Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

22 maio, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Hoje não vos escrevo ao amanhecer, ao crescer tranquilo de mais um dia, mas antes do jardim interior de um hotel na cidade que já foi capital de um imenso império que também, tal como hoje, parecia indestrutível aos seus construtores e um dia ruiu como um baralho de cartas soprado pelos ventos da história e pela vontade dos povos. Assim, pela segunda vez falho um encontro com a história. Rodeado pela grandeza de tanta beleza, deixo correr esses afluentes de sentimentos que as imagens televisivas me mostraram e quero falar e um embargo prende-me a voz como agora sinto a pena a resistir nesse deslizar da escrita. Talvez nunca tenha tido tantas certezas, como talvez nunca tenha sentido tantas dúvidas, mas não hesito porque sei que o caminho é para a frente, para o horizonte. É possível que ao contrário de muitas das nossas acções, aqui devamos olhar de quando em vez para trás, contemplando o passado para evitar que se repitam os mesmos dramas e possamos colher o ensinamento do muito que outros semearam, mas não alimentemos muitas dúvidas sobre quem a história vai fazer pender o prato da balança que contém a razão, a sabedoria e a justiça. Só pode ser sobre os deserdados de sempre. Passará certamente por eles a construção desse sonho inigualável de solidariedade e de fraternidade. É verdade que ainda acordamos todas as manhãs ao som das trombetas do Nasdaq ou do Dow Jones, mas percorrem já os caminhos das estradas sem saída. Muito drama, muita miséria, muita luta ainda vai atravessar a vida dos povos, mas a esperança, essa chama imensa acesa na alma dos que constroem o futuro com poesia não se vai extinguir nunca mais e os impérios, por tremenda que seja a sua força e o seu poderio, terminarão assim, como os vejo aqui, grandiosos sem dúvida, mas ruínas, apenas ruínas do passado. Olho para as ruas de Lisboa, essas ruas que viram os mesteirais em 1383, os soldados da Rotunda em 1910, ou aqueles outros bravos na madrugada de Abril e sinto o pulsar da história, o murmúrio desse rio subterrâneo que percorre as veias de uma nação e um dia há-de desaguar com fragor nos palácios do poder e como escreveu um outro poeta, nessa altura poderemos cantar de garganta cheia para que ninguém fique sem escutar, “venho dizer-vos que não tenho medo / a verdade é mais forte que as algemas / venho dizer-vos que não há degredo / quando se traz a alma cheia de poemas”. Tenham um bom dia que bem merecem.

Com a verdade fui solidário:
de instaurar a luz na terra.

Quis ser tão comum como o pão:
a luta não me encontrou ausente.


Porém aqui estou com o que amei,
com a alegria que perdi:
junto a esta pedra não repouso.

Trabalha o mar em meu silêncio.

PABLO NERUDA, “As Pedras do Chile”, in “Presentes de um Poeta”

Não deveis admirar-vos, minha amiga, que tantas descrições tenham resultado em vão: no fundo de todo o ser perfeito, há um não sei quê de único que faz esmorecer o elogio.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Logo a seguir ao referendo francês, os defensores da Constituição – a começar pelos grandes órgãos da comunicação social – retomaram os ataques contra a maioria dos eleitores, suspeitos de irresponsabilidade ou de xenofobia. Igualmente inadaptada à mensagem dos franceses parece ser a resposta do presidente da República, Jacques Chirac, traduzida num simples remendo ministerial marcado pelo regresso ao governo de Nicolas Sarkozi, apesar de este ser defensor de um modelo liberal rejeitado pelo sufrágio universal. Um tal autismo dos meios dirigentes europeus face às preferências e prioridades das populações sublinha o maior defeito da construção comunitária. Desde o início que o edifício europeu foi construído às escondidas e imposto por uma elite social a áreas cada vez mais extensas da vida colectiva. A tal ponto que a «construção da Europa» acabou por se identificar progressivamente com a destruição de alguns dos valores originalmente proclamados. Na realidade, esta surpresa é relativa: a esquerda francesa pôde avaliar muitas vezes ao longo da história o peso dos constrangimentos de uma Europa liberal sobre um projecto de transformação social.”

SERGE HALIMI, “Uma rejeição da esquerda em nome da Europa”, in “Le Monde diplomatique”, Junho de 2005

Porto, 20 de Junho de 2005

21 maio, 2010

POEMAS

RENÚNCIA


Agora, que não vens, é que sossego.
Lucidamente, nego
Tudo, quanto sonhei.
Desaperto o nó cego
Que apertei
Na hora cega em que te conheci.
Sou eu de novo só, como nasci,
A subir o calvário
Sem ninguém que me valha.
Sem deixar o sudário
Em nenhuma toalha...

Miguel Torga

15 maio, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Escrevia-vos no amanhecer de ontem sobre a partida do General, quando não, cai-me a notícia da partida do Político e do Poeta. Quis o destino que se juntassem todos na hora do adeus e embora possa parecer paradoxal, os três simbolizam o que sempre persegui e o caminho que ainda terei de percorrer. Do General já vos disse o que pensava, como o via e os momentos que me traz à memória. Nunca estive na sua presença, excepto uma vez em que me aproximei a uns 50 mts., aspecto sem valor para se conhecer o Homem. Conheci-o antes pelas ideias e pela sua prática. O Político houve um tempo em que o encontrei diversas vezes, mas na memória ficará sempre a primeira há 32 anos na longínqua capital da Rússia soviética quando se sentou do outro lado da mesa numa sala da Escola onde vivia e nos quinze minutos que se seguiram, falamos do meu futuro que oito meses depois esse mar que nasceu em Santarém e desaguou no Terreiro do Paço, alterou. O Político tinha então 60 anos e eu estava nos meus vinte e um. Foi uma conversa calma, serena e aquele Homem que se sentava na minha frente, acabado de ser condecorado pelo governo soviético, quase não revelava essa passagem extraordinária pela história, com 30 anos de clandestinidade, dezasseis de prisão e uma fuga espantosa. Aquela personagem, com uma capacidade intelectual quase inigualável, falava então naquele Outono longínquo do que gostaria eu de fazer, politicamente, entenda-se, e como poderia ser mais útil no meu regresso ao país. Certamente terá sido algumas vezes duro nas decisões, intransigente nos princípios, inflexível no caminho. Mas imagina-se outra forma de liderar um Partido que caminha por entre escolhos tão grandes? Creio que não, tanto, mais que por trás dessa máscara de liderança, estava uma pessoa sensível, capaz de escutar e colocar o sentimento humano como uma necessidade a satisfazer. A sua vida, a forma como a viveu, ajudou-me a pensar, a reflectir e a tornar o sonho mais verdadeiro. O Poeta conheci-o um pouco antes. Vivia em frente à casa onde então habitava e descobri-o quando tentávamos encantar o olhar moreno da empregada. Durante muito tempo, perdi-lhe o rumo e quando o voltei a encontrar foi através das palavras que escreveu, algumas das quais guardo na memória, como pensamentos permanentes. “Foi o sorriso, creio que foi o sorriso que me abriu a porta…”. Um dia, quando chorava amores perdidos entre os cedros que rodeiam o cemitério de Padronelo, li-o de fio a pavio, já não distinguindo as lágrimas dos amores, daquelas que a poesia fazia nascer. Agora, o destino leva-os a todos de uma só vez. Deixaram, contudo, obra estampada nas ideias, nos sonhos, nas palavras e hoje quando os vejo prestes a deixar-nos sinto a alma marejada de lágrimas, não daquelas que nos saltam dos olhos, mas das outras, das que enchem rios de sonhos que murmuram e desabrocham em galope para um mar de esperança. Procurei sempre que a minha vida fosse assim com essa simbiose de vontades. A acção política baseada na coerência e na pureza dos actos, com a determinação e a coragem de um soldado, mas sempre com a alma inundada de poesia. Não o vou conseguir, mas já vos disse que sou um perseguidor de ideais. Não sei ainda onde vai aportar um dia esta armada de velas desfraldadas, mas seja onde for, será certamente num mundo novo. Para este momento de aceno, de erguer de cravos e de rosas, de flores que perfumam o céu, deixo-vos com as palavras de quem as merece. Qual o primeiro, qual o último? Queria que fosse o poeta, pois a poesia é fruto que não apodrece, mas começo com o General, pois também desejo que haja poesia na disciplina e na regra. “Amado por uns… odiado por outros… Como poderão gostar de mim os grandes senhores do dinheiro, os homens dos grupos económicos e suas clientelas, os latifundiários,“. Ao Poeta, deixo as palavras que trago na alma. “É um silêncio sem ti / Sem álamos, sem luas / Só nas minhas mãos ouço a música das tuas”. E do Político, recordo apenas e simplesmente um “Até Amanhã Camaradas”.

TROVA DA PLANÍCIE

Quando os cutelos de sombra
Acordaram a Planície
Se te vierem dizer
Que eu te disse
Que aquela flor lanceolada
não resiste
Como uma estrela fechada
Como uma noiva deitada
À espera da madrugada
Mais verdadeira que existe

Se te vierem dizer
Não olhes a Cassiopeia
Mas deita-te meu amor
Na ponta de cada veia
E encosta o teu rosto molhado
Ao rosto frio da areia
Porque a areia não engana
Quando vem a maré cheia.

ORLANDO DE CARVALHO, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

A riqueza parecia instalada, naquela casa, desde tempos muito antigos, como em nossa casa a pobreza. Os príncipes de Mainau sempre tinham sido ricos; não podíamos pois admirar-nos que ainda o fossem, e nem sequer os pobres se irritavam com isso.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Riquezas sem conto, palácios fabulosos, intrigas que não respeitam, nem pais nem irmãos… A Índia mongol aparece como um mundo de lenda”.

ÓSCAR PUJOL, “Os construtores do Taj-Mahal. A Índia Mongol”, in “Historia national geographic”, nº11

Porto, 14 de Junho de 2005

14 maio, 2010

LEITURAS


Morelba a Tigra desapareceu e Álvaro Montes tem de regressar a Buenos Aires para a encontrar. Passaram muitos anos desde que, em 1975, numa viagem à Argentina, Álvaro e os loucos jovens com os quais percorreu os canais e os rios do Delta fundaram, na brincadeira a Ordem do Tigre. Passou muito tempo desde que se enamorou de Morelba. No final do Século está tudo diferente: os seus amigos sofreram os golpes do amor e da política, converteram-se em cúmplices da ditadura ou em militantes clandestinos. Álvaro regressa ao passado para reviver a intensidade de uns dias que ainda permanecem na sua memória, apesar da distância e por cima da dor.
Um romance que analisa com dureza e sem complacência os traumas da Argentina.


J. J. ARMAS MARCELO nasceu em Las Palmas de Gran Canaria em 1946 e é licenciado em Filologia e Literatura Clássicas pela Universidade Complutense. Reside em Madrid desde 1978. É autor dos romances El camaleón sobre la alfombra (1974; Prémio Galdós), Estado de coma (1976), Calima (1978), Las naves quemadas (1982), El árbol del bien y del mal (1985), Los dioses de sí mísmos (Prémio Internacional de novela Plaza & Janés 1989; Alfaguara, 1966), Madrid, Distrito Federal (1994; Alfaguara, 1999), Los años que fuimos Marilyn (1995), Cuando éramos los mejores (1997), Así en La Habana como en el cielo (Alfaguara, 1998) e El Niño de Luto y el cocinero del Papa (Alfaguara, 2001); e da biografia Vargas Llosa. El vicio de escribir (Alfaguara, 2002). Armas Marcelo colabora habitualmente na imprensa, rádio e televisão. Em 1998 obteve o Prémio González-Ruano de Jornalismo e, desde esse mesmo ano, a Orden de Miranda.
A Dom Quixote publicou, em 2007, o seu romance Quase Todas as Mulheres.


A Argentina é um extraordinário país do continente americano dessa latino América tão rica e pujante na sua diversidade cultural e na sua riqueza humana, patrimonial e paisagista. Há 35 anos um conjunto de militares assassinos, outro nome mais gravoso não conheço, um colectivo de aventureiros criminosos mancharam a dignidade de umas Forças Armadas que deveriam ser apenas o garante da soberania dessa pátria que tanto invocaram e tanto enxovalharam. Durante dez anos a Argentina mergulhou nessas trevas de chumbo, da perseguição, da morte, da ignominia, da tortura e do abandalhamento da vida humana. Prenderam, raptaram, torturaram e lançaram ao mar homens e mulheres vivos, enquanto sequestravam os filhos e os entregavam a pretensos pais. Foram anos de barbárie. Armas Marcelo, leva-nos em viagem por este tenebroso mundo, de forma muito leve e distante, mas suficiente para que se entenda, fazendo o tempo correr pelas vidas dos personagens que foram caminhando por este pântano. Umas, tombaram nessa passagem, outras soçobraram, outras aderiram à indignidade e outras, mantiveram-se íntegras. Ao longo de uma leitura apaixonante, ficamos a conhecê-las todas.

13 maio, 2010

POEMAS

HORA DE AMOR

Vem.
Adormece encostada a este braço
Mais débil do que o teu.
Entrega-te despida
Nas mãos de um homem solitário
Que a maldição não deixa
Que possa nem sequer lutar por ti.
Vem,
Sem que eu te chame, ou te prometa a vida.
E sente que ninguém,
No descampado deste mundo, tem
A alma mais guardada e protegida.

Miguel Torga

12 maio, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

No Sábado ao fim da tarde, fatigado por um calor que se colava à pele, fui surpreendido pela morte do General. Diziam os seus inimigos políticos que foi um homem bom, sério e idealista. Teve apenas um defeito, foi um revolucionário. Dizia até um outro que foi de extrema-direita e hoje se localiza ao centro com ar muito respeitável, que felizmente o país optou por outro caminho diferente daquele que preconizava o General, o caminho da democracia que resumidamente, agora digo eu, foi o caminho que permitiu aos ricos do passado continuarem mais ricos no presente e aos pobres de ontem estarem hoje mais pobres, enquanto os senhores respeitáveis continuam no poder de consciência tranquila. O tempo do General foi um tempo de emoção, um tempo de pureza em que as vontades se congregavam, em que era possível acreditar no futuro, um porvir que fosse de todos mas sobretudo daqueles que nunca tinham tido nada. Havia confiança, alegria, camaradagem e nunca como então, a solidariedade foi uma palavra que valeu a pena. Foi um tempo de ofensiva nos direitos sociais e de cidadania. A democracia vivia-se não se falava. Era a participação colectiva num projecto abrangente. Depois, bem depois, o General deixou o poder e os medíocres assaltaram de novo esse mesmo poder. Primeiro com palavras doces e mansas, de seguida com a arrogância que lhes é conhecida. Por lá andam, a maltratar-nos os direitos através de uma barragem de demagogia para nos iludirem. Resta-nos essa batalha de guerrilha e de desgaste. O General morreu, mas o sonho continua connosco. Há sempre alguém disponível para levar mais longe o facho que mantém acesa essa esperança num mundo melhor, sobretudo diferente e sem miseráveis a mandar. Por mim, acreditei sempre no General. Para além de ser um homem bom, era digno e puro, nos sentimentos e nas ideias. A história saberá colocá-lo no lugar que merece.

Se estamos aqui reunidos estou contente. Penso
Com alegria que tudo quanto escrevi e vivi serviu para
Nos aproximar. É o primeiro dever do humanista e a
Fundamental tarefa da inteligência assegurar o conhecimento e
O entendimento entre os homens. Bem vale haver lutado e
Cantado, bem vale haver vivido se o amor me acompanha.

PABLO NERUDA, “Nasci para nascer”, in “Presentes de um Poeta”

Não devemos corar, frente a umas quantas flores, por estarmos sordidamente alojados. Aquilo era mais do que eu podia esperar de quem quer que fosse; não supunha que houvesse, à superfície da terra, uma única pessoa suficientemente bondosa para me mandar flores. Ela tinha por essa altura a paixão dos lilases cor de malva; graças a ela, passei uma convalescença perfumada. Disse-vos como era triste o meu quarto: sem os lilases da princesa Catarina, talvez eu nunca tivesse a ousadia de curar-me.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“A bruma do mistério não se resina a evaporar-se em torno da figura de Cristóvão Colombo. Dele desconhecemos muito, a começar pelo lugar do seu nascimento. A sua grande aventura tão pouco está livre de sombras: discute-se se foi ou não um bom marinheiro; é possível que tenha sido um náufrago que o informou da rota para realizar a sua viagem; Rodrigo de Triana não foi que deu o grito anunciando terra à vista na madrugada de 11 para 12 de Outubro de 1492… Tais interrogações, somadas a muitos tópicos, dão forma ao preto e branco colombino que todavia hoje – quase quinhentos anos depois da sua morte, ocorrida em 1506 – continua animando os debates sobre a sua pessoa e sobre o seu legado.

CONSUELO VARELA, “Os Enigmas do Almirante Cristóvão Colombo”, in “Historia national geographic”, nº11

Porto, 13 de Junho de 2005

11 maio, 2010

LEITURAS


“Um grupo de ocidentais conhece-se nos Andes para fazer um percurso de cinco dias até à lendária cidadela de Machu Pichu. Em comum: todos parecem ter perdido a capacidade de sonhar. Mas um deles vai animado por um último sonho, um sonho que parece contagiar o grupo: encontrar a mítica cidade perdida dos Incas. A cidade que existirá no interior duma montanha e onde poderá estar o objecto mais sagrado daquela civilização: o grande disco solar em ouro maciço. Cinco séculos antes, esse mesmo percurso havia sido feito pelo chasky (mensageiro) Aticoc com uma missão ultra-secreta. Estarão prestes a descobrir o disco em ouro que Pizarro, o conquistador do Império Inca, em vão procurou? Ou irão confrontar-se com as contradições da sua própria civilização e perceber que o segredo do grande disco é bastante mais profundo e metafórico do que aquilo que imaginavam? Mais do que uma história de aventuras estamos perante um romance filosófico que nos faz reflectir sobre o nosso percurso civilizacional.”

«Um dia perguntaram-lhe quem seria ele na tripulação dum barco. Respondeu que o barco seria um veleiro e que ele seria o vento. E é com a mesma energia do vento que tem abraçado os projectos por onde tem passado. “Não me orienta a vontade de liderar. Motiva-me sonhar. Sonhar é o vento da concretização. É a força que faz mover o mundo.” Cidadão do Mundo nascido em Braga no ano de 1966 é o mais velho de uma família de cinco irmãos. Até ao momento escreveu três obras de ficção: Quando o Sol se põe em Machu Pichu, Amanhã o Futuro e os Parricidas (as duas últimas a publicar brevemente). Neste momento está a trabalhar num quarto livro.
LUÍS NOVAIS vive entre Braga, Lisboa e o resto do mundo. “Vivo algures num ponto indeterminado. Um ponto que fica entre a realidade e o sonho. Sonho que é sonho da própria realidade ou que é realidade sonhada.”»

Este livro conduz-nos pelos caminhos do sonho, nas personagens que constrói, no mundo que visita, na descrição que faz da vida, das coisas, da natureza e dessa civilização, para mim, tão extraordinária que foi a dos andinos incas. Ainda hoje, a cordilheira é um fascínio, um desafio, uma aventura e um deslumbramento para todos os que desejem soltar esse sonho de perseguir o impossível, esse idílio de pensar que podemos chegar a um mundo onde os seres humanos podem amar. Machu Pichu é um lugar, já foi uma cidade com todas as misérias e grandezas que conhecemos dos agrupamentos urbanos, mas no seu tempo, testemunhou a capacidade humana de construir nas mais difíceis condições da natureza. Pizarro, esse castelhano salteador, tudo arrasou nessa cobiça desmedida do enriquecimento. Hoje, em nome de uma certa história tenta-se denegrir os conquistados e limpar os genocidas, desmentindo e adulterando o relato dos que viveram a realidade, mas nem isso engrandece os assassinos, nem diminui os conquistados. É um bom livro para ler e reflectir em algumas mensagens que nos são deixadas na berma do caminho percorrido.

10 maio, 2010

POEMAS

Hossana!

Junquem de flores o chão do velho mundo:
Vem o futuro aí!
Desejado por todos os poetas
E profetas
Da vida,
Deixou a sua ermida
E meteu-se a caminho.
Ninguém o viu ainda, mas é belo.
É o futuro...

Ponham pois rosmaninho
Em cada rua,
Em cada porta,
Em cada muro,
E tenham confiança nos milagres
Desse Messias que renova o tempo.
O passado passou.
O presente agoniza.
Cubram de flores a única verdade
Que se eterniza!

Miguel Torga

02 maio, 2010

POESIA AO AMANHECER

Bom dia, meus Amigos

Deitado sobre o chão do aparelho perscrutava o horizonte, mas duvidava bastante do que ainda podia alcançar o seu olhar. Começava a sentir leves arrepios de frio e evitava usar os binóculos, pois a fadiga no olhar faziam-no tremer e não conseguia distinguir qualquer objecto entre o colorido acinzentado das ondas. O ruído das pás a rodar no rotor chegava-lhe como um som longínquo e uma espécie de dormência abalavam-lhe a vontade naquele terceiro dia consecutivo de busca. Quase doze horas seguidas a olhar o mar de forma infrutífera, seguindo um esquema de quadrado, começavam a deixar marcas arrasadoras. Contudo, o objecto da procura não dava sinais, pelo que, enquanto existissem hipóteses mínimas de sobrevivência, a procura continuava. Oitenta metros, abaixo, as ondas revelavam-se alterosas e era difícil imaginar poder encontrar-se alguém, mas pelo menos sinais deviam aparecer e, no entanto, não se vislumbravam. Naquela missão a esperança dura até que seja dada ordem de regresso definitivo à base e tal ainda não tinha ocorrido. A manhã avançava célere e o heli já só tinha combustível para mais uma hora. Continuava a olhar as águas, a verificarem o ondular poderoso do oceano e a tentar adivinhar algo a aparecer do seu interior, mas até àquele momento, nada havia surgido que ajudasse a ter qualquer ponto de referência. Por um minuto teve a sensação que os olhos adormecidos, se fecharam, que as pálpebras baixaram num apelo de cansaço, mas quando voltou a abri-las já não sabia se sonhava ou se via mesmo uma pequena mancha alaranjada entre a parte baixa de duas ondas, bem no interior das mesmas. Esfregou os olhos e pegou nos binóculos, mas não conseguia ter a certeza. Voltou a pesquisar as águas e então como se algo o despertasse adquiriu a certeza do que via, quase ao mesmo tempo que ouviu o grito do piloto e sentiu que este com destreza inclinou o aparelho para norte. Agora sobrevoavam claramente a balsa. Dos três homens só um dava sinais de vida, mas incapaz de se mexer. Era necessário descer, pelo que em conjunto com o companheiro, aprestou-se rapidamente e como se a fadiga nunca tivesse existido preparou-se para pousar sobre o mar e prestar o socorro possível. O oceano estava frio, gelado mesmo, pelo que começou a duvidar da possibilidade do auxílio ser atempado. Aproximou-se do barco de borracha e acabou por descobrir que todos estavam vivos, mas debaixo de exaustão extrema, pelo que o trabalho de içá-los iria ser moroso e delicado e começava a colocar-se a questão da autonomia do heli. O pior que podia acontecer era terem de interromper a missão, pois iriam perder o contacto, dado que não havia possibilidade de chamar outro Puma e a fragata da marinha ainda demoraria vinte minutos a aproximar-se. Procurou agir célere e com eficácia, pondo em alerta todos as suas capacidades e concentração. A operação de erguer os náufragos durou vinte minutos e neste momento rumavam já para terra. Quando atravessaram a costa já tinha conseguido obter sinais de reanimação, mas começava de novo a sentir a fadiga a invadi-lo. O aparelho pousou finalmente no heliporto da base e iniciou-se a missão do 112. As pás começaram a abrandar o movimento giratório até que o som ficou quase imperceptível. Dirigiu-se para a caserna, despiu-se e deitou-se. Adormeceu quase de seguida e desta vez não iria ter pesadelos, pois a missão foi bem sucedida e três homens foram salvos. Só podia sentir prazer em adormecer e embalar o sentimento feliz de ter cumprido um dever humano e nobre.
Há alguns anos atrás, cheias imensas cobriram quase totalmente o território moçambicano. Impotentes as populações aguardavam em cima das árvores, das casas, sobre qualquer coisa que fosse mais elevada que a corrente de água. Quando os mortos se contavam por milhares chegaram os helis da Força Aérea Sul-Africana que salvaram outros milhares de pessoas. Durante dias e dias seguidos, do amanhecer ao anoitecer, aqueles aparelhos dirigidos por pilotos de raça branca, salvaram milhares de seres humanos de raça negra, quantas vezes arriscando a própria vida. Penso que o mundo nunca chegou a agradecer verdadeiramente a esses homens. Pela minha parte decidi hoje, recordar a sua nobre missão e agradecer-lhes aqui neste espaço que se deseja de poesia matinal, bem como aos pilotos portugueses dos Puma que tantas vezes também arriscam a vida para salvar homens no mar.

MISSÃO

«Deixem passar...»
Havia sentinelas a guardar
A fronteira do sonho proibido.
Mas ergui, atrevido,
A voz de sonhador,
E passei
Como um rei,
Sem dar mostras de um íntimo terror.

E cá vou, a passar,
Aterrado e sozinho,
A lembrar
O Santo e a Senha com que abri caminho...

MIGUEL TORGA

Há qualquer coisa de tranquilizador, quando se é infeliz e nos consideramos muito culpados, em ser-se tratado como uma criança sem importância.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Os animais vêm aí, dão-se a ver!” É este o significado da expressão, “Sogobó”. No Mali, todos os anos é apresentado um teatro de máscaras e de marionetas, cujas raízes se encontram na época pré-colonial. Muitas representam estes animais. Somos convocados a vê-las no Museu Nacional de Etnologia.

NAIR ALEXANDRA, “As Máscaras Falantes”, in “História”, Maio de 2005.

Porto, 09 de Junho de 2005

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