POESIA AO AMANHECER
Bom dia, meus Amigos
Bem sei que hoje só se fala do FCP, mas eu vou falar de livros. Acabei de ler o Ensaio sobre a Lucidez do Saramago. Ia a dizer que por vezes me cansa aquela escrita com personagens sem nomes, mas isso tem a ver com as leituras anteriores. Vinha de ler dois livros bem distintos e senti aquele impacto da diferença. Bem a história já vocês a ouviram. Numa eleição os votos brancos são 80% dos votos contados e o regime entra em crise. O que ele nos mostra é que o sistema está preparado para a alternância e não para a alternativa, ou seja, o que nós chamamos democracia é aquele, agora comes tu, agora como eu e às vezes, agora comes tu mais eu. O que acontece é que se por um virar da história ganha outro, o sistema entra em crise e em rotura. Normalmente vira golpe de estado. No livro como era apenas uma cidade, virou estado de sítio. Conhecem algum país onde tenha ganho um partido que não os dois de sempre - já repararam que existem sempre dois que representam essencialmente os mesmos interesses? - que de seguida não tenha entrado em crise até ao seu derrube? Não, não conhecem. A história é sempre essa. Lembram-se aqui em Portugal quando o Partido do Eanes chegou a aproximar-se dos 20%? Desapareceu de seguida. Por isso, dizia o Churchill que a democracia era o pior regime do mundo, mas não conhecia outro melhor. Pudera. É o único que mantém os senhores de sempre no poder. É uma espécie de monarquia em que muda o rei, mas mantêm-se o castelo. O que o livro vem mostrar é que se por uma razão desconhecida funciona a alternativa e não a alternância, o regime vai abaixo e acaba a matar quem defende a verdade como diferença da mentira que pretende esconder ou adulterar o que é a realidade. Claro que não dá solução, pois a verdadeira democracia, aquela que nos há-de representar, tem de ser uma procura de todos nós.
"Na minha pátria há um monte.
Corre na minha pátria um rio.
Vem comigo.
A noite sobe ao monte.
A fome desce o rio.
Vem comigo.
Quem são os que padecem?
Não sei, sei que são meus:
Vem comigo.
Não sei, porém me chamam
e me dizem: "Sofremos".
Vem comigo.
E me dizem: "Teu povo,
teu povo deserdado,
entre o mundo e o rio,
com fome e com dores,
não quer lutar sozinho
está-te esperando, amigo".
Oh tu, a que amo,
pequena, grão vermelho
de trigo,
a luta será dura,
a vida será dura,
mas tu virás comigo."
PABLO NERUDA, "Os Versos do Capitão", in "Presentes de um Poeta"
"É como com a flor. Quando se ama uma flor que está plantada numa estrela, é bom olhar para o céu, à noite. É que todas as estrelas ficam floridas..."
ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"
INTELIGÊNCIA, SENSO COMUM E AFECTO
"O facto de vivermos numa sociedade doente, não significa que tenhamos de estar necessariamente contagiados.
A revista "Nature Neuroscience", do mês de Agosto, publica um estudo onde se faz uma relação directa entre o carinho e a inteligência. Descobriu-se cientificamente que os afectos maternos estimulam as ligações neuronais, o que leva a uma melhor aprendizagem e a um aumento de inteligência e da memória.
Nos animais em estudo abrangidos pelo afecto, detectou-se um maior número de receptores e neurotransmissores, e naqueles que revelavam fracas aptidões por privação de carinhos, depois de sujeitos ao afecto, as ligações neuronais aumentaram.
Se compararmos este estudo com os dados agora publicados em Portugal de que a venda de anti-depressivos no nosso país aumentou 104% em quatro anos (passando de 1,5 milhões, em 1994, para três milhões em 1998), encontramos de imediato um dado comum: que a doença que nos afecta provém muito mais de nós, do que das relações psicosociais.
Se o carinho influencia as instruções genéticas, o curioso é que nós mesmos servimos de bloqueadores de indução do afecto, e isso é um total paradoxo, porque na prática significa que preferimos estar doentes do que sermos socialmente incorrectos.
Será inteligente uma pessoa que abafa ou aprisiona dentro de si aquilo que é ou gostaria de ser, para se tornar subserviente de um mero status? Rir é uma palhaçada? Usar um humor despretensioso e sadio, sem nos importarmos muito com as hipersensibilidades alheias, é uma ofensa? Revelarmos os nossos fracassos e dizermos os nossos feitos é fraqueza e vaidade? Darmos afecto e aceitar manifestações de carinho, é infantil? Reviver brincadeiras, só supostamente dedicadas a determinadas alturas da vida, é estarmos senis?
Confundimos tudo isto com patetice, mas patéticas são, afinal, as nossas atitudes. O senso comum é o inimigo mais mortífero que conheço, e se dúvidas tivesse, bastar-me-ia saber que há pessoas que gostam de pagar preços elevadíssimos para ter um personagem e não uma vida!
dos Jornais
Porto, 27 de Maio de 2004
Bem sei que hoje só se fala do FCP, mas eu vou falar de livros. Acabei de ler o Ensaio sobre a Lucidez do Saramago. Ia a dizer que por vezes me cansa aquela escrita com personagens sem nomes, mas isso tem a ver com as leituras anteriores. Vinha de ler dois livros bem distintos e senti aquele impacto da diferença. Bem a história já vocês a ouviram. Numa eleição os votos brancos são 80% dos votos contados e o regime entra em crise. O que ele nos mostra é que o sistema está preparado para a alternância e não para a alternativa, ou seja, o que nós chamamos democracia é aquele, agora comes tu, agora como eu e às vezes, agora comes tu mais eu. O que acontece é que se por um virar da história ganha outro, o sistema entra em crise e em rotura. Normalmente vira golpe de estado. No livro como era apenas uma cidade, virou estado de sítio. Conhecem algum país onde tenha ganho um partido que não os dois de sempre - já repararam que existem sempre dois que representam essencialmente os mesmos interesses? - que de seguida não tenha entrado em crise até ao seu derrube? Não, não conhecem. A história é sempre essa. Lembram-se aqui em Portugal quando o Partido do Eanes chegou a aproximar-se dos 20%? Desapareceu de seguida. Por isso, dizia o Churchill que a democracia era o pior regime do mundo, mas não conhecia outro melhor. Pudera. É o único que mantém os senhores de sempre no poder. É uma espécie de monarquia em que muda o rei, mas mantêm-se o castelo. O que o livro vem mostrar é que se por uma razão desconhecida funciona a alternativa e não a alternância, o regime vai abaixo e acaba a matar quem defende a verdade como diferença da mentira que pretende esconder ou adulterar o que é a realidade. Claro que não dá solução, pois a verdadeira democracia, aquela que nos há-de representar, tem de ser uma procura de todos nós.
"Na minha pátria há um monte.
Corre na minha pátria um rio.
Vem comigo.
A noite sobe ao monte.
A fome desce o rio.
Vem comigo.
Quem são os que padecem?
Não sei, sei que são meus:
Vem comigo.
Não sei, porém me chamam
e me dizem: "Sofremos".
Vem comigo.
E me dizem: "Teu povo,
teu povo deserdado,
entre o mundo e o rio,
com fome e com dores,
não quer lutar sozinho
está-te esperando, amigo".
Oh tu, a que amo,
pequena, grão vermelho
de trigo,
a luta será dura,
a vida será dura,
mas tu virás comigo."
PABLO NERUDA, "Os Versos do Capitão", in "Presentes de um Poeta"
"É como com a flor. Quando se ama uma flor que está plantada numa estrela, é bom olhar para o céu, à noite. É que todas as estrelas ficam floridas..."
ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"
INTELIGÊNCIA, SENSO COMUM E AFECTO
"O facto de vivermos numa sociedade doente, não significa que tenhamos de estar necessariamente contagiados.
A revista "Nature Neuroscience", do mês de Agosto, publica um estudo onde se faz uma relação directa entre o carinho e a inteligência. Descobriu-se cientificamente que os afectos maternos estimulam as ligações neuronais, o que leva a uma melhor aprendizagem e a um aumento de inteligência e da memória.
Nos animais em estudo abrangidos pelo afecto, detectou-se um maior número de receptores e neurotransmissores, e naqueles que revelavam fracas aptidões por privação de carinhos, depois de sujeitos ao afecto, as ligações neuronais aumentaram.
Se compararmos este estudo com os dados agora publicados em Portugal de que a venda de anti-depressivos no nosso país aumentou 104% em quatro anos (passando de 1,5 milhões, em 1994, para três milhões em 1998), encontramos de imediato um dado comum: que a doença que nos afecta provém muito mais de nós, do que das relações psicosociais.
Se o carinho influencia as instruções genéticas, o curioso é que nós mesmos servimos de bloqueadores de indução do afecto, e isso é um total paradoxo, porque na prática significa que preferimos estar doentes do que sermos socialmente incorrectos.
Será inteligente uma pessoa que abafa ou aprisiona dentro de si aquilo que é ou gostaria de ser, para se tornar subserviente de um mero status? Rir é uma palhaçada? Usar um humor despretensioso e sadio, sem nos importarmos muito com as hipersensibilidades alheias, é uma ofensa? Revelarmos os nossos fracassos e dizermos os nossos feitos é fraqueza e vaidade? Darmos afecto e aceitar manifestações de carinho, é infantil? Reviver brincadeiras, só supostamente dedicadas a determinadas alturas da vida, é estarmos senis?
Confundimos tudo isto com patetice, mas patéticas são, afinal, as nossas atitudes. O senso comum é o inimigo mais mortífero que conheço, e se dúvidas tivesse, bastar-me-ia saber que há pessoas que gostam de pagar preços elevadíssimos para ter um personagem e não uma vida!
dos Jornais
Porto, 27 de Maio de 2004
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