PAISAGENS
Do barco à praia há uma estrada. Percorre-se uma língua de areia e pântano que separa o rio do mar e que nos há-de mostrar o Índico, orlado de areia fina e casuarinas.
A estrada é má, muito má!
A estrada tem buracos fundos, crateras, que em tempo seco se tornam ultrapassáveis, mas que ao primeiro sinal de chuva se tornam tão pantanosos como os campos que ladeiam a estrada.
Mais à frente a estrada é de areia. Areia fofa, onde se enterram os pneus e de onde só tractores e carros potentes, de tracção às quatro rodas, manejados por condutores experientes, conseguem sair.
A estrada má esconde pequenos caminhos que levam a aldeias de gente que não tem carro e que calcorreia a vida e a estrada a pé. Gente negra, de pele curtida pelo sol, de olhar empoeirado pela areia, pelo sal, pelo sol e pela pobreza, coisas próprias do sítio onde vive.
Na estrada má apenas se distingue uma construção que deixa ler, de forma baça, o nome de uma loja. Desfeita por muitos dias, indefinida entre a ruína e a ainda existência é coerente também na sua função. É uma loja, indefinida entre a ruína e a ainda existência, que serve a gente que mora nas aldeias escondidas.A estrada má não tem vergonha.
Tem muito trânsito ao fim de semana. Carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas, cheios de gente feliz que se arrisca na aventura da lama e da areia para expor o corpo ao sol e ao mar. Nos carros viajam pessoas claras, brancas de pele e de cuidado, com os olhos brilhantes de excitação, de desejo de mais paisagens e de fartura, coisas próprias do sítio onde vivem.
Os negros que moram nas aldeias escondidas da estrada má e as pessoas claras que viajam de carro, têm uma enorme cumplicidade e vivem o equilíbrio de um ecossistema. Os negros pedem boleia, e se lhes recusam eles equilibram-se, à revelia e de forma camuflada, na traseira dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas.As pessoas claras enchem-se do fascínio da existência dos negros e assim apanham boleia nas vidas deles para se sentirem a viver na rudeza e na agressividade do meio.
A estrada má não tem vergonha.
Exibe um espectáculo, de nome internacional, especialmente preparado, e que sustenta o equilibrado ecossistema das dunas e pântanos.
Dancing for sweeties começa logo depois dos primeiros metros de aventura, a seguir aos primeiros buracos profundos. Na beira da estrada espalham-se, ora à esquerda, ora à direita, grupos de ágeis bailarinos, mínimos de idade e de corpo, que fazem movimentos ondulantes, africanos, tribais. Não tem o espectáculo outra música que não seja a do motor dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas; o ritmo é secreto, só percebido pelos bailarinos, que com os pés vão levantando a poeira que lhes caracteriza o olhar, o corpo e as roupas encardidas e desfeitas. Mas tem letra! Simples e facilmente inteligível: “sweeties, sweeties…”
O espectáculo desenrola-se depois com uma corrida dos bailarinos ao lado dos carros, gritando a letra, e com a participação das pessoas claras, brancas de pele e de cuidado, com os olhos brilhantes de excitação, que vão atirando doces e bolachas pelas janelas dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas.Na estrada má, que não tem vergonha, de vez em quando surgem outros artistas que tentam a sua sorte, uma espécie de espécie menor que tenta sobreviver no ecossistema.
São artistas mais velhos, de carreira já terminada, cujo número é tapar as crateras da estrada com pedaços de lama, e por tal pedem sweeties, other sweeties . Ou outros ainda, que fazem lembrar atracções de circo decadente, que expõem mazelas na esperança de que os aplausos surjam em forma de quaisquer sweeties.
Quando a estrada má termina na praia, estacionam-se os carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas, e a gente feliz ocupa a praia. Os negros já não dançam, a reprise será mais tarde na hora de regresso a casa, pela estrada má.Eu, que viajo num carro bonito, potente, de marca conhecida, acompanhada por pessoas brancas e de pele clara, pressinto o sabor amargo que nos invade a boca e nos raspa a língua. Os olhos que seguem ao meu lado cravam-se nos meus e respondo-lhe:
“I hate dancing!
I hate sweeties!”
A estrada é má, muito má!
A estrada tem buracos fundos, crateras, que em tempo seco se tornam ultrapassáveis, mas que ao primeiro sinal de chuva se tornam tão pantanosos como os campos que ladeiam a estrada.
Mais à frente a estrada é de areia. Areia fofa, onde se enterram os pneus e de onde só tractores e carros potentes, de tracção às quatro rodas, manejados por condutores experientes, conseguem sair.
A estrada má esconde pequenos caminhos que levam a aldeias de gente que não tem carro e que calcorreia a vida e a estrada a pé. Gente negra, de pele curtida pelo sol, de olhar empoeirado pela areia, pelo sal, pelo sol e pela pobreza, coisas próprias do sítio onde vive.
Na estrada má apenas se distingue uma construção que deixa ler, de forma baça, o nome de uma loja. Desfeita por muitos dias, indefinida entre a ruína e a ainda existência é coerente também na sua função. É uma loja, indefinida entre a ruína e a ainda existência, que serve a gente que mora nas aldeias escondidas.A estrada má não tem vergonha.
Tem muito trânsito ao fim de semana. Carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas, cheios de gente feliz que se arrisca na aventura da lama e da areia para expor o corpo ao sol e ao mar. Nos carros viajam pessoas claras, brancas de pele e de cuidado, com os olhos brilhantes de excitação, de desejo de mais paisagens e de fartura, coisas próprias do sítio onde vivem.
Os negros que moram nas aldeias escondidas da estrada má e as pessoas claras que viajam de carro, têm uma enorme cumplicidade e vivem o equilíbrio de um ecossistema. Os negros pedem boleia, e se lhes recusam eles equilibram-se, à revelia e de forma camuflada, na traseira dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas.As pessoas claras enchem-se do fascínio da existência dos negros e assim apanham boleia nas vidas deles para se sentirem a viver na rudeza e na agressividade do meio.
A estrada má não tem vergonha.
Exibe um espectáculo, de nome internacional, especialmente preparado, e que sustenta o equilibrado ecossistema das dunas e pântanos.
Dancing for sweeties começa logo depois dos primeiros metros de aventura, a seguir aos primeiros buracos profundos. Na beira da estrada espalham-se, ora à esquerda, ora à direita, grupos de ágeis bailarinos, mínimos de idade e de corpo, que fazem movimentos ondulantes, africanos, tribais. Não tem o espectáculo outra música que não seja a do motor dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas; o ritmo é secreto, só percebido pelos bailarinos, que com os pés vão levantando a poeira que lhes caracteriza o olhar, o corpo e as roupas encardidas e desfeitas. Mas tem letra! Simples e facilmente inteligível: “sweeties, sweeties…”
O espectáculo desenrola-se depois com uma corrida dos bailarinos ao lado dos carros, gritando a letra, e com a participação das pessoas claras, brancas de pele e de cuidado, com os olhos brilhantes de excitação, que vão atirando doces e bolachas pelas janelas dos carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas.Na estrada má, que não tem vergonha, de vez em quando surgem outros artistas que tentam a sua sorte, uma espécie de espécie menor que tenta sobreviver no ecossistema.
São artistas mais velhos, de carreira já terminada, cujo número é tapar as crateras da estrada com pedaços de lama, e por tal pedem sweeties, other sweeties . Ou outros ainda, que fazem lembrar atracções de circo decadente, que expõem mazelas na esperança de que os aplausos surjam em forma de quaisquer sweeties.
Quando a estrada má termina na praia, estacionam-se os carros bonitos, potentes, de marcas conhecidas, e a gente feliz ocupa a praia. Os negros já não dançam, a reprise será mais tarde na hora de regresso a casa, pela estrada má.Eu, que viajo num carro bonito, potente, de marca conhecida, acompanhada por pessoas brancas e de pele clara, pressinto o sabor amargo que nos invade a boca e nos raspa a língua. Os olhos que seguem ao meu lado cravam-se nos meus e respondo-lhe:
“I hate dancing!
I hate sweeties!”
Elisa Santos
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