Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

24 agosto, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Como sabem a Isabel Allende é para mim um dos escritores de referência. Quando publica um livro, é dos raros momentos em que não penso no dinheiro que tenho, simplesmente compro. Assim foi há dias com o seu último livro, “Zorro”. Pois, desta vez resolveu contar a história daquele justiceiro californiano, uma espécie de Zé do Telhado da ocupação espanhola das Américas. E naturalmente lá estou a devorar aquela escrita entre o fantástico e a magia. Num determinado momento, distingue uma das personagens femininas como possuindo um olhar de açúcar queimado. Por momentos, parei a pensar que ao longo da vida retive alguns olhares, de mulheres para que nos entendamos. Olhares, retemos muitos, mas três ficaram a viver-me na memória. Aos 17 anos quando procurava desesperadamente uma namorada, cruzava-me todos os dias com uma jovem, morena e de olhos negros. Naquela época, vinha a pé desde o Prado do Repouso até Francos, que o dinheiro era caro e os transportes também. A única coisa barata era o trabalho, pelo que as duas questões eram inconciliáveis. A jovem saía do Bairro de Francos e não sei para onde ia. Por vezes, mudávamos de percurso, mas sempre nos encontrávamos. Durante muito tempo só os olhares se cruzaram, porque da boca, especialmente da minha, não saíam palavras. Tenho dito que ao longo da vida nunca me livrei de duas facetas, a timidez e o medo, mas que os controlo o suficiente para não me impedirem de fazer o que tenho de fazer. Contudo, naquele tempo, ainda não os dominava. Uma tarde, pela tardinha mesmo, quando se adivinha que o sol começa a escorregar pelas paredes do dia, após nos termos cruzado, volvidos 5 metros, ambos olhamos para trás e aquele olhar negro a sorrir ficou para sempre nas imagens mais lindas da memória. Estranhamente das mulheres de quem gostei muito, esta foi a única de quem não soube o nome. Chamei-lhe Natacha que é o diminutivo de Natália, lembrando-me da canção francesa, Natalie. Dois anos mais tarde, ao chegar a Moscovo e no primeiro dia de aulas, surge-me, algures pelos corredores, uma mulher jovem de cabelo aloirado e feições rígidas e uns olhos amendoados, entre a amêndoa e o mel. Nessa época, eu escondia os meus olhos atrás de uns óculos graduados que se esbatiam numa espécie de casca de cebola, pelo que o que tinha para oferecer e nada era quase a mesma coisa. Mas olhei, olhei sempre, durante 10 meses e no dia 24 de Abril de 1974 foi ela incumbida de me ir buscar a um hospital nos arredores da capital soviética. Foi assim que me apareceu uma manhã no meio de um nevão com as amêndoas, o mel e um olá transportado por um sorriso tão bonito como o olhar. Chamava-se Elena e acho que já vos falei dela. O tempo passou e um dia casei. Naquela ingenuidade que caracteriza os homens acreditei, tal como quando fiz a primeira comunhão, é verdade, fiz a primeira comunhão, pois aos 11 anos ainda não tinha questões filosóficas a colocar ao Deus dos Homens, mas como dizia, ao confessar-me pensava que não voltaria a pecar, até ao momento em que confessado e comungado, saí da igreja e o destino fez-me tropeçar com uma palavra menos ditosa. Percebi então que iria ter de me confessar muitas vezes e acabei por a partir daí, confessar-me só aos amigos. Pois, quando casei, pensava que também não teria olhares para outras mulheres bonitas. Aliás, deixei de acreditar que pudessem até existir outras, até àquela noite em que entrei na biblioteca da escola onde me esforçava por tentar chegar à faculdade e aquela menina estava ao fundo da mesa, parada e olhar fixo. Parecia que olhava o horizonte, mas não era verdade, caminhava comigo ao longo da sala e não consegui libertar-me daquela doçura nocturna. Ainda hoje gostava de voltar àquela biblioteca e tenho a certeza que aqueles olhos carregados de ternura ainda estariam lá a olhar para mim. Chamavam-lhe Mané que era o aglutinar do nome, Maria Manuel. Foi quase assim como acabo de vos contar e veio agora a Isabel Allende mexer-me na memória com aquela do olhar cor de açúcar queimado. Até queimei açúcar para descobrir que fascínio podia ter aquele olhar.

MENINA DOS OLHOS TRISTES

Menina dos olhos tristes,
O que tanto a faz chorar?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Senhora de olhos cansados,
Porque a fatiga o tear?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Vamos, senhor pensativo,
Olhe o cachimbo a apagar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Anda bem triste um amigo,
Uma carta o fez chorar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

A Lua, que é viajante,
É que nos pode informar.
- O soldadinho já volta
Do outro lado do mar.

O soldadinho já volta
Está quase mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho.
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se fez ao mar.

REINALDO FERREIRA, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Falamos sobretudo daqueles que amamos quando os não temos a nosso lado.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Em 1962, Portugal viu negado o seu primeiro pedido de adesão ao Mercado Comum Europeu. O “clube” inicial opunha-se porque o país não tinha um regime democrático e mantinha relações de preferência comercial com as suas colónias.”

LEONOR VAZ MONTEIRO “Salazar e o Mercado Comum Europeu”, in “História", Junho de 2005

Porto, 12 de Julho de 2005

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