CONTOS
Estou aqui junto ao rio, neste recanto de terra fechado pelas árvores e pelos barcos, como se estivesse protegido. Tu conheces o rio, já o viste muitas vezes, sobretudo comigo. Quantas vezes já o olhamos juntos, mesmo à noite quando só as luzes da cidade perdida fazem adivinhar o escuro das águas que vagueiam à procura do mar. Dizes até que já amaste à sombra deste rio em madrugadas de estrelas. Que amaste e te amaram. Não sei, talvez seja verdade. Às vezes sinto dificuldade em adivinhar os teus sentimentos, ou a forma como os expressas. Dás tanta ênfase ao que gostarias que fosse, que acabo por não distinguir entre o teu desejo e a realidade que vives. Mas o rio, hoje, está belo, as águas estão límpidas e brilhantes e o sol reina por toda a parte. Há uma brisa, leve e doce que nos refresca. A corrente está baixa que o mar recuou e vêem-se as pedras e as rochas que atraiçoam os barcos enquanto as aves esvoaçam, abrindo as asas com preguiça, donas e senhoras do areal. Disseste que não podias vir como prometeras, tinhas um dia muito ocupado, muitos afazeres, muitos compromissos sociais. E para a semana está um pouco complicado, talvez só no Sábado. Queria falar contigo, mas com tempo, disseste tu. Se eu me importava, perguntaste ainda. Não, claro que não me importo. Também pouco adiantaria se me importasse. Afinal, foste sempre tu a marcar a agenda. Sabias que te esperava, como sempre te esperei, aliás. Mas hoje, esperava-te de uma forma diferente, com expectativa, pois temia que mesmo sem motivo te sentisses magoada, sei lá, apreensiva e, na vida, raramente adianta adiar os diálogos necessários. Tu também conheces estas verdades, mas geres estes momentos com um pensamento calculado. Sabes que com o tempo, provocas dependências, necessidades e, que com elas ao rubro, colherás algum benefício e assim pareces ficar alheia às angústias dos outros. Já tenho dificuldade de alimentar a ideia de um comportamento ingénuo. Não, não me parece que ainda vivas esse tempo de inocência. Conheces bem o efeito que provocas naqueles que se aproximam de ti. Um encontro, um café breve, nestas circunstâncias, permitiria acalmar os meus receios, mas preferiste adiar para um momento longínquo e indeterminado, sujeito ainda a um talvez dependente do humor de ocasião. É nestas pequenas coisas que as amizades se revelam na sua verdadeira plenitude, pois para além de tudo, serão sempre um acto de dar e receber, devem ser uma estrada com dois sentidos. Quando perguntavas se dois amigos não podem dar um abraço, quase não valia a pena dar resposta. Claro que podem e devem. Um abraço, um roçagar dos lábios, não tem de ser necessariamente, um gesto erótico, sensual, pode muito bem ser, apenas e só, um acto de ternura, a compensação de uma carência, um gesto de consolo. E foi apenas o que aconteceu naquela noite, de música, de palavras, de coincidências e de necessidades afectivas. Segundos de vida que guardamos para sempre. As amizades serão o que quisermos que sejam e alcançarão os patamares que para elas traçarmos. A amizade é um acto de companhia, de partilha, de compensação, de conforto, o de nos sentirmos bem com uma pessoa que sem nos perturbar, nos ajuda a caminhar na vida. Claro que a amizade também pode ser amor. Sempre disse que para existir amor tem de haver uma grande amizade. Não há assim razão para transformar um gesto num drama. Mas, de quando em vez, regressas, com essa carícia que transportas no olhar e de voz meiga semeias o desespero, rebentas com os diques da alma e, de seguida, afastas-te como se nada tivesses a ver com o assunto. Quanto a mim, por aqui fico, a curar as feridas da tua passagem, a acalmar uma memória em desassossego. Quando as águas do rio parecem domadas, retornas, leve e doce e despedaças tudo de novo. Já te disse com as palavras de Sofia,
“Eu não quero tocar teu corpo de água
nem quero possuir-te nem contar-te
pesa-me já demais a minha mágoa
sem que seja preciso procurar-te.”
No entanto regresso ao passado, ou o passado regressa a mim. Retrocedo ao silêncio das margens do rio e volto a engrossar esta torrente de água que desce da montanha com as lágrimas que sossegadamente baixam pelo interior do pensamento e escorrem em torno de ti. Não sei se te lembras ainda das angústias do passado, dos sentimentos que geravas com a alegria de que nada era contigo, como se não estivesses presente, como se não deixasses a paisagem destruída à tua passagem. Aqui e ali, em palavras soltas, revelas que sabes, que olhaste e viste, mas uma e outra vez, semeias as mesmas ondas de pânico. Pelo caminho negaste algumas verdades absolutas que tinhas escrito no universo do teu pensamento. Limitei-me à paciência de esperar e cheguei a partir enquanto desenhava poemas desesperados em quartos de hotéis espalhados pelo mundo. Um dia, recordando de novo Sofia, convenci-me da inutilidade de te procurar, já não te conhecia, já não me contavas os teus segredos, tinha morrido tudo em que acreditava e já não eras a amiga que amara. Em certa medida, vivia apenas com uma imagem que criara de ti para conforto da minha memória.
“Nunca te darei o tempo puro
que em dias demorados eu teci
pois o tempo já não regressa a ti
e assim eu não regresso e não procuro
o deus que sem esperança te pedi.”
E foi assim que me sobressaltaste de novo, quando frágil e de peito aberto planava pela vida, sem defesas, com os portões da alma escancarados e todos os mecanismos de protecção desarmados, surgiste com aquele sorriso nocturno, enchendo o rosto enquanto sussurravas ao ouvido melodias enfeitiçadas. E caí, derrubado por um tiro certeiro, sem uma palavra sem possibilidade de bater as asas e tentar voar. Agora por aqui estou, escrevendo cartas que não vais receber, só a ver passar as águas do rio em direcção ao oceano imenso, tentando através da palavra escrita, abafar a dor e esmagar esta vontade de te abraçar.
“Este é o traço que traço em redor do teu corpo amado e perdido”.
“Eu não quero tocar teu corpo de água
nem quero possuir-te nem contar-te
pesa-me já demais a minha mágoa
sem que seja preciso procurar-te.”
No entanto regresso ao passado, ou o passado regressa a mim. Retrocedo ao silêncio das margens do rio e volto a engrossar esta torrente de água que desce da montanha com as lágrimas que sossegadamente baixam pelo interior do pensamento e escorrem em torno de ti. Não sei se te lembras ainda das angústias do passado, dos sentimentos que geravas com a alegria de que nada era contigo, como se não estivesses presente, como se não deixasses a paisagem destruída à tua passagem. Aqui e ali, em palavras soltas, revelas que sabes, que olhaste e viste, mas uma e outra vez, semeias as mesmas ondas de pânico. Pelo caminho negaste algumas verdades absolutas que tinhas escrito no universo do teu pensamento. Limitei-me à paciência de esperar e cheguei a partir enquanto desenhava poemas desesperados em quartos de hotéis espalhados pelo mundo. Um dia, recordando de novo Sofia, convenci-me da inutilidade de te procurar, já não te conhecia, já não me contavas os teus segredos, tinha morrido tudo em que acreditava e já não eras a amiga que amara. Em certa medida, vivia apenas com uma imagem que criara de ti para conforto da minha memória.
“Nunca te darei o tempo puro
que em dias demorados eu teci
pois o tempo já não regressa a ti
e assim eu não regresso e não procuro
o deus que sem esperança te pedi.”
E foi assim que me sobressaltaste de novo, quando frágil e de peito aberto planava pela vida, sem defesas, com os portões da alma escancarados e todos os mecanismos de protecção desarmados, surgiste com aquele sorriso nocturno, enchendo o rosto enquanto sussurravas ao ouvido melodias enfeitiçadas. E caí, derrubado por um tiro certeiro, sem uma palavra sem possibilidade de bater as asas e tentar voar. Agora por aqui estou, escrevendo cartas que não vais receber, só a ver passar as águas do rio em direcção ao oceano imenso, tentando através da palavra escrita, abafar a dor e esmagar esta vontade de te abraçar.
“Este é o traço que traço em redor do teu corpo amado e perdido”.
1 Comments:
Bonito de ler, lindo de sentir!
Beijinhos
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