Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

19 setembro, 2008

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

A manhã era mais uma, idêntica a tantas outras. Chovia, pelo menos o piso estava húmido e a estrada que não é larga fazia uma ligeira curva para a esquerda, ligeira mas um pouco difícil. A Teresa Maria certamente com algum exagero na velocidade, não chegou a saber o que lhe aconteceu. A meio da curva, o veículo entrou em descontrolo, rodopiou sucessivamente e já despistado entrou com a lateral traseira literalmente na frente do carro da Helena Cristina que vinha em sentido oposto. A Teresa Maria, operária fabril certamente com algum atraso para o trabalho, ajudada pelo piso molhado e provavelmente com gordura no pavimento, está agora no Hospital de Covões a recuperar de múltiplas fracturas que certamente os seus 22 anos ajudarão a uma maior facilidade dessa recuperação. A Helena Cristina, 30 anos engenheira, aparentemente foi apenas vitima das circunstâncias. Ainda decorriam as operações de socorro à vítima quando no mesmo sentido da Teresa Maria surge uma outra viatura que certamente pelos mesmos motivos da primeira, descontrola-se e logo de seguida despista-se para terminar capotado 30 mts. à frente. Ao sair do seu interior, a Alexandra Maria, 28 anos, também ela operária fabril e companheira da Teresa Maria, trazia a orelha esquerda a menos. Ainda foi possível encontrá-la, mas já não foi possível reimplantá-la.
Sinal dos tempos, dois acidentes, três veículos, três mulheres jovens a deslocarem-se de automóvel para o trabalho. Na verdade, longe vão outros tempos e ainda bem, mas falta-nos ainda muita coisa ao nível da cultura cívica, digo eu.

OS EUNUCOS

Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem-se os tiranos contra os pais

Em tudo são verdugos mais ou menos
No jardim dos haréns os principais
E quando os pais são feitos em torresmos
Não matam os tiranos pedem mais

Suportam toda a dor na calmaria
Da olímpica visão dos samurais
Havia um dono a mais na sapatria
Mas foi lançado à cova dos chacais

Em vénias malabares à luz do dia
Lambuzam de saliva os maiorais
E quando os mais são feitos em fatias
Não matam os tiranos pedem mais.

JOSÉ AFONSO, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

"As estrelas são bonitas por causa de uma flor que não se vê..."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Tudo parecia dizer que ela era, antes de tudo o mais e mais que tudo - corpo. Ao mesmo tudo parecia dizer que ela era menos: menos inteligente, menos forte, menos capaz de. Estúpida, portanto inferior. Emotiva, portanto inferior. Como um preto, até certo ponto. Também lhe diziam, de uma forma ou outra, que era perigosa, tentadora, que tinha poderes ocultos, que era a perdição de toda a gente e mais alguma. Frágil, infantil, estúpida, débil, mas perigosa, manhosa. E sempre a precisar de ser explicada - por quem? Pelos homens, claro."

MIGUEL VALE DE ALMEIDA, "O Manifesto do Corpo", in "Manifesto", Abril de 2004

Porto, 21 de Maio de 2004

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