Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

30 setembro, 2008

LEITURAS


Caros telespectadores hoje vou apresentar o livro “O Rapaz do pijama às Riscas” de Jonh Boyne.
O livro conta a história de um rapaz de 8 anos chamado Bruno e da sua família que vivia em Berlim numa casa com cinco andares, com uma janela no último andar, de onde Bruno adorava espreitar em bicos de pé. De lá conseguia ver toda a cidade. Um dia o pai de Bruno chegou a casa mais feliz do que o habitual. Bruno sabia que alguma coisa tinha acontecido, por isso, decidiu perguntar ao pai o que se passava. O pai explicou a toda a família que o Fúria ia jantar a casa deles. Bruno não sabia muito bem quem era o Fúria apenas sabia que era uma pessoa importante. Perguntou ao seu pai quem era. Gretel a sua irmã mais velha a quem Bruno chamava “Caso Perdido”, desatou a rir explicando a Bruno que o Fúria era o Presidente; era quem mandava em todas as pessoas, pelo menos em Berlim, ela sabia que sim. No dia seguinte ao jantar Bruno tinha acabado de chegar da escola e viu Maria a sua empregada a arrumar tudo o que ele tinha no quarto para dentro de caixas.
Bruno assustado vai rapidamente ter com a mãe a perguntar o que se passava. A mãe explicou que se iam mudar para Acho-Vill. Bruno ficou muito triste, pois ia ter saudades da Casa de Berlim e dos seus melhores amigos de sempre.
As mudanças foram feitas, bruno não tinha gostado da casa nova, onde a janela do quarto dele tinha vista para um grande campo vedado onde se via pessoas todas de pijama às riscas, a marchar atrás de soldados.
Bruno passado alguns meses cada vez gostava menos da casa de Acho-Vill, até que decidiu fazer explorações pelo campo, e foi até à vedação onde se encontrou com um rapaz chamado Shmuel de quem se tornou amigo. A partir desse dia Bruno se encontrava com o amigo; passava já um ano que Bruno estava na casa nova quando a mãe de Bruno decidiu voltar para Berlim dizendo que ali não era um bom sítio para criar uma família. No dia em que a mãe lhe disse isso, Bruno foi contar a Shmuel, que nesse dia estava muito triste do que o normal, pois não sabia do seu pai. Bruno combinou com Shmuel que no dia seguinte antes de voltar para Berlim, iria ajudar Shmuel a encontrar o seu pai do outro lado da vedação. No dia seguinte Shmuel trouxe até à vedação um pijama às riscas igual ao seu para Bruno vestir. Bruno lá o vestiu, passou a vedação e procuraram o pai de Shmuel por todo o lado, mas não o encontraram, a meio da sua investigação viu que os soldados dentro da vedação começaram a assobiar e as pessoas a fazer filas. Bruno e Shmuel juntaram-se à fila e quando deram conta estavam dentro de uma sala onde Bruno deu a mão a Shmuel e disse-lhe que era o seu melhor amigo.
A partir daí nunca mais ninguém viu Bruno.
Os pais ficaram muito tristes não sabendo o que lhe tinha acontecido, a única coisa que encontraram foi a roupa de Bruno junto da vedação. Desde aí até Gretel “O Caso Perdido” chorou por não saber do irmão.

Miguel (13 anos)


Esta é uma história especial e muito difícil de descrever. Embora fosse normal incluir aqui algumas pistas sobre o seu conteúdo, entendemos que neste caso isso iria prejudicar a experiência da leitura.
Pensamos, de facto, que é importante começar a ler esta obra sem saber do que ela trata e, para os mais curiosos, avançamos apenas isto:
quem ler este livro vai embarcar numa viagem com um rapaz de nove anos chamado Bruno; e, mais cedo ou mais tarde, vai chegar com o Bruno a uma vedação…
vedações como essa, existem um pouco por todo o mundo. Oxalá o leitor nunca encontre nenhuma igual.

O livro aparece-nos como o relato de uma criança que nos vai falando da sua experiência de vida nos anos de 1943/4 numa Berlim e numa Europa em guerra, mas esta, por razões que não se chega a compreender, não surge em toda a história. Apenas ao longe, muito ao longe se presume, mas não se chega a sentir. Nesta obra, “O Rapaz do Pijama às Riscas” o autor escreve uma história para crianças, uma história doce, eivada até de ternura, de simplicidade, de ingenuidade mais do que ignorância e com isso esconde-nos da barbárie. Por um lado, é positivo, se pensarmos na violência que pode significar uma criança ser confrontada com a brutalidade da guerra, da morte, do exercício da selvajaria produzida pelos que deviam ser, ou assim pensávamos que eram, seres humanos e, a criança ao ler sempre pode perguntar o significado de alguns aspectos como por exemplo, o campo de prisioneiros e os adultos encontrarem a forma de lhes explicar esse momento negro da humanidade aqui tão próximo do nosso tempo. Por outro lado, podemos questionar-nos se não haveria vantagem em que a história nos levasse paulatinamente ao inferno. Fica a dúvida. De qualquer forma, é uma abordagem original a um tema já tantas vezes contado e da primeira à última página aparecem-nos vivências relatadas por Bruno que merecem alguma reflexão, embora se possa dizer que alguns aspectos possam estar desenhados com o quadro mental da nossa época. Bruno vivia num mundo fechado e opulento, apesar de aparentar alguma discrição. Nasceu já com o nazismo no poder e tudo parece indicar que o pai terá sido um dos polícias de Hitler que foi subindo na carreira até chegar a essa confiança de ser visitado pelo Fúria e nomeado comandante do campo de concentração de Auschwitz. A criança desconhecia esse facto de viver no seio de uma família que hoje chamaríamos de novos ricos e de uma riqueza crescida à sombra da violência do poder. Constata-se através dos avós paternos do que seria a simplicidade da vida anterior e regista-se a dignidade e coragem da avó na denúncia em que se suportava a vida que levavam. O mundo de Bruno era até então, a grande casa onde habitava, os avós aqui e ali, O Caso Perdido da irmã todos os dias e três amigos que só uma vez esquecerá o nome. Este mundo vai ruir uma tarde de um dia qualquer e tudo recomeça na sua vida, a qual ficará reduzida aos pais, à irmã e a um campo desconhecido onde toda a gente vestia de pijama às riscas. Quando deixa Berlim, já a cidade sofria bombardeamentos, mas esta realidade não se encontra presente na história e o pai do Bruno é nomeado comandante do campo de extermínio quando a cúpula de loucura que ocupava o poder na Alemanha decide acelerar o processo de matança de seres humanos. De uma forma serena e de uma leitura tranquila, Jonh Boyne vai-nos mostrando alguns dramas da época e das consequências da guerra. O pai apenas interessado na carreira, a mãe, deslocada, sem apoio, sozinha no meio de um deserto social e humano e sabendo o que se encontra para lá daquela vedação de arame, certamente que caiu nas palavras de afago do tenente Kostler. Gretel, a irmã, chega a um momento em que se desprende das bonecas e percebe o mundo em que vive. Estávamos já em 1944 quando, todos os dias, deslocava setas num mapa da Europa. Era a aproximação do fim da demência que abalava a Europa. Nessa época o Exército Vermelho encontrava-se a caminho de Varsóvia e esse facto terá levado o comandante a decidir reenviar a família para Berlim. Quando esperávamos ver Bruno regressar à sua antiga casa, acaba por desaparecer engolido por essa máquina infernal e de morte e talvez esta seja a mensagem mais premente que o autor nos deixa. Não para as crianças que não a compreenderão, mas para os adultos e essa mensagem, regressa sempre ao poema de Brecht. Ignorarmos as coisas, vivermos num mundo para além da realidade e supormos que esse mundo é o verdadeiro, não nos interrogarmos sobre o que acontece ao nosso lado, não nos liberta de sermos também sugados pela diabolização da vida e daqueles que a dominam. Bruno ainda tenta no momento final conhecer o que se encontra para além daquela barreira, mas será já tarde de mais.
Livro que nos cativa para o desconhecido, para a procura do que será o momento seguinte, como se chegará ao fim da investigação, por parte da criança que desconhece o mundo em que vive e que, apesar do drama que carrega o tema, nos conduz a uma reflexão que é útil em todas as épocas, tanto mais que aquela que se poderia ter pensado ser a última guerra, foi seguida por tantas outras com todas as crueldades, violências e actos de barbárie como todas que a antecederam.

25 setembro, 2008

POESIA


Comigo trouxe um exército
blindados de sonhos
canhões de fantasia
balas de poesia
soldados mágicos
arcos de flechas retesados.
Um brado de combate soltei
e tudo se desfez em instantes
nas chamas brilhantes
dos teus olhos.

21.02.08

24 setembro, 2008

POESIA AO AMANHECER


Olá! Amigos

Este meu fim de semana foi diferente, para melhor. No Sábado fui caminhar até ao Gerês. Pequena caminhada é certo, mas o suficiente para demonstrar que a duas horas do Porto podemos encontrar uma amostra do paraíso. Montanhas floridas, lagoas, caminhos perdidos, florestas cobertas de verde, raras pessoas e um sossego e tranquilidade imensas. Só me interrogo porque não fugimos mais vezes.

Busque Amor novas artes, novo engenho.
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor, um mal, que mata e não se vê;

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

LUÍS DE CAMÕES

" - Mas os olhos são cegos. Deve-se é procurar com o coração."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Tudo isto, casas e trabalhos, é mediado pelo mercado, tradicionalmente situado nas ruas, onde trocamos, nos trocamos. E vigiado, gerido, pelo Estado, que define as fronteiras de uma casa/local de trabalho metafórico, onde até somos vistos como família, como sangue do mesmo sangue, através da língua, das leis das instituições. E da contabilidade dos corpos, da população, da demografia. Antes de sermos cidadãos, ou sequer pessoas, somos body count. Nas filas de espera, nas estatísticas, nos controlos de fronteira, nos votos, nas bases de dados."

MIGUEL VALE DE ALMEIDA, "O Manifesto do Corpo" in, " O Manifesto", Abril de 2004

Porto, 24 de Maio de 2004

22 setembro, 2008

LEITURAS


A Cara da Gente reúne os mais recentes textos de um dos mais respeitados cronistas portugueses. Conhecendo com exactidão o peso de cada palavra, Baptista Bastos vai fixando na escrita a magia do quotidiano ao mesmo tempo que analisa com rara lucidez os grandes temas da actualidade.
Numa linguagem deslumbrante, o autor escreve sobre a descoberta do amor, conta histórias de pais e filhos, sente o coração apressado com a descoberta do primeiro beijo, recupera o afecto de velhos amigos, não renega a saudade da cidade que mudou de rosto mas que é, a sua casa.
O resultado são estes textos que analisam o quotidiano e inventam cidades, debatem temas universais e evocam amigos com um encantamento que convida o leitor a sonhar e a reencontrar a felicidade em cada gesto.

Baptista Bastos nasceu em Lisboa em 27 de Fevereiro de 1934. Aos dezanove anos, n’ O Século, inicia uma intensa e aplaudida carreira de jornalista, mudando-se mais tarde para o Diário Popular, onde permaneceu vinte e três anos. Escreveu nos mais prestigiados jornais e revistas, colaborou em inúmeros programas de rádio e na SIC conduziu o programa “Conversas Secretas”.
Como jornalista, romancista e ensaísta é autor de duas dezenas de livros, cujo reconhecimento foi objecto de algumas das mais respeitadas distinções, de que se destacam o Grande Prémio da Crítica, o Grande Prémio da Crónica da APE, o Pen Club e o Prémio de Crónica João Carreira Bom.
Foi ainda docente universitário e as suas obras estão traduzidas em várias línguas. Actualmente é colunista do Diário de Notícias e do Jornal de Negócios.

“Devo dizer aos meus Dilectos que a «realidade» sempre me foi insuportável. Jovem escritor, assaltou-me a petulante ambição de narrar invenções sobre os outros, a maneira que entendi melhor para recusar a vida tal como ela se apresentava. Talvez esta ideia seja um destempero. Há quem defenda a impossibilidade de se fazer alguma coisa com as palavras; porém, insensato e um pouco ingénuo, ainda hoje creio que elas possuem alguma força, inclusive a de ajudarem a moldar uma certa maneira de ser. Nesta obstinada profissão de fé, só muito tarde aprendi que escrever é cumprir uma promessa feita não se sabe a quem – nem porquê. E que a fronteira entre dois mundos, o visível e o invisível, nasce do que imaginamos ser aquilo que o não é. Mercador de simulações, inventei ruas, bairros e uma cidade, através dos quais, e das pessoas que lá coloco, procuro a música dos estribilhos que nos indique alguns sinais de esperança. Tédios e penas, desalentos e desventuras, módicas alegrias e suaves aspirações, eis sobre o que escrevo. Pequenas sagas do banal. Coisas de nada que nos enredam nas mãos do frágil e caprichoso tempo.

da Introdução

Baptista Bastos parece trazer-nos sempre uma leitura saudosista de recordações, nostalgia de um tempo que já não regressa, mas não é verdade. Recorda é certo, um outro tempo, mas com os olhos do presente e pensando no futuro, um porvir com valores, princípios e ética, individual e colectiva. Faz-nos reflectir sobre os comportamentos humanos de uma forma compreensiva e tolerante se a palavra pode ter aqui cabimento. Ler os trabalhos escritos deste autor é sempre um prazer sem limites.

21 setembro, 2008

POESIA


A tarde despede-se
do dia e de mim.
Também me despeço
dela e de ti.
No cais
neste cais de partidas e chegadas
a noite aguarda
a sua vez
de lançar cordas a terra
arrastando atrás de si
pontos brilhantes de estrelas.
Sou apenas espectador
da vida, do tempo
de tudo.
E aguardo
o tempo dos teus olhos cristalinos.

21.02.08

19 setembro, 2008

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

A manhã era mais uma, idêntica a tantas outras. Chovia, pelo menos o piso estava húmido e a estrada que não é larga fazia uma ligeira curva para a esquerda, ligeira mas um pouco difícil. A Teresa Maria certamente com algum exagero na velocidade, não chegou a saber o que lhe aconteceu. A meio da curva, o veículo entrou em descontrolo, rodopiou sucessivamente e já despistado entrou com a lateral traseira literalmente na frente do carro da Helena Cristina que vinha em sentido oposto. A Teresa Maria, operária fabril certamente com algum atraso para o trabalho, ajudada pelo piso molhado e provavelmente com gordura no pavimento, está agora no Hospital de Covões a recuperar de múltiplas fracturas que certamente os seus 22 anos ajudarão a uma maior facilidade dessa recuperação. A Helena Cristina, 30 anos engenheira, aparentemente foi apenas vitima das circunstâncias. Ainda decorriam as operações de socorro à vítima quando no mesmo sentido da Teresa Maria surge uma outra viatura que certamente pelos mesmos motivos da primeira, descontrola-se e logo de seguida despista-se para terminar capotado 30 mts. à frente. Ao sair do seu interior, a Alexandra Maria, 28 anos, também ela operária fabril e companheira da Teresa Maria, trazia a orelha esquerda a menos. Ainda foi possível encontrá-la, mas já não foi possível reimplantá-la.
Sinal dos tempos, dois acidentes, três veículos, três mulheres jovens a deslocarem-se de automóvel para o trabalho. Na verdade, longe vão outros tempos e ainda bem, mas falta-nos ainda muita coisa ao nível da cultura cívica, digo eu.

OS EUNUCOS

Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem-se os tiranos contra os pais

Em tudo são verdugos mais ou menos
No jardim dos haréns os principais
E quando os pais são feitos em torresmos
Não matam os tiranos pedem mais

Suportam toda a dor na calmaria
Da olímpica visão dos samurais
Havia um dono a mais na sapatria
Mas foi lançado à cova dos chacais

Em vénias malabares à luz do dia
Lambuzam de saliva os maiorais
E quando os mais são feitos em fatias
Não matam os tiranos pedem mais.

JOSÉ AFONSO, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

"As estrelas são bonitas por causa de uma flor que não se vê..."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Tudo parecia dizer que ela era, antes de tudo o mais e mais que tudo - corpo. Ao mesmo tudo parecia dizer que ela era menos: menos inteligente, menos forte, menos capaz de. Estúpida, portanto inferior. Emotiva, portanto inferior. Como um preto, até certo ponto. Também lhe diziam, de uma forma ou outra, que era perigosa, tentadora, que tinha poderes ocultos, que era a perdição de toda a gente e mais alguma. Frágil, infantil, estúpida, débil, mas perigosa, manhosa. E sempre a precisar de ser explicada - por quem? Pelos homens, claro."

MIGUEL VALE DE ALMEIDA, "O Manifesto do Corpo", in "Manifesto", Abril de 2004

Porto, 21 de Maio de 2004

LEITURAS


«Nada» é a história de Andrea. Chegada a Barcelona para seguir os seus sonhos, Andrea fica hospedada na rua Aribau, em casa de familiares. Aqui, descobrirá um mundo muito diferente do seu, feito de personagens ambíguas e conturbadas, que vivem numa humilhante pobreza os cruéis anos da ocupação franquista da cidade. Será neste ambiente psicótico que, ao longo de um ano, Andrea crescerá, ao mesmo tempo que descobre a cidade, ganha novas amizades, e traça o caminho para a vida adulta.

Cármen Laforet nasce em Barcelona em 1921. aos dois anos de idade desloca-se com a sua família para Las Palmas, nas Canárias, onde permanece até aos seus dezoito anos. No fim da guerra, deixa o arquipélago e regressa a Barcelona para estudar Filosofia e Letras, vivendo com a sua avó, Cármen. Já em Madrid, em Janeiro de 1944 inicia a redacção de “Nada” que termina no mês de Setembro.
O romance é publicado em 1945, vencendo nesse mesmo ano o recém-criado prémio Nadal.
O reconhecimento do valor deste romance de estreia, escrito por uma jovem e desconhecida autora de vinte e três anos, é imediato e fulgurante: crítica e público rendem-se ao carácter excepcional da obra, que será considerada um verdadeiro acontecimento socioliterario que renovou a literatura espanhola do pós-guerra.
As edições sucedem-se: em Setembro a segunda, em Outubro a terceira, a quarta em Fevereiro de 1946, a quinta em Abril, ultrapassando ao longo dos anos as cinquenta edições sem que o seu impacto esmoreça nas diferentes gerações de leitores.
O enorme peso da sua primeira obra, ao contrário do que seria de esperar, remete Cármen Laforet para um primeiro obstinado silêncio que durará seis anos (e que inaugura a sua difícil e conturbada relação com a fama e a vida mundana), após o qual publica La isla e los demonios, que será para muitos a continuação retrospectiva da história de Andrea, a conturbada protagonista de “Nada”.
Por esta altura, sofre uma profunda crise espiritual, que a fará reconciliar-se com a Igreja Católica e, nesta nova fase de militância religiosa, publica La mujer nueva – com a qual obtém o Prémio Nacional de Literatura e o Prémio Menorca, e o livro de contos La muerta (1952). Seguem-se a colecção de novelas curtas, La llamada (1954) e, em 1956, a sua antologia pessoal: Mis páginas mejores. Nesse mesmo ano renuncia à sua fé católica com o mesmo fervor com que a havia abraçado em 1951.
Em 1963 publica La insolación, a sua última obra, com a qual recupera o assunto da adolescência e dos seus ritos de passagem à idade adulta. Este ano é marcado igualmente pelo definitivo afastamento de Cármen Laforet da vida social e cultural do país, da qual se abstém de participar, iniciando um período prolongado de viagens e de residência no estrangeiro, até ao seu regresso em 1979, quando se instala na cidade de Santander. Morre em 2004, sendo a sua obra, sobretudo o seu romance de estreia, “Nada”, comemorada e assinalada com reedições críticas e económicas de tiragens elevadas.

“Parecia-me que de nada vale correr, se vamos sempre pelo mesmo caminho, fechado, da nossa personalidade. Alguns seres nascem para viver, outros para trabalhar, outros para ver a vida. Eu tinha um pequeno e mau papel de espectadora. Para mim, era impossível sair dele. Impossível libertar-me. Uma tremenda angústia foi, nesse momento, a única coisa real para mim.”

Um livro que proporciona de facto uma leitura extraordinária, cativante e de grande entusiasmo, ainda mais quando sabemos que a obra foi escrita por uma jovem de 23 anos. O fim da guerra civil de Espanha, numa Barcelona derrotada, sem oposição, destruída e sem esperança, uma jovem divide-se entre as aulas na universidade, a descoberta de amigos e a paranóia dos tios que subsistem no limiar de uma miséria que muitas vezes é também moral, com comportamentos que raiam o irracional e o imoral.

04 setembro, 2008

POESIA


Sombras no Olhar

Sinto sombras de tristeza no teu olhar
que se escondem no interior de florestas sombrias.

Não encontro os dias marítimos
em que desenhava nostálgicos quadros no horizonte.

Assusta-me esse silêncio que escondes
por trás de palavras que não dizes

Não encontro mais os dias puros do Verão
em que sorrias por entre o voo das gaivotas

Ainda encontro o mar
ainda sinto o sorriso
e o olhar?
Onde escondeste o olhar?

15.12.2007

01 setembro, 2008

POESIA AO AMANHECER


Olá! meus Amigos

Pois é verdade, escapuli-me uma semana. Fui tratar dos homens de 1383. Cada vez me sinto mais apaixonado por aqueles construtores da história, por aquela gesta libertadora que nos catapultou para o mundo. Provavelmente nunca mais esta pátria que então nascia viu gente com horizontes tão largos. Num mundo fechado, em que o religioso abafava o profano com a sociedade encerrada no interior das muralhas ou dos senhorios, foram capazes de se levantar e qual heróis, escrever páginas de glória que hoje 600 anos depois só nos podem orgulhar. Depois, a história tem destas coisas que é seis séculos após, podermos esmiuçar a vida e o pensamento de tantos deles, fazendo até juízos de valor sobre o que pensaram e porque agiram.
Isolei-me que é algo fácil em minha casa. Passei horas seguidas a olhar para os livros e só interrompia de longe a longe para passear com o Galileu e o Tonecas por entre a floresta do meu jardim. Cansado pela falta de hábito, mas gostei.
Nesse isolamento, preferi não ver televisão, nem ler os jornais para não me perturbar. Quando "acordei" os israelitas andavam a derrubar casas e a matar palestinianos com a impunidade que o mundo lhes concede. É um autêntico genocídio e só se distingue dos crimes nazis porque é mais dilatado no tempo e os campos de concentração são cidades inteiras. Não só matam com balas como matam psicologicamente, aniquilando a estrutura moral de todo um povo, através da destruição sistemática e quotidiana das casas e das estruturas básicas. Ontem ao chegar ao Café e olhar para a televisão, deparei com o bombardeamento aéreo de uma manifestação de gente desarmada e não pude esconder um grito de desespero e de impotência. Até quando, assassinos?

SE EU MORRESSE AMANHÃ

Se eu morresse amanhã viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria,
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas,
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito,
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos,
Se eu morresse amanhã!

ÁLVARES DE AZEVEDO

" - É bom ter um amigo, mesmo quando se está para morrer."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Alberto intui que as categorias não estão aí apenas para ajudar a organizar a cognição. "Preto" não é apenas a outra face da moeda de "branco"; "preto" é a face de baixo, com menos valor, da moeda. Foi-lhe dito que a humanidade se divide em várias "raças". Tal como os cães, a diferentes raças, corresponderiam diferentes características, só que estas características não são atributos neutros mas antes capacidades e incapacidades, coisas boas e coisas más."

MIGUEL VALE DE ALMEIDA, "O Manifesto do Corpo", in "Manifesto", Abril de 2004

Porto, 20 de Maio de 2004

LEITURAS


Quando se procedeu ao restauro da Casa Grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho dum santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos. Como Cide Hamete Benengeli, não posso ver um farrapo impresso que não me sobressalte a curiosidade. Com avidez fui tirando para fora cartapácios sem frontispício e sem índice, entre os quais um Mestre da Vida que ostentava unma dactiloscopia densa e salivosa, com os cantos das folhas tenazmente arrebitados, avisos e recibos da contribuição predial, uma resma de bulas da Santa Cruzada de pinto e de doze vinténs, receitas de botica, algumas traindo pelo sebo e a usura terem sido aviadas amiúde, folhinhas de anos sucessivos, e uns cadernos de papel almaço em que me palpitou matéria de bisbilhotice. Um deles, dobrado longitudinalmente, teria a sua centena de páginas e envolvia-se numa capa de pergaminho que inculcava já uma respeitável vetustez. O rótulo, em largos caracteres floreados, tinta cor de ferrugem, advertia, esmaecida mas verbosamente, do teor: Livro que há-de servir ao assentamento das coisas notáveis que assucederam na Casa Grande de Romarigães, também chamada Quinta de Nossa Senhora do Emparo. Com um epítome da origem, fundação, sítio e nobilíssima árvore de seus morgados, pelo P.e Sebastião Mendrugo, da Casa da Cachada, e seu capelão. Ano da Graça de 1680.
Deitei um olho ocioso ao palimpsesto, depois de tomar conhecimento do título. Por pouco não permiti que as raparigas do caseiro lhe esfarripassem as páginas para envoltório dos fusos, quando fiam na roca. Decifrando aqui uns períodos, além outros duma caligrafia que obedecia a um sentido interior geométrico muito outro dos nossos dias, para mais a esvair-se no papel de trapo, amarelento e manchado, perguntei-me em que nos podia interessar a vida de fidalgos como tantos mais. De facto crónicas deste jaez nem sempre são o mais edificante. Mas era enternecedora a simplicidade com que o historiógrafo memorava os serões gastos, até altas horas, espírito tendido sobre a pena de pato como o lavrador sobre a rabiça, olhos a doerem-lhe da chama reverberada pelo latão no candeeiro de três bicos. Foi este sentido de cortesia, que as pessoas idosas têm por tudo o que ocupa um lugar no mundo e significa acender-se em suas almas a luz da piedade, que o salvou. O relato do reverendo Mendrugo estendia-se por altas e compactas laudas, verdade seja que numa letra encadeada, dentro de cujos arabescos cabiam períodos inteiros de Lima Bezerra, que discorreu por esta corda, e costumava fazê-los extensos como léguas.
O outro manuscrito, em letra especiosamente torneada, chamava-se Vida de D. Luís António de Antas e Meneses, sargento-mor de Milícias e procurador às Cortes de 1828. Ao que se depreendia do estilo, abundante em ciência hieráldica e genealógica, era obra dum linhagista do Alto Minho, tão amigo de Deus e do rei como inimigo dos malhados, o senhor Manuel Afonso, de Venade. A sua personalidade de cronista meticulosamente fidedigno, em dia com a pátria e o seu partido, ressaltava do esmero com que arredondava a pança garrafal das letras e lhes projectava as hastes para o zénite. Em suma, na caligrafia, ora direita como lanças, ora cheia e empolada como cabaços, pintava-se o homem como dizem que sucede aos pintores quando fazem retratos. Uma fé, ora hirsuta, ora serena e espapaçada, exalava-se da prosa que só a copeira esotérica da Casa Grande permitira furtar às auras do liberalismo triunfante.
O terceiro caderno tinha ares de copiador. Copiador de coisas e loisas, numa escritura igual, muito indolente e de traços farfalhudos como as caneiras de milho desta comarca frumentosa. Era o vasto repositório duma ciscalhada inominável, anedotas, documentos tabelionares, censuras a livros pelo P.e José Agostinho de Macedo, sinal de que o escriba propendia para literato, e até cartas de amor. Estas estadeavam em título autónomo dentro do vasto armazém de ferro-velho: Cartas de dois amantes verdadeiros.
Quanto aos autores de tal correspondência, por dedução, à vista de certos documentos e papéis, não tive dúvidas de concluir quem fossem. Mercê doutros informes de vária procedência, esclareceu-se finalmente o romance de amor, um romance silencioso e profundo como as águas dos grandes rios, e por isso mesmo cheio de sainete, sem embargo do seu acerbo pecado.
De modo que em grande parte deste livro eu não fiz mais que marchar na esteira dos cronistas que tenho por veros, uma vez que não tinha interesse em ser mentirosos. O padre era-o por natural lisura e dever de ofício. Os outros que ganhavam em prestar um falso testemunho quando os não requeriam no pretório? Finalmente, as últimas e extravagantes páginas do livro são de minha lavra. Às outras, sacudi o bolor do tempo e reatei o fio de Ariadna, interrompido aqui e além. É escusado dizer que inutilizei muito material, glosas, apostilas, considerações baratas e vagarosas, todas elas a ressumarem uma filosofia de algibeira, incompatíveis com a era de Einstein e dos aviões de jacto. Os antigos tinham fôlego de baleia e ignoravam o valor monetário do tempo, bem como o valor higiénico da vírgula e do ponto e vírgula. Em matéria de estilo, a minha pena passou por cima como o ferro de engomar eléctrico na camisa quando volta do estendedoiro. Vamos com o Seráfico, se algum dia houve escrivão da puridade mais fiel ao assunto e às fontes históricas, que me cortem a mão que atraiçoou.
Todavia quero confessar os meus pecados. Um confrade, académico de Argamasilha ou lente de Coimbra, já não sei bem, a quem li alguns capítulos deste livro, exclamou, mais que judicioso, salomónico de todo:
- Mas afinal o que V. fez foi um romance…
- Um romamce…? Deus me livre! A minha ambição foi bem outra. Isto é monografia, história local, história romanceada, se quiser, agora novela, abrenúncio! Mal de mim se escorreguei para tais enredos e labirintos. No romance, o escritor escolhe os episódios; na história, são os episódios que se lhe vêm oferecer. Estão tabelados, não há que lhes fugir. Ora o que eu tentei foi desempoeirar velhos e particularíssimos sucessos que, de resto, pouco pesaram na marcha do mundo. Romance…!? Se me saiu romamnce, aconteceu-me a mesma coisa que a um triste e tosco carpinteiro dos meus sítios, de quem toda a gente zombava, decerto por milagre desenfadado do Espírito Santo: estava a fazer um gamelo para o cão e saiu-lhe uma viola.

Lisboa, Primavera de 1957

AQUILINO RIBEIRO


Foi uma leitura muito agradável e ao mesmo tempo uma descoberta, esta viagem ao longo do tempo e da história com os riquíssimos pormenores de Aquilino, nessa terra tão bela e tão pouco conhecida de Paredes de Coura






Free Web Counter
Site Counter