POESIA AO AMANHECER
Bom dia, Amigos
Ontem lá fui a Lisboa. Já há muito que não via nascer o dia. Viajei do lado leste pelo que vi o azul marinho da noite clarear e o sol aparecer no horizonte. Foi a primeira vez que fui à Assembleia da República. Naquela Sala do Senado sente-se o ambiente do poder na imponência da sala. Lá disse de minha justiça. Depois andei por Lisboa a aguardar pela hora do comboio. A luz tem mais brilho na capital. É o Sul mais aberto e mais amplo. Passei pelas ruínas do Convento do Carmo e visitei os espaços da revolução. Visitei ainda uma Feira dita do livro manuseado. Manuseado e caro, porque é tudo barato, mas quando chegamos à caixa para pagar, temos de deitar metade fora. Ao fim da tarde, o comboio lá me trouxe. Vim a olhar para o dealbar do dia pelos campos e aldeias que marginam a linha. É bonito e sedutor esses momentos de serenidade. Ali pelo Baixo Vouga, o sol furou a carruagem e invadiu-nos o olhar. Por fim, foi a ponte e o granito da cidade, esta cidade que nos chama. Aproveitei para acabar de ler o Alçada Baptista. O fim é ainda mais patético do que o princípio. O homem acaba a branquear o fascismo e a dar glórias à liberdade, naturalmente à dele. Cansa-me já os que falam muito de liberdade, mas têm a barriga cheia. Difícil é ser livre com ela vazia. Depois falam de liberdade, mas pensam exclusivamente em si próprios, essa liberdade colectiva, comunitária, solidária, só existe nos seus pensamentos ao nível dos princípios. Ser livre, verdadeiramente livre é saber dizer não, mais, é ter coragem de dizer não, por isso é que eu digo que fui sempre um homem livre. Agora ele defende a liberdade, mas aquela em que a gente diz sim. Diz que abomina as ditaduras ao mesmo tempo que mostra que conviveu bem com a que tivemos. Enfim, não vou deixar de gostar do que ele escreveu no passado, pelo facto de escrever assim no presente. Esqueci-me apenas desse pormenor que o acto de escrever é um estado de graça e nem sempre é conciliável com a personagem que escreve. O homem e o escritor não têm necessariamente de coincidir. Só espero é que se vier a alcançar a idade dele e começar a dizer palermices, me dê qualquer coisa que me leve depressa.
"Talvez tu não saibas, araucana,
que quando, antes de te amar, me esqueci dos teus beijos
o meu coração ficou recordando a tua boca
e fui como um ferido pelas ruas
até compreender que havia encontrado,
amor, o meu território de beijos e vulcões.
PABLO NERUDA, "Cem Sonetos de Amor", in "Presentes de um Poeta"
"Se vocês disserem às pessoas grandes: «Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...», as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: «Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos». Então, já são capazes de exclamar: «Mas que linda casa!».
ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"
"Consequências da guerra do Iraque e do afrontamento que opõe a rede Al-Qaeda aos Estados Unidos e respectivos aliados, os atentados de 11 de Março em Espanha vieram dolorosamente lembrar que um ano após a ofensiva contra Bagdade o mundo se apresenta mais instável, violento e prigoso.
Contrariamente à promessa do presidente George W. Bush, a guerra «preventiva» na Mesopotâmia não reduziu a intensidade do terrorismo islamita. Muito pelo contrário. As suas ondas expansivas, ainda por cima fomentadas pela maneira desastrosa como a ocupação do Iraque está a ser levada a cabo, continuam a atingir territórios até então preservados: Bali, Arábia Saudita, Marrocos, Turquia - e agora a União Europeia. De forma odiosa, este terrorismo matou desta vez estudantes e trabalhadores, entre os quais numerosos imigrantes, em comboios da periferia de Madrid."
IGNACIO RAMONET, in "Le Monde Diplomatique", Abril de 2004
Porto, 14 de Abril de 2004
Ontem lá fui a Lisboa. Já há muito que não via nascer o dia. Viajei do lado leste pelo que vi o azul marinho da noite clarear e o sol aparecer no horizonte. Foi a primeira vez que fui à Assembleia da República. Naquela Sala do Senado sente-se o ambiente do poder na imponência da sala. Lá disse de minha justiça. Depois andei por Lisboa a aguardar pela hora do comboio. A luz tem mais brilho na capital. É o Sul mais aberto e mais amplo. Passei pelas ruínas do Convento do Carmo e visitei os espaços da revolução. Visitei ainda uma Feira dita do livro manuseado. Manuseado e caro, porque é tudo barato, mas quando chegamos à caixa para pagar, temos de deitar metade fora. Ao fim da tarde, o comboio lá me trouxe. Vim a olhar para o dealbar do dia pelos campos e aldeias que marginam a linha. É bonito e sedutor esses momentos de serenidade. Ali pelo Baixo Vouga, o sol furou a carruagem e invadiu-nos o olhar. Por fim, foi a ponte e o granito da cidade, esta cidade que nos chama. Aproveitei para acabar de ler o Alçada Baptista. O fim é ainda mais patético do que o princípio. O homem acaba a branquear o fascismo e a dar glórias à liberdade, naturalmente à dele. Cansa-me já os que falam muito de liberdade, mas têm a barriga cheia. Difícil é ser livre com ela vazia. Depois falam de liberdade, mas pensam exclusivamente em si próprios, essa liberdade colectiva, comunitária, solidária, só existe nos seus pensamentos ao nível dos princípios. Ser livre, verdadeiramente livre é saber dizer não, mais, é ter coragem de dizer não, por isso é que eu digo que fui sempre um homem livre. Agora ele defende a liberdade, mas aquela em que a gente diz sim. Diz que abomina as ditaduras ao mesmo tempo que mostra que conviveu bem com a que tivemos. Enfim, não vou deixar de gostar do que ele escreveu no passado, pelo facto de escrever assim no presente. Esqueci-me apenas desse pormenor que o acto de escrever é um estado de graça e nem sempre é conciliável com a personagem que escreve. O homem e o escritor não têm necessariamente de coincidir. Só espero é que se vier a alcançar a idade dele e começar a dizer palermices, me dê qualquer coisa que me leve depressa.
"Talvez tu não saibas, araucana,
que quando, antes de te amar, me esqueci dos teus beijos
o meu coração ficou recordando a tua boca
e fui como um ferido pelas ruas
até compreender que havia encontrado,
amor, o meu território de beijos e vulcões.
PABLO NERUDA, "Cem Sonetos de Amor", in "Presentes de um Poeta"
"Se vocês disserem às pessoas grandes: «Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...», as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: «Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos». Então, já são capazes de exclamar: «Mas que linda casa!».
ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"
"Consequências da guerra do Iraque e do afrontamento que opõe a rede Al-Qaeda aos Estados Unidos e respectivos aliados, os atentados de 11 de Março em Espanha vieram dolorosamente lembrar que um ano após a ofensiva contra Bagdade o mundo se apresenta mais instável, violento e prigoso.
Contrariamente à promessa do presidente George W. Bush, a guerra «preventiva» na Mesopotâmia não reduziu a intensidade do terrorismo islamita. Muito pelo contrário. As suas ondas expansivas, ainda por cima fomentadas pela maneira desastrosa como a ocupação do Iraque está a ser levada a cabo, continuam a atingir territórios até então preservados: Bali, Arábia Saudita, Marrocos, Turquia - e agora a União Europeia. De forma odiosa, este terrorismo matou desta vez estudantes e trabalhadores, entre os quais numerosos imigrantes, em comboios da periferia de Madrid."
IGNACIO RAMONET, in "Le Monde Diplomatique", Abril de 2004
Porto, 14 de Abril de 2004
1 Comments:
Quem está em estado de graça sou eu ao vir aqui e ler tudo isto!
Como sempre escreves de uma forma muito elegante, directa e ao mesmo tempo transporta-nos para uma viagem imaginária!
Beijinhos
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