Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

24 setembro, 2010

LEITURAS


Sentados a uma mesa da taberna A Catedral, o jornalista Santiago Zavala conversa com o seu amigo Ambrosio. Estamos em Lima, na época ditatorial do general Manuel A. Odría (1948-1956), e dessa conversa acompanhada de cerveja emerge um Peru cruel, corrupto, desesperançado, matéria-prima ideal, portanto, para um romance que só um grande jornalista e escritor como Vargas Llosa poderia ter produzido. Uma história esplêndida que reúne muitos dos ingredientes que fizeram a fama do autor peruano – as críticas ácidas, a irreverência, a rebeldia e o humor sarcástico.
Conversa n’A Catedral é a crónica de uma ditadura e da resistência possível graças à palavra. Uma aguda reflexão sobre a identidade latino-americana e sobre a perda da liberdade.
Um romance que, mais do que um marco na carreira literária do autor, é um ponto de referência inevitável na história da literatura universal.

Escrito em 1969, Conversa n’A Catedral é composto por quatro histórias estilisticamente independentes que têm como fio condutor a conversa mantida entre dois amigos. O jornalista Santiago Zavala, também chamado Zavalita, e o seu amigo Ambrosio conversam numa tabela frequentada por gente pobre chamada A Catedral. Estamos em Lima, no Peru da época ditatorial do general Manuel A. Odría, e umas quantas cervejas e um rio de palavras ditas livremente servem de resposta à mordaça da ditadura.
Santiago Zavala, filho de um empresário colaboracionista com a ditadura, empenha-se em estudar na Universidade de San Marcos, sentindo na própria pele a perseguição e as represálias que sofrem os opositores do regime. Por outro lado, Ambrosio, um negro vindo da tranquila cidade de Chincha, trata de ganhar a vida como pode e tenta a sua sorte com um velho conhecido dos tempos de infância, Cayo Bermúdez, braço direito do primeiro-ministro.
Histórias cruzadas, diálogos inteligentes e um olhar profundo sobre todo o «maquinismo da corrupção» que a ditadura cria, a indolência dos dirigentes e a impotência dos cidadãos quando carecem de cultura democrática, são neste romance magistralmente retratados com um estilo e uma técnica narrativa que serão, quem sabe, a máxima expressão do escritor peruano.


MARIO VARGAS LLOSA nasceu em 1936, em Arequipa, no Peru. Professor universitário, académico e político, é uma personalidade intelectual de grande vulto e um dos mais importantes escritores da América Latina e do mundo.
Da sua vasta obra destacamos A Cidade e os Cães (Prémio Biblioteca Breve, 1962; Prémio da Crítica Espanhola, 1963), A Casa Verde (1967 – Prémio Nacional do Romance do Peru, Prémio da Crítica Espanhola, Prémio Rómulo Gallegos), Conversa n’A Catedral (1969), A Tia Júlia e o Escrevedor (1977), A Guerra do Fim do Mundo (1981); Prémio Ritz-Hemingway – 1985), Lituma nos Andes (Prémio Planeta, 1993), Os Cadernos de Dom Rigoberto (1997), Cartas a Um Jovem Romancista (1997), A Festa do Chibo (2000) e Travessuras da Menina Má (2006).
Foi galardoado com muitos dos mais destacados prémios literários internacionais, entre eles o Prémio PEN/Nabokov, o Prémio Cervantes, o Prémio Príncipe das Astúrias e o Prémio Grinzane Cavour.


Há livros tão extraordinários cuja leitura nos arrebata para um êxtase difícil de descrever, superando as expectativas altas que possuíamos no início. É uma viagem a esse mundo tremendo das ditaduras, sobretudo dessas protagonizadas por militares, mas cujos sinais são idênticos em todo o lado. Sentimos essa vivência que nos é descrita, tão próxima que há momentos em que parecemos vivê-la, ou revivê-la, num recuo a esses tempos de silêncio e trevas, de torturas, de ignomínia e de crime, em que o vulto da liberdade é essa imagem que nos alimenta o imaginário do sonho. Quando sentimos a proximidade do fim, conhecemos esse desalento que se apossa de nós quando vamos partir e deixar para trás algo que faz parte de nós e se tornou imprescindível. É um livro cuja leitura é difícil de esquecer.

13 setembro, 2010

POEMAS


Cântico de Amor

Ama quem amas, como o vento
Ama as folhas do olmo
(Amor que lhes transmite movimento
e alegria)
Asa que possa andar no firmamento,
Só caminha no chão por cobardia.

Miguel Torga

10 setembro, 2010

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Não sei se já vos falei que um dia vi o maior camião do mundo. É verdade e lembrei-me disso no período de férias quando precisei de areia e de uns sacos de cimento e pedi à drogaria lá do bairro para me levar este material a casa. Às 8 horas da manhã lá apareceram e quando olhei a camioneta lembrei-me daquele camião enorme. Ontem quando acabei de vos contar a minha história com o Freitas estava a caminho do Porto. Passado uns dias, fui para a Figueira da Foz e três meses depois regressei a Viana para trabalhar na construção da Portucel, pois, entretanto tinha perdido o outro emprego. Nesse tempo havia em Viana muitos trabalhadores de fora, pelo que não faltava quem alugasse quartos. Vivia num com três camas e, normalmente, quando uns chegavam, outros saíam pois trabalhava-se por turnos. Ao fim de semana, era o único que ficava por lá e ao Domingo de manhã encontrava as três filhas da dona da casa, as quais eram todas tão bonitas que nunca cheguei a eleger nenhuma. Acho que ainda hoje estou a tentar escolher. A beleza tem destas coisas. As manhãs de trabalho eram muito longas. Principiavam às oito e terminavam à uma da tarde. Sabia quando estávamos a meio pelo facto de às dez horas e dez minutos passar a automotora de Vigo para o Porto. Não vos vou dizer que era duro. Era duro, mesmo. Da quantidade de jovens que ali trabalhavam, eu era o mais velho. Os restantes tinham entre 15 e 18 anos. Naquela 5ª Feira, contudo, tudo ia ser diferente. Lembro-me do dia da semana, pois era o dia em que comia arroz de lampreia no pequeno restaurante junto ao estaleiro. Custava naquela época uma refeição destas, 23$00. Então como estava a dizer, tudo foi diferente, dado que por volta das nove horas chegou o maior camião do mundo. Nós vimos que era grande, mas só depois, percebemos que era mesmo o maior. Era um veículo articulado carregado de sacos de cimento. Agora pesam 40 kg que a UE mandou, mas na época, tinham mesmo 50 kg de cimento e não vinham em paletes como hoje onde as pás das máquinas entram e transportam até os encastelar no chão. Não. O nosso trabalho era simples. Aproximávamo-nos da caixa de carga com as costas voltadas para esta, encostavam-nos um daqueles sacos e só tínhamos que inclinar as costas e levá-los assim cerca de 20 mts. Este gesto foi-se repetindo pelo resto da manhã, só que com as horas a passar os sacos foram aumentando de peso e o camião foi crescendo de comprimento de forma que nunca mais acabava a descarga. A certa altura, metade daqueles jovens já não voltava, sendo necessário procurá-los e pela minha parte lá ia e vinha conforme podia. Creio que o último já devia pesar 100 kg e a traseira do camião atravessava a linha do comboio. Acabou à hora do almoço e a seguir à lampreia, deitei-me num daqueles pequenos barcos que estavam na margem do rio. Deitei-me, quer dizer, adormeci de tal forma que só acordei com o trepidar do motor da máquina de arrasto. Agora ao chegar o pequeno camião da drogaria até me assustei, pois tive medo que fosse outro do tamanho do anterior, mas não, este era bem mais pequeno e tudo durou apenas 5 minutos. Que alivio!

MEMÓRIA

ao largo da verdade inteira que se sente
você não quer sentir
o espaço enorme e forte que a transcende
mas há um eco ausente no presente
e um eco presente nesse ausente
que ficam a gritar no desespero
e não alcançam o sonho
de quem tudo quer viver
mas nunca mente

Faça o que fizer a si mesma por enfado
ou por raiva
ou por sonho
ou fantasia
por recusa
por cansaço
ou por agrado
há na memória dessa pele
um gesto meu
e excessos que não sinto em nenhum lado
mais que o sonho de quem tanto prometeu

e passo a passo confirmo na distância
que a vida nos ensina Arte Maior
nem êxtase nem saber nem agonia
são maiores que a dor e o sabor
no gesto repetido e fermentado
que espero e escondo sublimado
e a espaços – consentido – me foi dado
e confirmado em noites de fulgor

será a memória um gesto de renúncia?
será o medo a fonte da loucura?
creia, apalpe, sinta, viva e pense
porque aquilo que um dia o corpo sente
quando foi vivido muito intensamente

não mais desaparece

e nele perdura

PEDRO BARROSO, in “Das mulheres e do mundo”

Aliás, um sonho, minha amiga, não é uma esperança; contentamo-nos com ele; achamo-lo mesmo mais doce quando o julgamos impossível, porque não se tem então a inquietação de vivê-lo um dia.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Até à II Guerra, Macau foi uma plataforma do comércio internacional de ópio, apesar de a sua participação na Conferência de Xangai (1909) o obrigar a restringir esse comércio a prazo. No entanto, como resistir ao apelo de tantos milhões de consumidores chineses?”

ALFREDO GOMES DIAS “Macau e a questão do ópio”, in “História, Junho de 2005

Porto, 14 de Julho de 2005

03 setembro, 2010

LEITURAS


Uma escrava muda conta um segredo guardado durante 200 anos; um escravo apaixona-se por quem não deve; uma carioca leva um português a descobrir as delícias do sexo; um cientista judeu a quem são confiados dois livros raros naufraga nas Ilhas Malvinas. Estas são algumas das personagens deste romance, que nos narra a vida de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, um bibliotecário hipocondríaco que, em 1811, atravessa o Atlântico rumo ao Brasil acompanhado por 76 caixotes cujo conteúdo era verdadeiramente precioso: no seu interior seguia a Real Biblioteca do Palácio de Ajuda, inicialmente esquecida no cais de Belém aquando da saída apressada da Corte portuguesa para o Brasil em 1808. A chegada ao Rio de Janeiro não foi fácil para Marrocos ao deparar-se com uma cidade onde nada o seduzia, - nem a comida, nem os cheiros, nem o calor – e com uma corte endividada, amante de cerimónias grandiosas e grosseira nos seus costumes diários. Mas tudo mudou quando conheceu Ana de Souza Murça.
A autora descreve-nos uma vida rica em acontecimentos inesperados, onde a ironia se mistura com momentos comoventes
Depois do sucesso de O Segredo da Bastarda Cristina Norton volta a deslumbrar-nos com o seu estilo expressivo e inovador assente numa pesquisa histórica séria. Este romance enfeitiçará e prenderá o leitor.

CRISTINA KACE NORTON nasceu a 28 de Fevereiro de 1948, em Buenos Aires, Argentina. Reside há mais de 30 anos em Portugal e optou pela nacionalidade portuguesa. Estudou História da Civilização Francesa na Sorbonne, Belas-Artes na ESBAL e História da Arte na ESARES, estudos que deixou incompletos. Fez vários cursos de línguas e literatura. Está publicada no Brasil e no Chile.
A sua obra engloba a poesia, o romance e o conto, da qual destacamos os livros O Afinador de Pianos, O Lázaro do Porto, Os Mecanismos da Escrita Criativa, O Segredo da Bastarda, O Barco de Chocolate – contos infantis, Prémio Adolfo Simões Müller, 2022; em 2.ª edição, com ilustrações de Danuta Wojciechowska – A Casa do Sal e agora O Guardião de Livros.
Tem colaborado com várias revistas e jornais literários. Trabalha, desde 1998, em oficinas de escrita criativa dando, com o seu método, cursos de formação a professores, organizados pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, pela Fundação Calouste Gulbenkian e por outras instituições.


Este é um livro que se lê com prazer e muito interesse e que nos conduz através do que creio ser ainda a pouco conhecida presença portuguesa no Brasil, nomeadamente no período da permanença da Corte no Rio de Janeiro. Leva-nos até essa diferença de hábitos, de costumes e de cultura e da diferença de interesses já notória entre brasileiros e portugueses, anos depois, vincados no Grito do Ipiranga. É uma viagem muito acolhedora através da história e do mundo dos livros que passa através desse corredor onde aparecem visíveis os pormenores do quotidiano. E estes dois lados do Atlântico que por vezes parecem tão longínquos e não se compreenderem, o que se percebe por todo o passado colonial, merecem as últimas palavras do livro da autoria de Tomás Eloy Martinez: «Nuestro oceano común ya no es más el infinito mar tenebroso que nos separaba. Ahora es el puente luminoso que nos une.»

01 setembro, 2010

POEMAS


Ar livre

Ar livre, que não respiro!
Ou são pela asfixia?
Miséria de cobardia
Que não arromba a janela
Da sala onde a fantasia
estiola e fica amarela!

Ar livre, digo-vos eu!
Ou estamos nalgum museu
De manequins de cartão?
Abaixo! E ninguém se importe!
Antes o caos que a morte...
De par em par, pois então?!

Ar livre! Correntes de ar
Por toda a casa empestada!
(Vendavais na terra inteira,
A própria dor arejada,
- E nós nesta borralheira
De estufa calafetada!)

Ar livre! Que ninguém canta
Com a corda na garganta,
Tolhido da inspiração!
Ar livre, como se tem
Fora do ventre da mãe,
Desligado do cordão!

Ar livre! Sem restrições!
Ou há pulmões,
Ou não há!
Fechem as outras riquezas,
Mas tenham fartas as mesas
Do ar que a vida nos dá!

Miguel Torga

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