POESIA AO AMANHECER
Bom dia, Amigos de sempre
Não sei que hei-de dizer nesta manhã de chuva suave que parece ter tido o condão de amainar o frio. Estava a pensar em amores perdidos, os que foram, os que ficaram, os que acabaram e às vezes, os que nos cansaram. Sabem bem quando nos deixam uma pontinha de saudade, uma boa recordação, uma lembrança saudável, a lembrança de um tempo bonito e já largam um pouco de amargura os que nos fazem gritar de desespero na solidão nocturna. Um escritor cubano colocou numa das suas obras, o título, "A última mulher e o próximo combate". Antigo guerrilheiro na Bolívia, disse que era nisto que pensava entre duas batalhas. É verdade, é um pouco isso, mas prefiro pensar antes na próxima mulher, porque a próxima é sempre a mais bonita de todas.
A CANÇÃO DESESPERADA
Emerge a tua lembrança desta noite em que estou.
O rio junta ao mar o seu lamento obstinado.
Abandonado como os cais na madrugada.
É a hora de partir, ó abandonado!
Sobre o meu coração chovem frias corolas.
Ó porão de escombros, feroz caverna de náufragos!
Em ti se acumularam as guerras e os voos.
De ti bateram as asas os pássaros do canto.
Tudo devoraste, como faz a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!
Era a hora alegre do naufrágio e do beijo.
A hora do estupor que ardia como um farol.
Ansiedade de piloto, fúria de mergulhador cego,
turva embriaguez de amor, tudo em ti foi naufrágio!
Eu fiz retroceder a muralha de sombra,
caminhei para além do desejo e do acto.
Ó carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
a ti nesta hora húmida evoco e faço canto.
Como um copo albergaste a infinita ternura,
e o esquecimento infindo estilhaçou-se como um copo.
Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, teus braços me acolheram.
Era a sede e a fome, e tu foste uma fruta.
Era o luto e as ruínas, e tu foste o milagre.
Ah mulher, não sei como pudeste conter-me
na terra da tua alma e na cruz dos teus braços!
O desejo de ti foi o mais terrível e curto.
o mais revolto e ébrio, o mais tenso e ávido.
Cemitério de beijos, ainda tens fogo nas tumbas,
ainda as uvas ardem debicadas por pássaros.
Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos trançados.
Oh a cópula louca de esperança e de esforço
em que nós nos juntámos e nos desesperámos.
E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra que quase nem nascia nos lábios.
Foi esse o meu destino e nele viajou a vontade,
e nele caiu a vontade, tudo em ti foi naufrágio!
De tombo em tombo ainda tu ardeste e cantaste.
Marinheiro de pé na proa de um navio.
Ainda floresceste em cantos, ainda rompeste em correntes.
Ó porão de escombros, poço aberto e amargo.
Pálido mergulhador cego, desventurado fundeiro,
Descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!
É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite prende a todos os horários.
O cinturão ruidoso do mar abraça a costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.
Abandonado como cais na madrugada.
Apenas a sombra trémula se me torce nas mãos.
Ah para além de tudo. Ah para além de tudo.
É a hora de partir. Ó abandonado.
PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada"
"As estrelas são a fonte de energia pela qual todos os seres vivem. Quando a luz da última estrela se extinguir, a vida tem de acabar por todo o Universo.
Outra evidência sugere que o Universo se está a transformar de maneira irreversível. Todas as galáxias parecem estar a afastar-se umas das outras a grandes velocidades."
ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"
"O Império não abdica nem do protectorado nem do exclusivo sobre os contratos da reconstrução que, de um ou outro modo, serão suportados pelo petróleo. A dinâmica da escolha norte-americana não admite paragens, derrota ou compromissos. O Império foi apanhado pela sua própria vertigem."
JOSÉ MANUEL PUREZA e MIGUEL PORTAS, in "Manifesto", Abril de 2003
Porto, 24 de Março de 2004
Não sei que hei-de dizer nesta manhã de chuva suave que parece ter tido o condão de amainar o frio. Estava a pensar em amores perdidos, os que foram, os que ficaram, os que acabaram e às vezes, os que nos cansaram. Sabem bem quando nos deixam uma pontinha de saudade, uma boa recordação, uma lembrança saudável, a lembrança de um tempo bonito e já largam um pouco de amargura os que nos fazem gritar de desespero na solidão nocturna. Um escritor cubano colocou numa das suas obras, o título, "A última mulher e o próximo combate". Antigo guerrilheiro na Bolívia, disse que era nisto que pensava entre duas batalhas. É verdade, é um pouco isso, mas prefiro pensar antes na próxima mulher, porque a próxima é sempre a mais bonita de todas.
A CANÇÃO DESESPERADA
Emerge a tua lembrança desta noite em que estou.
O rio junta ao mar o seu lamento obstinado.
Abandonado como os cais na madrugada.
É a hora de partir, ó abandonado!
Sobre o meu coração chovem frias corolas.
Ó porão de escombros, feroz caverna de náufragos!
Em ti se acumularam as guerras e os voos.
De ti bateram as asas os pássaros do canto.
Tudo devoraste, como faz a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!
Era a hora alegre do naufrágio e do beijo.
A hora do estupor que ardia como um farol.
Ansiedade de piloto, fúria de mergulhador cego,
turva embriaguez de amor, tudo em ti foi naufrágio!
Eu fiz retroceder a muralha de sombra,
caminhei para além do desejo e do acto.
Ó carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
a ti nesta hora húmida evoco e faço canto.
Como um copo albergaste a infinita ternura,
e o esquecimento infindo estilhaçou-se como um copo.
Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, teus braços me acolheram.
Era a sede e a fome, e tu foste uma fruta.
Era o luto e as ruínas, e tu foste o milagre.
Ah mulher, não sei como pudeste conter-me
na terra da tua alma e na cruz dos teus braços!
O desejo de ti foi o mais terrível e curto.
o mais revolto e ébrio, o mais tenso e ávido.
Cemitério de beijos, ainda tens fogo nas tumbas,
ainda as uvas ardem debicadas por pássaros.
Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos trançados.
Oh a cópula louca de esperança e de esforço
em que nós nos juntámos e nos desesperámos.
E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra que quase nem nascia nos lábios.
Foi esse o meu destino e nele viajou a vontade,
e nele caiu a vontade, tudo em ti foi naufrágio!
De tombo em tombo ainda tu ardeste e cantaste.
Marinheiro de pé na proa de um navio.
Ainda floresceste em cantos, ainda rompeste em correntes.
Ó porão de escombros, poço aberto e amargo.
Pálido mergulhador cego, desventurado fundeiro,
Descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!
É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite prende a todos os horários.
O cinturão ruidoso do mar abraça a costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.
Abandonado como cais na madrugada.
Apenas a sombra trémula se me torce nas mãos.
Ah para além de tudo. Ah para além de tudo.
É a hora de partir. Ó abandonado.
PABLO NERUDA, in "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada"
"As estrelas são a fonte de energia pela qual todos os seres vivem. Quando a luz da última estrela se extinguir, a vida tem de acabar por todo o Universo.
Outra evidência sugere que o Universo se está a transformar de maneira irreversível. Todas as galáxias parecem estar a afastar-se umas das outras a grandes velocidades."
ROBERT JASTROW, in "A Arquitectura do Universo"
"O Império não abdica nem do protectorado nem do exclusivo sobre os contratos da reconstrução que, de um ou outro modo, serão suportados pelo petróleo. A dinâmica da escolha norte-americana não admite paragens, derrota ou compromissos. O Império foi apanhado pela sua própria vertigem."
JOSÉ MANUEL PUREZA e MIGUEL PORTAS, in "Manifesto", Abril de 2003
Porto, 24 de Março de 2004
1 Comments:
Ainda dizem que não há coincidências...
Ontem à noite falou-se nesse livro do Pablo Neruda.
Tal como em 24 de Março de 2004, também esta terça-feira teve direito a chuva.
E dizeres que a próxima mulher é sempre a mais bonita, fez-me sorrir!
Beijinhos
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