CONTOS
De quando em vez encontrava tempo para um momento como este, percorrer certas ruas da cidade quando a tarde desliza para a noite com suavidade, com a calma que a água dos regatos contorna as grandes pedras num percurso sem destino.
Era um fim de Verão que tardava em partir e nas ruas sentia-se ainda a falta de movimento. Teve assim tempo para olhar em redor, apreciar com ternura os objectos em granito que aprendera a amar em criança. Ia cedo para o encontro que marcara e, portanto, podia caminhar com o vagar dos momentos eternos, passear o olhar pelo título dos jornais em quiosque que sempre conhecera e ver as pessoas que consigo cruzavam. Vê-las com olhos de ver, reter-lhes os traços da fisionomia, pressentir a beleza dos gestos e perscrutar dramas escondidos.
Mas agora estava sentado na confeitaria onde há muito não entrava, eram poucas as pessoas e do lugar onde se encontrava conseguia alcançar o cruzamento, o jardim e as duas portas. Hélder aguardava. Hesitara na entrada e dirigira a palavra a uma jovem, mas não, não era a Cláudia. Sentou-se, não sentia pressa, era mais um acidente e um personagem, desta vez feminino e que se adivinhava jovem. Minutos volvidos, olhou de novo para a porta e não teve dúvidas, aquela era a Cláudia e a primeira impressão não lhe agradou.
Aproximou-se lenta e calma, um rosto moreno e sério, o cabelo puxado para trás e uns óculos escuros a esconder-lhe uns olhos castanhos. Sentou-se como se aquele fosse um de muitos encontros e começou por responder devagar às perguntas, mas pouco a pouco, as frases cresceram e então falava muito tempo e foi num desses espaços, enquanto ouvia, que Hélder se ausentou. Havia qualquer coisa na presença daquela jovem mulher que o levava para o passado. Continuava a escutá-la, mas viajava cada vez mais para outro tempo e outro espaço, na procura de uma outra mulher cuja presença continuava a manifestar-se de forma vincada. Tinha sido há cerca de um ano que Marian partira e como sempre soubera, não foi capaz de esquecê-la. Em cada canto de solidão recordava-lhe o rosto memorizado, o olhar irrequieto e uma presença que manifestava determinação. Alimentava o sonho com fantasias da sua presença como se vivesse, caminhasse ao seu lado, como uma companheira inseparável, em certa medida, era como viver noutra dimensão onde conseguia separar barreiras que tantas vezes impedem os seres humanos, de se aproximarem e de actos tão simples como conhecerem-se. No fundo era a fórmula que encontrara para penetrar no espaço sagrado onde viviam as mulheres que endeusava, aquelas que o atraíam pela beleza do corpo, da palavra e da alma e eram as suas manifestações exteriores que o prendiam, que o alteravam e, em certo sentido, o modificavam. Marian tinha sido assim. Como escrevera o poeta, amara-a ainda antes de a conhecer, mas quando a olhou de facto, não teve dúvidas que sempre a tinha amado. Desde então, limitara-se a encher de lenha essa fogueira que lhe aquecia a alma, mas não chegou o tempo em que fosse possível, ela ver as chamas crepitando no seu olhar. Foi como se o vulcão se extinguisse antes da lava ter tempo de correr pela encosta da montanha. Chegado Setembro, quando anunciou a partida, soube que desta vez a fantasia ficaria com o castelo do sonho inacabado. De então para cá, encontra-a a cada momento de paragem ou, como agora, no rosto da Cláudia que alheia aos seus pensamentos, continuava a descrever o acontecimento que vivera.
Porto, Praça da República, Agosto de mil e novecentos e noventa e oito
Era um fim de Verão que tardava em partir e nas ruas sentia-se ainda a falta de movimento. Teve assim tempo para olhar em redor, apreciar com ternura os objectos em granito que aprendera a amar em criança. Ia cedo para o encontro que marcara e, portanto, podia caminhar com o vagar dos momentos eternos, passear o olhar pelo título dos jornais em quiosque que sempre conhecera e ver as pessoas que consigo cruzavam. Vê-las com olhos de ver, reter-lhes os traços da fisionomia, pressentir a beleza dos gestos e perscrutar dramas escondidos.
Mas agora estava sentado na confeitaria onde há muito não entrava, eram poucas as pessoas e do lugar onde se encontrava conseguia alcançar o cruzamento, o jardim e as duas portas. Hélder aguardava. Hesitara na entrada e dirigira a palavra a uma jovem, mas não, não era a Cláudia. Sentou-se, não sentia pressa, era mais um acidente e um personagem, desta vez feminino e que se adivinhava jovem. Minutos volvidos, olhou de novo para a porta e não teve dúvidas, aquela era a Cláudia e a primeira impressão não lhe agradou.
Aproximou-se lenta e calma, um rosto moreno e sério, o cabelo puxado para trás e uns óculos escuros a esconder-lhe uns olhos castanhos. Sentou-se como se aquele fosse um de muitos encontros e começou por responder devagar às perguntas, mas pouco a pouco, as frases cresceram e então falava muito tempo e foi num desses espaços, enquanto ouvia, que Hélder se ausentou. Havia qualquer coisa na presença daquela jovem mulher que o levava para o passado. Continuava a escutá-la, mas viajava cada vez mais para outro tempo e outro espaço, na procura de uma outra mulher cuja presença continuava a manifestar-se de forma vincada. Tinha sido há cerca de um ano que Marian partira e como sempre soubera, não foi capaz de esquecê-la. Em cada canto de solidão recordava-lhe o rosto memorizado, o olhar irrequieto e uma presença que manifestava determinação. Alimentava o sonho com fantasias da sua presença como se vivesse, caminhasse ao seu lado, como uma companheira inseparável, em certa medida, era como viver noutra dimensão onde conseguia separar barreiras que tantas vezes impedem os seres humanos, de se aproximarem e de actos tão simples como conhecerem-se. No fundo era a fórmula que encontrara para penetrar no espaço sagrado onde viviam as mulheres que endeusava, aquelas que o atraíam pela beleza do corpo, da palavra e da alma e eram as suas manifestações exteriores que o prendiam, que o alteravam e, em certo sentido, o modificavam. Marian tinha sido assim. Como escrevera o poeta, amara-a ainda antes de a conhecer, mas quando a olhou de facto, não teve dúvidas que sempre a tinha amado. Desde então, limitara-se a encher de lenha essa fogueira que lhe aquecia a alma, mas não chegou o tempo em que fosse possível, ela ver as chamas crepitando no seu olhar. Foi como se o vulcão se extinguisse antes da lava ter tempo de correr pela encosta da montanha. Chegado Setembro, quando anunciou a partida, soube que desta vez a fantasia ficaria com o castelo do sonho inacabado. De então para cá, encontra-a a cada momento de paragem ou, como agora, no rosto da Cláudia que alheia aos seus pensamentos, continuava a descrever o acontecimento que vivera.
Porto, Praça da República, Agosto de mil e novecentos e noventa e oito
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