Amor e Hisória de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar, ambos já adaptados ao cinema. Mas Mundo do Fim do Mundo, Nome de Toureiro, Patagónia Express, Encontros de Amor num País em Guerra ou Diário de um Killer Sentimental, por exemplo, conquistaram também, em todo o mundo, a admiração de milhões de leitores.

Este Velho que lia Romances de Amor é uma pequena delícia da literatura, Cerca de cem páginas de uma beleza que nos deixam com a atenção e a alma presas a uma história bonita em que os homens e a natureza comungam da mesma taça, a da alegria da vida. É de facto um hino a essa unidade que o ser humano pode realizar com o meio ambiente que o envolve, tanto mais quando falamos desse paraíso chamado Amazónia, território onde populações autóctones vivem ainda no interior de uma convivência que ampara ambos. Mas o Velho é esse ser humano que chegou ao coração da floresta e aprendeu a viver com e dela, dessa extensão de verde que tantos segredos ainda guarda e esconde. Mas este Velho na velhice da sua experiência tornada sabedoria apaixona-se pelos romances. Não quaisquer romances mas aqueles que lhe trazia o dentista, impregnados de amor. Quando já no dealbar da história os homens guiados pelo Velho se encontram no mais profundo da selva na espera de um animal ferido, não no corpo, mas na alma, oferece-nos esse momento ímpar de fazer a espera nocturna do tempo, lendo um dos seus romances de amor e quando os restantes companheiros se aproximam da sua leitura, ocorre a delícia de um diálogo cuja beleza aqui se deixa:
- E que é que estás a ler?
- Um romance. Mas cala-te. Se falas, a chama mexe-se e mexem-se-me as letras.
- De que é que trata?
- Do amor.
- Não me lixes. Com fêmeas ricas, das que fervem?
O Velho fechou o livro num repente fazendo tremer a chama do candeeiro.
- Não. Trata-se do outro amor. Do que dói.
Amor do que dói, esse que nos arrebata a alma, nos provoca a angústia e uma dor imensa quando se perde o que tanto amamos. Três homens, isolados na floresta, no maior dos isolamentos, numa noite de medos e temores, sem o conforto de uma cama, de um leito acolhedor, debruçam-se sobre as letras de um romance, de amor e de paixão, dessas que nos quebram a alma e nos amarram o olhar. Na verdade, Luís Sepúlveda brinda-nos com esta maravilhosa história que nos surge pintada com as cores bonitas da grandeza das coisas e das pessoas.

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