POESIA AO AMANHECER
Bom dia, meus Amigos
O momento não permitia grandes concentrações, vivia então uma revoada de sentimentos face ao que acabava de ver na televisão, pelo que demorei algum tempo a perceber o que me rodeava de facto. A avenida era como tantas outras e nem os edifícios nem as pessoas pareciam quebrar a normalidade. Algum tempo depois quando comecei a olhar com um pouco de atenção comecei a experimentar a grandeza das coisas e saindo de um pasmo principiei a mergulhar noutro. Por todo o lado sentia-se a presença de património que atravessava os séculos e possuía um valor inestimável. Não foi possível deixar de me sentir pequeno com a monumentalidade do Altar da Pátria, essa memória a Vítor Emanuelle II, o rei do Risorgimento. De seguida o Fórum, colocou-nos a viajar no tempo e não foi difícil colocar o pensamento nos degraus do Colisseo. Um império de 1000 anos ali estava em todo o seu esplendor. Mas a dimensão do que víamos, esmagava-nos por completo a cada esquina, em cada rua e em cada praça. Desde a Praça Nabona ao Pantheon, tudo era grande e magnífico. De Moscovo guardava um sabor de oriente, de limbo entre a Europa e a Ásia de planícies que sentem o amor pela pátria. Da cidade do Báltico foi a beleza do século XVIII que cativou. A capital da França impressiona pelo romantismo, por uma certa ideia de idade média escondida nos seus segredos, pela liberdade que não existe, mas que sabemos estar por todo o lado. Madrid guarda ainda memória de um tempo que se quis imperial, pela América e pela Europa, mas Roma, pelo contrário, é passado, pretérito longínquo, mas não só, atravessa o tempo até ao século XIX. Foi o império, a idade média, o rinascimento e o risorgimento. Qual destas épocas a mais esplendorosa é o que interrogamos a todo aquele cenário de pedras e de mármore que nos envolve e, por vezes, nos deixa quase sem fala. De facto, aquela cidade próxima ao Mediterrâneo que os povos germanos um dia levaram de vencida, pese embora o poder das legiões, das guardas pretorianas e das fortalezas, mas que face à podridão das estruturas e dos homens que as dominavam já não serviam de defesa, ainda nos fascina de forma particular com essa magia que o passado tem de nos prender o olhar e a memória.
RENÚNCIA
Agora, que não vens, é que sossego.
Lucidamente, nego
Tudo quanto sonhei.
Desaperto o nó cego
Que apertei
Na hora cega em que te conheci.
Sou eu de novo só, como nasci,
A subir o calvário
Sem ninguém que me valha.
Sem deixar o sudário
Em nenhuma toalha...
MIGUEL TORGA
Chegastes a Wand certo dia do fim de Agosto, ao sol-pôr. Não me recordo exactamente dos pormenores dessa aparição; eu não sabia que entráveis, não apenas naquela casa alemã, mas também na minha vida. Recordo-me tão-só que já estava escuro, e que os candeeiros, no vestíbulo, ainda não ardiam. Não era a vossa primeira visita a Wand, por isso as coisas tinham para vós um recorte familiar; também elas vos conheciam. Estava demasiado escuro para que vos distinguisse as feições, apercebi-me apenas que éreis muito calma. Minha amiga, as mulheres raramente são calmas: são plácidas, ou então febris. Estáveis serena à maneira de uma lâmpada. Conversáveis com os vossos anfitriões; dizíeis apenas as palavras que havia a dizer; fazíeis apenas os gestos que havia a fazer, e tudo era perfeito. Fui, nessa noite, de uma timidez maior que a habitual; teria desarmado a vossa própria bondade. No entanto, não vos queria mal. Tão-pouco vos admirava: estáveis demasiado longe. A vossa chegada pareceu-me simplesmente um pouco menos desagradável do que a princípio receara. Vedes, minha amiga, que vos digo a verdade.
MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”
“Em França há dois milhões de pessoas, designadamente mulheres, que trabalham e vivem abaixo do limiar da pobreza. Ainda assim, o governo quer obrigar os beneficiários do apoio social – um em cada três beneficiários do rendimento mínimo de inserção tem diploma equivalente ou superior ao ensino secundário – a aceitar o emprego que lhes é proposto para fazer baixar o desemprego. Esta política já foi aplicada nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Suécia. Sempre com a mesma consequência: o aumento da pobreza.”
ANNE DAGUERRE, “Empregos forçados para os beneficiários do apoio social”, in “Le Monde diplomatique”, Junho de 2005
Porto, 22 de Junho de 2005
O momento não permitia grandes concentrações, vivia então uma revoada de sentimentos face ao que acabava de ver na televisão, pelo que demorei algum tempo a perceber o que me rodeava de facto. A avenida era como tantas outras e nem os edifícios nem as pessoas pareciam quebrar a normalidade. Algum tempo depois quando comecei a olhar com um pouco de atenção comecei a experimentar a grandeza das coisas e saindo de um pasmo principiei a mergulhar noutro. Por todo o lado sentia-se a presença de património que atravessava os séculos e possuía um valor inestimável. Não foi possível deixar de me sentir pequeno com a monumentalidade do Altar da Pátria, essa memória a Vítor Emanuelle II, o rei do Risorgimento. De seguida o Fórum, colocou-nos a viajar no tempo e não foi difícil colocar o pensamento nos degraus do Colisseo. Um império de 1000 anos ali estava em todo o seu esplendor. Mas a dimensão do que víamos, esmagava-nos por completo a cada esquina, em cada rua e em cada praça. Desde a Praça Nabona ao Pantheon, tudo era grande e magnífico. De Moscovo guardava um sabor de oriente, de limbo entre a Europa e a Ásia de planícies que sentem o amor pela pátria. Da cidade do Báltico foi a beleza do século XVIII que cativou. A capital da França impressiona pelo romantismo, por uma certa ideia de idade média escondida nos seus segredos, pela liberdade que não existe, mas que sabemos estar por todo o lado. Madrid guarda ainda memória de um tempo que se quis imperial, pela América e pela Europa, mas Roma, pelo contrário, é passado, pretérito longínquo, mas não só, atravessa o tempo até ao século XIX. Foi o império, a idade média, o rinascimento e o risorgimento. Qual destas épocas a mais esplendorosa é o que interrogamos a todo aquele cenário de pedras e de mármore que nos envolve e, por vezes, nos deixa quase sem fala. De facto, aquela cidade próxima ao Mediterrâneo que os povos germanos um dia levaram de vencida, pese embora o poder das legiões, das guardas pretorianas e das fortalezas, mas que face à podridão das estruturas e dos homens que as dominavam já não serviam de defesa, ainda nos fascina de forma particular com essa magia que o passado tem de nos prender o olhar e a memória.
RENÚNCIA
Agora, que não vens, é que sossego.
Lucidamente, nego
Tudo quanto sonhei.
Desaperto o nó cego
Que apertei
Na hora cega em que te conheci.
Sou eu de novo só, como nasci,
A subir o calvário
Sem ninguém que me valha.
Sem deixar o sudário
Em nenhuma toalha...
MIGUEL TORGA
Chegastes a Wand certo dia do fim de Agosto, ao sol-pôr. Não me recordo exactamente dos pormenores dessa aparição; eu não sabia que entráveis, não apenas naquela casa alemã, mas também na minha vida. Recordo-me tão-só que já estava escuro, e que os candeeiros, no vestíbulo, ainda não ardiam. Não era a vossa primeira visita a Wand, por isso as coisas tinham para vós um recorte familiar; também elas vos conheciam. Estava demasiado escuro para que vos distinguisse as feições, apercebi-me apenas que éreis muito calma. Minha amiga, as mulheres raramente são calmas: são plácidas, ou então febris. Estáveis serena à maneira de uma lâmpada. Conversáveis com os vossos anfitriões; dizíeis apenas as palavras que havia a dizer; fazíeis apenas os gestos que havia a fazer, e tudo era perfeito. Fui, nessa noite, de uma timidez maior que a habitual; teria desarmado a vossa própria bondade. No entanto, não vos queria mal. Tão-pouco vos admirava: estáveis demasiado longe. A vossa chegada pareceu-me simplesmente um pouco menos desagradável do que a princípio receara. Vedes, minha amiga, que vos digo a verdade.
MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”
“Em França há dois milhões de pessoas, designadamente mulheres, que trabalham e vivem abaixo do limiar da pobreza. Ainda assim, o governo quer obrigar os beneficiários do apoio social – um em cada três beneficiários do rendimento mínimo de inserção tem diploma equivalente ou superior ao ensino secundário – a aceitar o emprego que lhes é proposto para fazer baixar o desemprego. Esta política já foi aplicada nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Suécia. Sempre com a mesma consequência: o aumento da pobreza.”
ANNE DAGUERRE, “Empregos forçados para os beneficiários do apoio social”, in “Le Monde diplomatique”, Junho de 2005
Porto, 22 de Junho de 2005
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