LEITURAS
Nestes primeiros anos do século XXI, o mundo apresenta numerosos sinais de desregramento. Desregramento intelectual, caracterizado por um ímpeto das afirmações identitárias que torna difícil qualquer coexistência harmoniosa e qualquer verdadeiro debate. Desregramento económico e financeiro, que arrasta todo o planeta para uma zona de turbulências com consequências imprevisíveis e que é o sintoma de uma perturbação do nosso sistema de valores. Desregramento climático, que resulta de uma longa prática da irresponsabilidade…
Terá a humanidade atingido o seu «limiar de incompetência moral»?
Neste oportuno retrato do início do milénio, o autor procura compreender como se chegou a esta situação e como se poderá sair dela. Para ele, o desregramento do mundo deve-se menos a uma «guerra das civilizações» do que ao esgotamento simultâneo de todas as nossas civilizações, nomeadamente dos dois conjuntos culturais de que ele próprio se reclama – o Ocidente e o mundo árabe. O primeiro, pouco fiel aos seus próprios valores; o segundo, fechado num impasse histórico.
Um diagnóstico inquietante mas que termina numa nota de esperança: o período tumultuoso em que entrámos poderá levar-nos a elaborar uma visão finalmente adulta das nossas prerrogativas, das nossas crenças, das nossas diferenças e do destino do planeta que nos é comum.
Nascido no Líbano em 1949, Amin Maalouf vive em paris desde 1976. Grande repórter durante 12 anos, realizou missões em mais de 60 países. Antigo chefe de redacção do Jeune Afrique, onde também foi editorialista, consagra hoje a maior parte do tempo à pesquisa para os seus livros.
É autor de várias obras, entre elas a premiada: As Cruzadas Vistas pelos Árabes (Prix des Maisons de la Presse). Na Difel, para além desta obra, estão também publicadas Samarcanda, Os Jardins de Luz, O Século Primeiro depois de Beatriz, Escalas do Levante, As Identidades Assassinas, O Périplo de Baldassare, O Amor de Longe, Origens, um fresco histórico sobre as suas próprias origens, e, mais recentemente, Adriana Mater, um libreto de ópera.
Um Mundo sem Regras inscreve-se na tradição do seu ensaio As Identidades Assassinas, e que está hoje no programa de numerosas universidades por todo o mundo.
O livro chegou às livrarias com muito alarido, muitos anúncios, muitas palavras elogiosas e, se hoje em dia tais atributos devem gerar em nós o activar das defesas do pensamento, não significa que a curiosidade e o desejo de conhecer não nos levem à procura do que parece ser diferente. Uma ou duas vezes olhei de soslaio para o “Um Mundo sem Regras” deste Amin Maalouf que nos havia mostrado “As Cruzadas vistas pelos Árabes” e fui deixando para ocasião próxima o conhecimento do que nos diz este intelectual francês de nascimento árabe. Até que mão amiga me trouxe à leitura o pensamento deste escritor que já foi ou ainda é jornalista. Tenho de confessar que a desilusão nasceu com as primeiras linhas. Percebi de imediato, não por inteligência minha, mas pela clareza do discurso que não nos vinha trazer esperança mas apenas o consolo da servidão, dessa que se aloja em nós e nos mostra um mundo de vencidos com a sorte já trazida nos genes da nascença. Acresce que nem sequer é novo o discurso. Já outros, noutro tempo e noutras crises do capitalismo nos trouxeram este discurso amaciador. Sim, capitalismo, a palavra que o poder descobriu no ano transacto. Guardada em gavetas sebentas, voltaram a reeditá-lo para explicar essa trombada que se abateu de novo sobre os pobres, sempre sobre os pobres e de alguma forma sobre todos aqueles que lhes estão próximos, mesmo que a vida lhes possa proporcionar algum conforto material e espiritual. Maalouf utiliza apenas cinco vezes a palavra capitalismo, a medo e quase escondido. O que gosta de falar mesmo este intelectual francês que se serve do nascimento e adolescência libanesas para melhor se colocar numa posição de crítica ao mundo árabe, o que gosta mesmo de falar é do Ocidente e da comunidade internacional. Ah, senhor Maalouf as coisas que poderíamos contar do nosso Ocidente e da comunidade internacional. Creio que sabe do que falo, mesmo não dizendo. Diz-nos a certo passo, que “Após a queda do Muro de Berlim, soprava um vento de esperança no mundo”. Para quem soprava esse vento? Não me diga que acredita no que escreve. Não consigo levar tão longe a sua ingenuidade. Ao longo das quase 200 páginas do livro coloca-se no pedestal de uma pretensa esquerda que por cima das calamidades, das desgraças, das violências, dos dramas, que esta casta que nos governa provoca no mundo, para perguntar o que pensam uns e o que pensam outros, ou dito talvez de outra forma, o que pensa a esquerda e o que pensa a direita. Sim, pois, que eu Amin Maalouf aqui estou para com o meu discurso de alta moral dizer o que está errado no mundo e o que está errado na acção de uns e de outros, enquanto no seu conforto e no seu comodismo, vai usufruindo das migalhas que essa casta vai deixando nas margens do caminho. Enquanto leio este “Um Mundo sem Regras” o canal Odisseia vai passando o documentário sobre os acontecimentos no Chile há 35 anos atrás. A vitória de Allende, a esperança, sim a esperança senhor Maalouf, mas dos pobres, não dos pobres de espírito como o são alguns intelectuais ou seus imitadores, mas daqueles que são capazes de sonhar com um mundo diferente, mais justo, mais equilibrado, mais equitativo, sem Ocidente e sem comunidade internacional, esses pobres a quem Allende passou a distribuir um litro de leite por dia. Sabe senhor Maalouf o que pode ainda hoje significar um litro de leite por dia? Não sabe e se já se apercebeu, certamente que disfarça como o faz no seu livro. E finalmente o golpe, os militares chilenos utilizando as armas para defender os interesses do Ocidente e da comunidade internacional, os mesmos interesses pretorianos que vão sustentar 25 anos no poder esse excremento que deu pelo nome de Augusto Pinochet. Diga-me senhor Maalouf que fala horrorizado dos mais de 3 000 cidadãos dos EUA que morreram nas Torres Gémeas, porque não diz uma única palavra sobre os mais de 30 000 chilenos que morreram nas prisões, desapareceram ou ficaram prisioneiros e exilados durante largos e largos anos, também no dia 11 de Setembro? Sim, é verdade o senhor diz que há certas coisas que não deviam ser feitas mas com que condescendência o diz, o menciona. O resto são críticas ao mundo árabe unindo na mesma expressão essa elite bastarda que está no poder e faz parte do seu Ocidente e da sua comunidade internacional e aqueles que mesmo seguindo caminhos errados, quem não erra quando se percorrem caminhos novos?, procuram uma estrada diferente para as populações árabes. Que cómodo que é o seu discurso. Pena é que o canal Odisseia nos traga novo documentário, desta vez sobre as crianças de Faluja que nascem deformadas, monstruosas nas suas formas e feições para desespero das mães que se recusam a gerar filhos para não viverem esse drama de amamentarem crianças disformes que foram deixadas pelas bombas do seu Ocidente e da sua comunidade internacional plena de liberdade e de liberdades.
Não, o meu mundo não é nem podia ser o seu. O senhor Maalouf é um escritor famoso, conceituado, ganha certamente muito dinheiro, tem mesa farta e permite-se dar recados ao mundo, sobretudo ao mundo que obedece. Sou tão só uma pessoa simples que do mundo apenas pode escutar e não deixarei de reflectir nas suas palavras, mas não se iluda, pois estou crente, sem fé, apenas acredito, que muitos outros como eu seguirão outro caminho, não o da obediência, não o da sujeição, não o do pensamento castrado ao conforto e ao comodismo de alguns valores materiais. Com muitos erros, muitos defeitos, imensas imperfeições, mas sobretudo, com muitos sonhos e muitas utopias a gerar certezas continuo a escutar vindo dos subterrâneos da Terra, da lonjura dos tempos, talvez até do infinito das estrelas, vou escutando todos os dias provindo do fundo da estrada da vida, a voz doce dessa Simone brasileira murmurando em poema cantado,
“caminhando e cantando e seguindo a canção (…) Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Terá a humanidade atingido o seu «limiar de incompetência moral»?
Neste oportuno retrato do início do milénio, o autor procura compreender como se chegou a esta situação e como se poderá sair dela. Para ele, o desregramento do mundo deve-se menos a uma «guerra das civilizações» do que ao esgotamento simultâneo de todas as nossas civilizações, nomeadamente dos dois conjuntos culturais de que ele próprio se reclama – o Ocidente e o mundo árabe. O primeiro, pouco fiel aos seus próprios valores; o segundo, fechado num impasse histórico.
Um diagnóstico inquietante mas que termina numa nota de esperança: o período tumultuoso em que entrámos poderá levar-nos a elaborar uma visão finalmente adulta das nossas prerrogativas, das nossas crenças, das nossas diferenças e do destino do planeta que nos é comum.
Nascido no Líbano em 1949, Amin Maalouf vive em paris desde 1976. Grande repórter durante 12 anos, realizou missões em mais de 60 países. Antigo chefe de redacção do Jeune Afrique, onde também foi editorialista, consagra hoje a maior parte do tempo à pesquisa para os seus livros.
É autor de várias obras, entre elas a premiada: As Cruzadas Vistas pelos Árabes (Prix des Maisons de la Presse). Na Difel, para além desta obra, estão também publicadas Samarcanda, Os Jardins de Luz, O Século Primeiro depois de Beatriz, Escalas do Levante, As Identidades Assassinas, O Périplo de Baldassare, O Amor de Longe, Origens, um fresco histórico sobre as suas próprias origens, e, mais recentemente, Adriana Mater, um libreto de ópera.
Um Mundo sem Regras inscreve-se na tradição do seu ensaio As Identidades Assassinas, e que está hoje no programa de numerosas universidades por todo o mundo.
O livro chegou às livrarias com muito alarido, muitos anúncios, muitas palavras elogiosas e, se hoje em dia tais atributos devem gerar em nós o activar das defesas do pensamento, não significa que a curiosidade e o desejo de conhecer não nos levem à procura do que parece ser diferente. Uma ou duas vezes olhei de soslaio para o “Um Mundo sem Regras” deste Amin Maalouf que nos havia mostrado “As Cruzadas vistas pelos Árabes” e fui deixando para ocasião próxima o conhecimento do que nos diz este intelectual francês de nascimento árabe. Até que mão amiga me trouxe à leitura o pensamento deste escritor que já foi ou ainda é jornalista. Tenho de confessar que a desilusão nasceu com as primeiras linhas. Percebi de imediato, não por inteligência minha, mas pela clareza do discurso que não nos vinha trazer esperança mas apenas o consolo da servidão, dessa que se aloja em nós e nos mostra um mundo de vencidos com a sorte já trazida nos genes da nascença. Acresce que nem sequer é novo o discurso. Já outros, noutro tempo e noutras crises do capitalismo nos trouxeram este discurso amaciador. Sim, capitalismo, a palavra que o poder descobriu no ano transacto. Guardada em gavetas sebentas, voltaram a reeditá-lo para explicar essa trombada que se abateu de novo sobre os pobres, sempre sobre os pobres e de alguma forma sobre todos aqueles que lhes estão próximos, mesmo que a vida lhes possa proporcionar algum conforto material e espiritual. Maalouf utiliza apenas cinco vezes a palavra capitalismo, a medo e quase escondido. O que gosta de falar mesmo este intelectual francês que se serve do nascimento e adolescência libanesas para melhor se colocar numa posição de crítica ao mundo árabe, o que gosta mesmo de falar é do Ocidente e da comunidade internacional. Ah, senhor Maalouf as coisas que poderíamos contar do nosso Ocidente e da comunidade internacional. Creio que sabe do que falo, mesmo não dizendo. Diz-nos a certo passo, que “Após a queda do Muro de Berlim, soprava um vento de esperança no mundo”. Para quem soprava esse vento? Não me diga que acredita no que escreve. Não consigo levar tão longe a sua ingenuidade. Ao longo das quase 200 páginas do livro coloca-se no pedestal de uma pretensa esquerda que por cima das calamidades, das desgraças, das violências, dos dramas, que esta casta que nos governa provoca no mundo, para perguntar o que pensam uns e o que pensam outros, ou dito talvez de outra forma, o que pensa a esquerda e o que pensa a direita. Sim, pois, que eu Amin Maalouf aqui estou para com o meu discurso de alta moral dizer o que está errado no mundo e o que está errado na acção de uns e de outros, enquanto no seu conforto e no seu comodismo, vai usufruindo das migalhas que essa casta vai deixando nas margens do caminho. Enquanto leio este “Um Mundo sem Regras” o canal Odisseia vai passando o documentário sobre os acontecimentos no Chile há 35 anos atrás. A vitória de Allende, a esperança, sim a esperança senhor Maalouf, mas dos pobres, não dos pobres de espírito como o são alguns intelectuais ou seus imitadores, mas daqueles que são capazes de sonhar com um mundo diferente, mais justo, mais equilibrado, mais equitativo, sem Ocidente e sem comunidade internacional, esses pobres a quem Allende passou a distribuir um litro de leite por dia. Sabe senhor Maalouf o que pode ainda hoje significar um litro de leite por dia? Não sabe e se já se apercebeu, certamente que disfarça como o faz no seu livro. E finalmente o golpe, os militares chilenos utilizando as armas para defender os interesses do Ocidente e da comunidade internacional, os mesmos interesses pretorianos que vão sustentar 25 anos no poder esse excremento que deu pelo nome de Augusto Pinochet. Diga-me senhor Maalouf que fala horrorizado dos mais de 3 000 cidadãos dos EUA que morreram nas Torres Gémeas, porque não diz uma única palavra sobre os mais de 30 000 chilenos que morreram nas prisões, desapareceram ou ficaram prisioneiros e exilados durante largos e largos anos, também no dia 11 de Setembro? Sim, é verdade o senhor diz que há certas coisas que não deviam ser feitas mas com que condescendência o diz, o menciona. O resto são críticas ao mundo árabe unindo na mesma expressão essa elite bastarda que está no poder e faz parte do seu Ocidente e da sua comunidade internacional e aqueles que mesmo seguindo caminhos errados, quem não erra quando se percorrem caminhos novos?, procuram uma estrada diferente para as populações árabes. Que cómodo que é o seu discurso. Pena é que o canal Odisseia nos traga novo documentário, desta vez sobre as crianças de Faluja que nascem deformadas, monstruosas nas suas formas e feições para desespero das mães que se recusam a gerar filhos para não viverem esse drama de amamentarem crianças disformes que foram deixadas pelas bombas do seu Ocidente e da sua comunidade internacional plena de liberdade e de liberdades.
Não, o meu mundo não é nem podia ser o seu. O senhor Maalouf é um escritor famoso, conceituado, ganha certamente muito dinheiro, tem mesa farta e permite-se dar recados ao mundo, sobretudo ao mundo que obedece. Sou tão só uma pessoa simples que do mundo apenas pode escutar e não deixarei de reflectir nas suas palavras, mas não se iluda, pois estou crente, sem fé, apenas acredito, que muitos outros como eu seguirão outro caminho, não o da obediência, não o da sujeição, não o do pensamento castrado ao conforto e ao comodismo de alguns valores materiais. Com muitos erros, muitos defeitos, imensas imperfeições, mas sobretudo, com muitos sonhos e muitas utopias a gerar certezas continuo a escutar vindo dos subterrâneos da Terra, da lonjura dos tempos, talvez até do infinito das estrelas, vou escutando todos os dias provindo do fundo da estrada da vida, a voz doce dessa Simone brasileira murmurando em poema cantado,
“caminhando e cantando e seguindo a canção (…) Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
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