Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

13 janeiro, 2009

LEITURAS


«E a beleza não serve de nada. Atrapalha. provoca desastres nas famílias, intoxica-nos até ao desmaio, não poupa nada. Devia ser proibida. É um escândalo no meio do mundo. É a causa do espantoso medo que é perdê-la. Não escolhi ser quem sou, este vício de que sou escravo. O que mais importa ninguém escolhe. Já tentei ser tantos para escapar de mim, para me desviar desta vida que me deram. E depois vem a beleza. Surpreendente ao virar de uma esquina. Um desejo marcado no ponto de encontro do aeroporto onde ficaremos para sempre abraçados. Envolta em nevoeiro a tomar duche à minha frente. A irromper do nada. A primeira coisa que uma qualquer tirania sabe que tem a fazer é demolir a beleza. Com todo o direito, de todas as maneiras. A beleza semeia a desordem nas almas e nos corpos que anima. Alimenta-se de uma liberdade particularmente virulenta. É impertinente. Não conhece regras. Vive da vida e de mais nada.»

Pedro Paixão nasceu em 1956 em Lisboa. Estudou nesta cidade, em Lovaina e Heidelberga. Doutorou-se aos 29 anos. Publicou vinte e um livros e dois álbuns de fotografia. Escreveu dois textos para teatro, um para ópera e outro para cinema. Não pertence a qualquer clube, partido, associação ou Igreja. Tem um filho. É casado. Vive em Santo António do Estoril.

Há livros e autores que numa situação normal, ou seja, num correr de olhos pelos títulos não nos seduziriam, mesmo que não encontremos razões para essa decisão, ou não escolha. Pedro Paixão e o seu «O Mundo é Tudo o que Acontece» é um desses livros e títulos que certamente não chegariam até às minhas leituras, não fosse uma mão amiga com o gesto da oferta. Decidi, por isso, interromper juízos de valor e conhecer a escrita deste autor para mim desconhecido. Nas bainhas do livro não chegamos a saber com exactidão quem é este Pedro Paixão a não ser que se doutorou e estudou em Lovaina e Heiderberga, mas sobre o doutoramento, nada. Será filósofo o nosso escritor? A Internet diz-me que sim. Contudo, o livro satisfaz, é agradável e aparece escrito na forma de contos que me seduzem. É um pouco como agarrar situações, pessoas ou coisas ao acaso e ficcionar histórias que têm sempre um pouco de verdade não se conseguindo perceber onde principia a realidade e termina a ficção, aproveitando para no interior dos mesmos colocar uma ou outra das suas visões sobre o mundo e os acontecimentos. De todos os que se espalham pelas duzentas e oitenta páginas, destaquei três, «Perseguição da beleza», «Ódio às escolas» e «Fica um pouco mais», talvez por se aproximarem de mim, nomeadamente o primeiro e o último. No entanto, a meio, este Pedro Paixão invade o mundo real. Fá-lo com cuidado, cautela e bom-senso, mas como todos vem falar-nos dos maus, só que são os maus de sempre e, convenhamos, é algo que já me cansa. Por coincidência com o tempo da minha leitura, alguns dos textos abordam essa guerra maldita que se desenrola no Médio Oriente e pressente-se esse impulso de tentar ser equidistante, mas não consegue e os maus voltam a ser os mesmos de sempre. Por outro lado, creio já não ter paciência para um certo número de intelectuais, a maioria para cativeiro da cultura, que se sentam nas chamadas teses oficiais, quer dizer naquelas teses que nos explicam o mundo tal como o conhecemos, em que as relações de poder aparecem como imutáveis eternas e definitivas, para bem dos que com ele beneficiam e, certamente para mal da imensa maioria. Naturalmente que sente esses pruridos da consciência a chamuscar as ideias e então envereda por esse caminho de considerar que o mundo que vivemos não está correcto, mas outro que pudesse haver seria mau de certeza e a partir daí, desenha a ideia de um mundo imaginário que nunca chegará a haver ou de um outro que ainda não conseguimos encontrar. Enquanto aguardamos vamos estar assim, pois pessoas como o escritor, neste caso, Pedro Paixão de seu nome, não estão assim tão mal como isso, antes pelo contrário. Avisado já estava há muito de que não devemos esperar que um escritor que nos seduziu enquanto tal nos seduza também com a sua vida real. Normalmente a distância entre essas duas vivências é grande e, normalmente a vida real fica a perder. Porém, sempre nos deixamos surpreender, talvez porque essas opiniões interromperam um quadro que até parecia estar a ir bem. De resto, não chegou a perturbar a leitura que até é agradável, mas confrontou-me uma vez mais com essa inevitabilidade de que este mundo que nos impingem diariamente é um instante perfeito insubstituível. Não é e um dia veremos que outro mundo é possível, no qual a responsabilidade não passará por ser de todos como forma de diluir a responsabilidade dos que a têm, mas terá destinos e autores bem identificáveis.

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