Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

29 junho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Sabem que ao longo da vida tenho sido um homem apaixonado. Por tudo. Pelas coisas, pela vida, pelos seres humanos, pela natureza. Enfim! Por quase tudo que os olhos contemplam. Como sabem também, por vezes temos de fazer tarefas rotineiras que demoram horas e quanto mais pensamos no que fazemos, mais o tempo se alonga e não conseguimos vislumbrar o fim, como por exemplo, pintar, partir pedra, jardinar, caminhar ou viajar longas distâncias. Coisas que requerendo alguma atenção não nos impedem de pensar e, normalmente é o que faço para ocupar esse vazio de tempo. Então construo vivências com personagens que não existem, ou se existem, reinvento-as, dou-lhes outra forma, engrandeço-as, talho-as à medida da minha vontade ou dos meus sonhos e, quantas vezes, preciso de acordar para perceber que aqueles momentos não são reais. Assim, venço muitas vezes a solidão das horas. O mesmo se passa à noite quando necessito dormir e o sono não chega, mas no sossego e na escuridão nocturnos, embelezo ainda mais as imagens e os sonhos. Procuro na memória rostos de mulheres. Bonitas naturalmente, mas claro, todas as que gostamos são bonitas. Assim, aguardo, entre a lembrança de um olhar e o encontro de um sorriso, construindo aventuras das quais sou, como podem imaginar, o herói principal, que o sono me vença. Contudo, ultimamente tenho mais dificuldade em encontrar na memória essas lembranças de paixões platónicas. Os olhares já não são tão nítidos e os rostos afastam-se num movimento que não consigo inverter. É mais difícil adormecer e não se desenham amores ao dobrar da esquina. Não, não é idade. Isso é o que dizem pessoas maldosas! É só o cansaço, a fadiga que nos vence e nos faz diluir as imagens. Amanhã, certamente ao fim de uma longa recta, vai aparecer alguém com outras formas, outra beleza, no rosto ou na alma que me chamará a atenção. Eu acredito, porque acreditar também ajuda a vencer o tempo.

AMOR TRANQUILO

estava bem ali ao fim da tarde
estava bem ali ao fim do dia
a ler um livro a ler o tempo a ler a vida
enquanto dois troncos
se puxavam na lareira
crepitando
estava bem ali comigo
aquele momento
estava bem ali contigo
adormecida
não havia conflito nem memória
era só um momento
assim sem história
na pátria do sonho convivido

senti que essa mão
na minha mão caída
e essa boca sorrindo no teu sono
me bebia mesmo assim
beijando a vida
e os olhos pousados navegavam
por mundos e fragrâncias proibidas

e nem silêncios nem palavras nem razões
o que quer que fosse ali acrescentavam
estando ali
como se um fosse
éramos dois
que se queriam
e tranquilos
se bastavam

PEDRO BARROSO, in
“das Mulheres e do Mundo”

Tornei-me duro. Abstivera-me, até então, de julgar os outros; acabaria por tornar-me, se tivesse poder para tanto, tão impiedoso para com eles como era para comigo. Não perdoava ao próximo as mais pequenas transgressões; receava que a minha indulgência para com os outros me conduzisse, frente à minha consciência, a desculpar as minhas próprias faltas. Receava o amolecimento proporcionado pelas sensações suaves; acabei por detestar a natureza, devido às carícias da Primavera.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“A 8 de Maio de 1945, enquanto em França se festejava a vitória, o exército deste país massacrava milhares de argelinos em Setif e Guelma. O trauma veio radicalizar irreversivelmente o movimento nacional.”

MOHAMMED HARBI, “A guerra da Argélia começou em Setif”, in “Le Monde diplomatique”, Maio de 2005

Porto, 20 de Maio de 2005

28 junho, 2009

LEITURAS


TODOS NÓS. HOMENS E MULHERES, AMAMOS OS nossos sonhos – sejam eles absurdos (como quase sempre acontece), fantásticos, meramente plausíveis ou eróticos. Amamo-los porque nos dão a possibilidade de nos evadirmos da realidade quotidiana, porque nos livram da lucidez com que olhamos o mundo, porque suavizam a tensão que desperta e cansa os nossos sentidos.
Por vezes, fazem até com que nos sintamos magnificamente culpados de os viver, de os sonhar. Mas eu, que nunca me senti nem culpado nem liberto, e muito menos evadido dos meus queridos sonhos, amo-os ainda por outros motivos: pela escrita onírica que me proporcionam – essa noite branca que em nós acende a estrela do dia -, pelo humor que me sugerem, mesmo sendo pesadelos e calafrios, e pela luz imaginária que alarga o espaço em volta do meu mundo.
De onde nos vêm os sonhos que pensamos destinados à literatura?
Há quem fale da relação aparente que parece existir entre o onírico e o literário como desejo, movimento de fuga, acto de deserção e inconformismo contra a passagem tão breve da vida. Claro que sim. Mas creio mais na literatura como energia contrária aos excessos do mundo, susceptível de se opor ao peso que a sua massa vital impõe à consciência e ao espírito dos homens. Se me pedissem uma definição de literatura, diria que era um jogo, um brinquedo da infância que se encontrou por acaso num sótão ou num canto obscuro da casa e que, tal como outrora, não serve senão para imitar o sério, o sagrado, o proibido, os costumes humanos, o absoluto sagrado dos deuses. Ou seja, não serve para nada. Do ponto de vista dessa sua não finalidade, a literatura será portanto uma falta de respeito e uma desobediência civil a toda e qualquer utopia. A linguagem e a criação tornam tão dispensável a ideologia literária, como aqueles que sonham devem dispensar os sentimentos de culpa, o remorso e a necessidade de perdão dos sonhos que tiveram e que não têm de ser levados na conta dos pecados de ninguém.
Não me lembro de ter sonhado este conto. Na verdade, livro-me da memória do vivido depois de o passar a escrito, e pior ainda ao publicá-lo porque sai de dentro da minha sombra e deixa de andar comigo. Talvez que a literatura seja também algo como um sonho de outros sonhos, espelho de espelhos, fusão ou mistura de planos, passagem do sólido ao líquido, e deste ao volátil, que é o estado por excelência da imaginação. Mas não juro acreditar todos os dias nisto que acabo de escrever!
Os chamados contos eróticos (de que este será um exemplo modesto e pouco engenhoso) trazem já atrás de si suficiente maldição para que seja eu a tentar redimi-la com conceitos literários. Pelo contrário, pecador me confesso desta escrita deliciosamente leve, despretensiosa, apenas bem-humorada; mas capaz de pisar todos os riscos da própria existência, da qual fogem os santos como o diabo da cruz. Ela vem merecendo, e bem, a atitude atribulada dos puros, a adesão clandestina dos que a lêem às escondidas como se nela vissem mera pornografia, acabando a beijar a mão perversa, o despudor de quem a escreve.
O escritor não é nem tem de ser um homem de vícios privados e de públicas virtudes. Escreve na medida certa dos riscos que julga dever assumir. Criador de linguagem que é, não distingue entre temas e tabus que não lhe pertencem, não prega a sua moral a ninguém, não tem outro poder que não o da palavra na cabeça, no coração, nos cinco dedos ou na palma da mão.
Sirvo-me da prosa para suscitar, não digo imagens, mas alguns modos de ver o que adiante se conta, pautado apenas pela minha gramática pessoal. Não estou só neste livro. Abrigo-me sob o grande chapéu de chuva do artista Francisco Simões, que desenha para além das palavras e da singeleza do texto e que nos surpreende com a força, a beleza e o movimento das suas imagens igualmente inventadas. Juntos fizemos isto: um mapa de mistérios e miragens ardentes, uma visão elástica e esférica do corpo e da alma – e este objecto disfarçado de livro que ambos ficamos a dever ao humor e à sensibilidade de quem o edita.

João de Melo
(Madrid, 01.02.2009)

JOÃO DE MELO nasceu na ilha de São Miguel (Açores) em 1949, onde completou a instrução primária, prosseguindo os seus estudos no continente. Em 1967 passou a residir e a trabalhar em Lisboa. Depois da guerra colonial em Angola entre 1971 e 1974 (tema de duas das suas obras mais significativas, a antologia Os Anos da Guerra e o romance Autópsia de Um Mar de Ruínas), trabalhou na vida sindical, foi editor de autores portugueses, crítico literário e frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela qual veio a licenciar-se, em 1981, com o curso de Filologia Românica. Professor dos ensinos secundário e superior durante vários anos, foi convidado em 2001 pelo governo português para o cargo de conselheiro cultural em Espanha, vivendo e trabalhando desde então em Madrid.
Autor de mais de vinte obras, entre as quais ficção, ensaios, antologias, poesia, livros de crónica e de viagem, alguns dos seus livros estão traduzidos em vários países: Espanha, Itália, França, Holanda, Roménia, Bulgária, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Sérvia e México.
Foram-lhe atribuídos os seguintes prémios literários: Grande Prémio de Novela da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Eça de Queirós/Cidade de Lisboa, Prémio Cristóvão Colombo (Cidades Capitais Ibero-Americanas), Prémio Fernando Namora/Casino do Estoril, Prémio Antena 1, Prémio Associação Cultural «A Balada» e Prémio Diniz da Luz.
Gente Feliz com Lágrimas, o seu romance mais conhecido e reeditado, foi adaptado ao teatro pelo grupo O Bando, e a telefilme e a televisão pelo realizador José Medeiros.


Que dizer desta delícia de ler este conto, esta história de um homem que vai amando duas mulheres, cada uma de forma diferente, mas com a mesma intensidade, com o mesmo carinho e com a mesma beleza e que um dia, surpreendido, é intensamente amado por uma delas, mas não pela outra que julga feliz, até ao dia que descobre que atrás do silêncio dos seus gestos, se esconde um grande amor mas, pela outra mulher que ele também ama? Resta ler, saborear as palavras doces que nos vão mostrando uma vivência breve destes três personagens e carregada dessa beleza que envolve os amores bonitos. Não gostei das gravuras de Francisco Simões, pelo facto de desvirtuarem a excelência do texto, pois indiciam um erotismo extremo que não ressalta do conto. Podemos supô-lo, pela força das relações dos personagens, mas não nos aparece visível como os desenhos querem dar a entender.

23 junho, 2009

POEMAS


O êxtase do ar e a palavra do vento

povoaram de ti meu pensamento


Sophia de Mello Breyner Andresen


22 junho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Já vos contei por mais de uma vez que olho para trás com um misto de saudosismo e de análise histórica. Certos senhores ao usurparem o poder procuram meios e formas de não o perderem. Uma delas, é o de tentar atrasar o mais possível o desenvolvimento. É verdade, disse desenvolvimento e não crescimento. Sei que agora se diz muito, desenvolvimento sustentado, como se todo o desenvolvimento não seja um avançar harmonioso das várias componentes sociais e, portanto, sustentado. Por isso, quando vos falarem de desenvolvimento sustentado, desconfiem e à cautela, peçam mentiras novas. Pois uma forma de perpetuar o poder, era o de evitar o desenvolvimento e, mantendo a sociedade estagnada, gerava-se uma certa quietude. Assim se passou connosco até há 35 anos atrás. Por outro lado, tal situação, como requeria imensa mão-de-obra, gerava emprego. Barato, claro. A seguir, com a liberdade e uma democracia que cada vez mais se parece com um baile de máscaras, desenvolvemo-nos, melhor, crescemos, rápida e desordenadamente. Aprendemos as melhores técnicas do marketing e da demagogia e precarizamos o emprego até quase ao absoluto e se há coisas que me magoam a alma é ver jovens em idade que deveriam estar a construir o futuro, passarem de emprego para emprego sem conseguirem um mínimo de estabilidade psicológica para alimentarem algum sonho em companhia de alguém. E os mesmos que geram toda esta situação que reputo de desgraça social, são os mesmos que tangem os sinos pela família, contra a desagregação social e outras arengas do género. Quando chegam às empresas, começam a falar em diminuição de custos, racionalização de recursos, aumento de produtividade e usam, como um dos meios de alcançar todas essas palermices, o contratar a prazo por, um ano, dois, três, quatro e depois da passagem dessa figura sinistra que dá pelo nome de Bagão, cinco e seis anos. Resta ainda acrescentar que terminada esta série tudo pode recomeçar na empresa seguinte. De há uns anos a esta parte periodicamente vivo este drama. De tempos a tempos participo numa saga de, com palavras e sentimentos, tentar fazer prevalecer razões humanas e sociais sobre outras de índole meramente económica e financeira. Por vezes, conseguimos alcançar o objectivo e é reconfortante ficar no silêncio da vida com a sensação de dever cumprido. Outras, não nos deixam vencer e a mágoa e a impotência amortalham-nos a vontade. De momento, preparamo-nos para nova saga e a angústia de não sabermos até onde nos vão deixar chegar, quase nos paralisa o pensamento. Saber que nos próximos meses oito jovens podem ter de recomeçar a vida toda desde o princípio, deixa-nos um sabor amargo nas ideias. Mas acreditamos sempre, acreditamos até ao último momento. A experiência já nos ensinou a usar a artilharia com cuidado, dosear as salvas, até que, em desespero de causa, recorrer às baterias de grande calibre. Vamos ver como vai ser desta vez, mas gostava que chegássemos ao fim com um sorriso. É um sorriso que só nós vemos, mas um sorriso é sempre um sorriso.


DESACERTO

Ternura em movimento,
Vamos os dois – o sol e a sombra juntos,
O futuro e o passado no presente.
O que te digo é urgente;
O que tu me respondes não tem pressa.
A minha voz acaba na vertente
Onde a tua começa.

Aperto as mãos enamoradas.
Uma quente, outra fria...
E sorrimos às flores que no caminho
Nos olham com seus olhos perfumados.
Tu, de pura alegria;
Eu, de melancolia...
Um a cuidar, e o outro sem cuidados.

Canta um ribeiro ao lado.
Ambos o ouvimos, mas diversamente.
O que em ti é promessa de frescura
À tara de semente semeada,
Em mim é já certeza de secura
De raiz arrancada.

Almas amantes e desencontradas
Na breve conjunção
Que tiveram na vida,
Levo de ti um halo de pureza,
Deixo-te a inquietação de uma lembrança...
E é inútil pedir mais à natureza,
Surda ao meu desespero e à tua confiança.
Com a verdade fui solidário:
De instaurar a luz na terra.

MIGUEL TORGA


Ser-me-ia fácil fazer um relato dramático, mas nem vós nem eu nos interessamos por dramas – e há muitas coisas que se exprimem melhor não as dizendo. Assim, eu amara a vida. Era em nome da vida, quero dizer, do meu futuro, que me esforçara por me reconquistar a mim próprio. Mas detesta-se a vida, quando se sofre.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”


O homicídio de um terço dos doentes mentais alemães, entre Janeiro de 1940 e Agosto de 1941, representou para os nazis o ensaio – técnico e político – do genocídio dos judeus.”

SUSANNE HEIM, “Da «eutanásia» à «solução final» ”, in “Le Monde diplomatique, Maio de 2005.

Porto, 19 de Maio de 2005

19 junho, 2009

LEITURAS


GONÇALO M. TAVARES nasceu em 1970. Em Dezembro de 2001 publicou a sua primeira obra. Recebeu o Prémio José Saramago, o Prémio LER/Millennium-BCP e o Prémio Portugal Telecom de Literatura 2007 (Brasil), com o romance Jerusalém (Círculo de Leitores, 2004; Caminho, 2005); o Prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do jornal Expresso, com o livro O Senhor Valéry (Caminho); o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Investigações. Novalis (Difel); e o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco (Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão/APE) com Água, Cão, Cavalo, Cabeça (Caminho).
Vários dos seus livros deram origens a obras de artistas plásticos, peças de teatro, etc.
Estão em curso edições e traduções de vinte dos seus livros em dezasseis países.


Confesso que o elogio de Saramago ao escritor e à obra me assustou, pois assaltou-me aquela ideia que poderia não encontrar motivos de regozijo na leitura o que me deixaria um pouco vazio, pois Saramago não faz afirmações como a que fez em vão. Contudo, gostei de ler. Lê-se de um fôlego, o que significa que nos prende, nos envolve, desejamos acompanhar a vivência dos personagens, perceber como vão ultrapassar as situações que desejamos perceber. Escrito sem grande rebuscamento mas de conteúdo com muita substância e de bastante reflexão quer na abordagem à loucura, à vivência dos que são tratados e à forma como se “disfarçam” na normalidade do mundo, diria como se camuflam entre essa normalidade com as consequências que advêm das atitudes instintivas, intempestivas e descontroladas, mas suportadas por uma construção consciente e planeada dos actos. Quase nos apetece perguntar, face a tantos acontecimentos que nos rodeiam, quantos de nós fazem parte desse mundo “normal” ou navegam no interior de uma loucura que desconhecemos? A forma como vai fazendo aparecer as personagens e os caminhos que lhes desenha até se encontrarem é relevante, pois esse é um dos aspectos que cativa a leitura e o fim que para as mesmas esboça é também surpreendente, depois de nos fazer passar pela teoria de Theodor Busbeck sobre os povos que matam e os que morrem com Deus à mistura.

18 junho, 2009

POEMAS


Nunca mais te darei o tempo puro

que em dias demorados eu teci

pois o tempo já não regressa a ti

e assim eu não regresso e não procuro

o deus que sem esperança te pedi.


Sophia de Mello Breyner Andresen

17 junho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

Pois é verdade, vinha eu a pensar falar-vos da honra, melhor dito, de uma questão de honra, mas ao chegar abandonei o projecto, pois ontem a conversa já foi pesada e hoje não ia repetir, além de que aquele tempo enevoado e quase chuvoso nos abandonou e está um dia lindo, pleno de sol primaveril e aqui estou numa espécie de microcosmos de verde e sossego, como se o tempo tivesse parado. São longos minutos muito reconfortantes no início do dia. Acresce que há dias ao arrumar livros, descobri uma imensidade deles que ainda não li e outros que gostava de ler outra vez. Ah! Tanto tempo me falta! Entre eles, um da Marguerite Yourcenar que ainda não tinha lido. Que descoberta! Ler esta autora é uma sensação de pureza, é como beber água que corre ao longo de uma montanha numa manhã de primavera. Que limpidez, que sensação de prazer saciado. Há pessoas que deveriam existir sempre para nosso deleite, mesmo que apenas intelectual.

ROTEIRO DE LISBOA

Vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

É uma cidade
cercada colhida
é uma cidade
uma rapariga

Casas de ocultar
os homens lá dentro
mulheres que se mostram
envoltas no vento

Vejam meus senhores
é uma cidade
com seus monumentos
história de braçado

História de braçado
que ensinam na escola
um castelo um rei
mais uma glória
vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

Lá em baixo o Tejo
que é nome do rio
a lamber as armas
com suas colunas

Com seus prédios velhos
um rio lá em baixo
a lamber as pedras
as pernas-guindastes

De onde os seus bateis
partiam diurnos
vejam meus senhores
é uma cidade
de mãos empurradas
no fundo sem idade
com suas crianças
homens dos olhos

De bruços o céu
com seus girassóis
Lisboa é cidade
com heróis de luto.

MARIA TERESA HORTA, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Ser-me-ia fácil fazer um relato dramático, mas nem vós nem eu nos interessamos por dramas – e há muitas coisas que se exprimem melhor não as dizendo. Assim, eu amara a vida. Era em nome da vida, quero dizer, do meu futuro, que me esforçara por me reconquistar a mim próprio. Mas detesta-se a vida, quando se sofre.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

“Em virtude de uma propaganda maciça e de uma repressão feroz, a política de Hitler beneficiou durante muito tempo de um sólido consenso. O historiador Götz Aly revela como os nazis se serviram da pilhagem da Europa, a começar pela dos bens dos judeus, para assegurar aos alemães um elevado nível de vida.”

GÖTZ ALY, “Como Hitler comprou os alemães”, in “Le Monde diplomatique”, Maio de 2005

Porto, 17 de Maio de 2005

16 junho, 2009

LEITURAS


«Sinos ou cães, a mim tanto se me dava. Sirenes ou feras em alvoroço, tudo na noite excitava e engrandecia os ânimos dos habitantes, pois dividiram-se entre o saque da Regedoria e a caça ao criminoso pelas atas mais próximas. Mas quanto a ele, a esse meu excomungado irmão, repito, nada de nada. Sumira-se sem deixar um rasto de baba. O Diabo o levara talvez para bem longe daqui. Se o engoliu o mar, se se dissolveu na morrinha do ar, se cavou a própria sepultura e nela se enfiou para ir direito às profundas do Inferno – não há quem honestamente o possa garantir. O caso é que a sua aura se ergueu e esfumou no ar, voando sabe-se lá para onde e expandindo-se depois em lendas, boatos e outras suposições.»
Há histórias, personagens, invenções sobre o mundo que podem viver connosco durante anos e anos, ser parte do nosso imaginário e suscitar em nós a linguagem dos chamados «grandes sistemas» políticos e sociais do nosso tempo. Esse é o caso desta novela. O autor trouxe-a consigo de estação em estação, de livro para livro, em momentos de pausa, pulsão de reescrita e obra inacabada, por entre outras ficções – como um texto que estivesse à espera da sua própria completude, para só então existir fora de quem o escreveu e criou. A Divina Miséria separa-se definitivamente do seu autor para adquirir vida própria e propor-nos a imagem do obscurantismo moderno, os poderes terreno e divino como tema de uma literatura que tenta forçar os limites da própria imaginação. Eis um ser vivo à margem do seu criador. É de uma nova «trindade» que esta novela nos fala: o triunfo da religião sobre a morte simbólica da Igreja, a rota de colisão entre o humano e o transcendente, a grande potência invasora do mundo de hoje, mais forte do que Deus e senhora absoluta dos homens.

João de Melo nasceu nos Açores, em 1949, e fez os seus estudos no continente. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e foi professor nos ensinos secundário e superior. Tem residência nesta cidade desde 1967, mas actualmente vive e trabalha em Madrid.
Autor de vinte livros já publicados (ensaio, antologia, poesia, romance e conto), algumas das suas obras de ficção valeram-lhe vários prémios literários, nacionais e estrangeiros, e foram adaptadas para teatro e televisão, estando traduzidas em cerca de uma dezena de países.

Voltar a encontrar João de Melo passado uns anos nos seus escritos mais belos e mais ricos com as aldeias das suas ilhas com a exuberância da palavra que só um açoriano pode transmitir é uma grata surpresa que nos deixa encantado. Mesmo que as personagens viajem de O Meu Mundo não é Deste Reino, pouco importa e menos ainda que seja um texto reescrito. O que verdadeiramente interessa é esse desenrolar de vidas que essa aldeia do Nordeste no longínquo oceano nos traz, essas vivências perdidas no tempo e no espaço entre mar e mar e azul e azul, embora algumas delas, como nos diz o narrador, nunca tivessem olhado outra cor que não o verde, com excepção do céu, desse infinito que nem imaginar podiam. A morte de Padre Governo aqui contado no relato de alguém que tudo acompanhou por fora, despoleta sentimentos há muito contidos, há muito amargurados, há tanto tempo escondidos e enganados e esboça uma crítica a uma sociedade de fingimento, de opulências, de injustiças de vidas amarguradas e enganadas, esquecidas no interior dessa ventania que assola as encostas dos que trabalham, sem nada, nem a alma. Não consigo esconder esta alegria de voltar aos Açores pela pena de João de Melo e à delícia da sua escrita.

12 junho, 2009

POEMAS


Num deserto sem água

numa noite sem lua

num país sem nome

ou numa terra nua


Por muito que seja o desespero

nenhuma ausência é mais funda do que a tua.


Sophia de Mello Breyner Andersen

11 junho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Sei que no início da semana vir junto de vós com palavras pesadas não é de todo aconselhável, pois ainda nos sentimos como ao acordar, meio estremunhados e com a luz do dia a perturbar-nos, mas hoje não resisto a levar-vos por uma viagem aos ideais, aos conceitos de valores e a alguns sentimentos de ética. Já todos devem saber que existe um jovem, Gonçalo Cadilhe de seu nome que deu a volta ao mundo, enviando crónicas semanais, creio que para a revista do Expresso. Um amigo meu que sabe como gosto de viagens e do mundo teve a gentileza de me oferecer um livro com essas crónicas. Posteriormente, o jovem partiu de novo, agora para a Patagónia. Esta região da Argentina é de uma grandeza espantosa, pela imensidade do espaço, pelo silêncio e pela infinita solidão. O meu amigo, há tempos trouxe-me também estas crónicas. Ainda não as li, mas ao dar uma vista de olhos deparei com uma pequena nota que me fez pensar. Muitas vezes, vivemos uma quantidade de situações sem nos interrogarmos verdadeiramente sobre o que fazemos. Optamos um dia por um determinado caminho e de seguida limitamo-nos a caminhar. Mas já uma vez me interroguei, sobre o que é ser comunista. E a resposta que sempre pareceu ser fácil num contexto puramente ideológico, tornou-se difícil num outro mais humano. Dei comigo a procurar razões. O que me tem movido de facto? O amor pela vida, pelo mundo e pelos seres humanos. A sensação inexplicável de liberdade, a vontade enorme de justiça e a revolta contra a desumanidade do poder e dos senhores que sempre o ocuparam. A solidariedade pelos que lutam por valores e conceitos morais que envolvem o conjunto da sociedade, o morrer imensas vezes com aqueles que morrem a combater pela razão e em nome de uma palavra à qual atribuo uma valoração fora do comum e que dá pelo nome de dignidade. Mas porquê esta arenga no começar da semana? Pois é, vem pelo facto do jovem viajante terminar uma crónica com palavras que não vou resistir a citar aqui. A primeira coisa que nos ocorreria é que quem viaja assim pelo mundo é porque tem dinheiro para isso e, se o tem, não vai reparar em pormenores como a pobreza. Mas ele reparou e viu ainda muito mais coisas. Escreveu que recordava as palavras de um seu amigo italiano, Rezzano de sua graça que na juventude tinha sido militante do Partido Comunista Italiano, que dizia, «Um homem que não foi comunista aos vinte anos, não tem coração; um homem que ainda o é aos cinquenta, não tem cabeça». Assim, rezava o tal Rezzano, mas o jovem viajante acrescentava que “Aos cinquenta, na Europa, os homens têm cabeça, têm bom senso, e têm barriga. Têm boas casas, carros, electrodomésticos, cultura, saúde, segurança social, férias retribuídas.” E tudo isto lhe ocorreu em plena Patagónia por ter encontrado um jovem casal de namorados e dele deixou também escritas estas palavras: “Ivan tem vinte e poucos anos, mas é provável que aos cinquenta continue a ser comunista. Um homem que não é comunista na América Latina não tem coração. Tenha a idade que tiver. Eu sei, eu viajei pelo continente, eu vi a fome, o analfabetismo, a desigualdade económica, a falta de infra-estruturas públicas, a ausência de responsabilidades sociais por parte dos Estados, a impunidade ostensiva e empanturrada desde a Guatemala de Rios Montt ao Chile de Pinochet. Ivan terá aos cinquenta a sua cabeça, talvez a sua barriga. Terá os filhos que Cintia antecipa já com um sorriso de cumplicidade e, quem sabe, terá livros publicados, um percurso literário. Espero que o meu amigo latino-americano tenha ainda coração – e o entusiasmo, a força e a fé que a mim, europeu, me faltam. Para lutar por um mundo possível, para acreditar num mundo melhor.” É reconfortante de quando em vez chegarem notícias do mundo que nos dizem não nos encontrarmos sós nesta batalha de rebeldia pela liberdade, por uma sociedade onde possamos todos abraçar-nos com um sorriso, sem que este tenha de ser um acto de coragem. Por mim, tenho lutado apesar de não esquecer as palavras de Miguel Torga de que «a honra era lutar sem esperança de vencer». Contudo, acredito. Porém, o mundo não vai mudar tão cedo, muito caminho haverá ainda para percorrer. Por isso, fui comunista aos vinte e ainda sou aos cinquenta e hei-de sê-lo até ao momento em que alguém me há-de fechar os olhos, porquanto alguém vai ter de o fazer, pois quero partir a olhar este mundo pelo qual estou apaixonado. Ah! E se puderem, embrulhem-me na bandeira desses ideais para que a alma se sinta um pouco aquecida.

Com a verdade fui solidário:
De instaurar a luz na terra.

Quis ser tão comum como o pão:
A luta não me encontrou ausente.

Porém aqui estou com o que amei,
Com a alegria que perdi:
Junto a esta pedra não repouso.

Trabalha o mar em meu silêncio.

PABLO NERUDA, “As pedras do Chile”, in “Presentes de um Poeta”

Não sofremos com os nossos vícios, sofremos tão-só por não nos podermos conformar com eles. Conheci todos os sofismas da paixão, conheci também todos os sofismas da consciência. As pessoas imaginam que reprovam certos actos porque a moral se lhes opõe; na realidade, obedecem (têm a felicidade de obedecer) a repulsas instintivas.

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

Há sessenta anos, 57 por cento dos franceses consideravam a URSS o principal vencedor da guerra; em 2004, eram apenas 20 por cento. Este esquecimento progressivo do papel de Moscovo, amplificado pelos media, prende-se também com as polémicas sobre a política de Estaline entre 1939 e Junho de 1941, que puderam ser vistas com novos olhos na sequência de estudos históricos recentes. No entanto, pense-se o que se pensar sobre o Pacto Germano-Soviético, como é possível negar que, durante três anos, os russos conduziram uma grande parte da resistência – e, depois, da contra-ofensiva – à Wehrmacht? E que pagaram o preço de 20 milhões de mortos?

ANNIE LACROIX-RIZ, “O papel «esquecido» da União Soviética”, in “Le Monde diplomatique, Maio de 2005.

Porto, 16 de Maio de 2005

10 junho, 2009

LEITURAS


Um cientista é assassinado na Antárctida e a Interpol contacta Tomás Noronha para decifrar um enigma com mais de mil anos, um segredo bíblico que o criminoso rabiscou numa folha e deixou ao lado do cadáver.
O mistério em torno do número da Besta lança Tomás numa aventura de tirar o fôlego, numa busca que o levará a confrontar-se com o momento mais temido por toda a humanidade.
De Portugal à Sibéria, da Antárctida à Austrália, O Sétimo Selo transporta-nos numa empolgante viagem às maiores ameaças que se erguem à sobrevivência da humanidade.
Baseando-se em informação científica actualizada, José Rodrigues dos Santos volta com este emocionante romance aos grandes temas contemporâneos, numa descoberta que poderá abalar a forma como cada um de nós encara o futuro da humanidade e do nosso planeta.

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS nasceu em 1964 em Moçambique. Abraçou o jornalismo em 1981, na Rádio Macau, tendo ainda trabalhado na BBC e sido colaborador permanente da CNN.
Doutorado em Ciências da Comunicação, é agora professor da Universidade Nova de Lisboa e jornalista da RTP. Trata-se de um dos mais premiados jornalistas portugueses, galardoado com dois prémios do Clube Português de Imprensa e três da CNN, entre outros.

Há livros e autores que não me atraem para a leitura, ou pelo menos, não me fazem contornar ou adiar outras leituras. Aqui e ali, sou surpreendido, mas é raro. Temo sempre quando pessoas muito ocupadas desatam a escrever livros de 500 páginas uns atrás dos outros e em edições que se sucedem como é o caso deste O Sétimo Selo. Ou estamos perante um génio ou perante a vulgaridade que por aí ronda em termos de livros escritos que não de literatura. Tiveram, neste caso, a amabilidade do empréstimo e para além da gratidão do gesto, aproveitei para extrair as dúvidas que me assistiam. Não me enganei, quanto a este. É um livro de aventuras, provavelmente para adolescentes ou para adultos que gostem de leituras fáceis, o que só por si não tem mal algum. De resto, não está mal escrito e aborda a questão do ambiente e do futuro na Terra o que lhe faz adquirir conteúdo. Por mim, foi só isso.

03 junho, 2009

POEMAS


"Quando eu morrer voltarei para buscar


os instantes que não vivi junto do mar"


Sophia de Mello Breyner Andersen

02 junho, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Ultimamente tenho-vos deixado em paz e sossego. Dias incompletos de trabalho impelem-me a gerir o tempo de outra forma, sacrificando este café matinal que tomo convosco. Depois, acabo por voltar, pois dos amigos nunca se consegue estar longe muito tempo. Sempre que posso escuto aquela conversa vespertina de que já vos falei, entre a Isabel Stilwell e o psicólogo Eduardo Sá. Há dias, o tema era uma frase do Nicolau Breiner na qual dizia ter encontrado ao longo da vida muita gente que não gostou de ter conhecido. Dizia ainda que um dia, creio que depois de morrer, gostava de poder alinhar todas essas pessoas e cumprimentá-las, uma a uma dizendo, muito prazer por a ter desconhecido. Era algo assim. Com franqueza não gosto do Nicolau Breiner. Não sei dizer bem por quê, mas é algo assim como beber um cimbalino com cheiro a detergente. Não gosto. Enfim, é uma mania. Mas é verdade, no decorrer da vida, conhecemos imensas pessoas e a grande maioria não temos prazer nenhum em as conhecer, alguns, nem deveriam mesmo ter-se aproximado. Destes, aqueles que recordo é sempre por algo que fizeram de negativo, porque os outros, os que simplesmente não têm nada para oferecer, esses olvido-os com rapidez. Contudo, dou comigo algumas vezes, naquelas tardes de acalmia em que sentimos o repouso invadir-nos a alma e nem brisa sopra à nossa volta, a olhar e tentar perceber cada ser humano que me rodeia, tentar penetrar no pensamento de cada um, procurando as razões que tantas vezes nos movem de forma irracional ou descontrolada e acabo por verificar que todos têm o seu mundo, uns mais, outros menos, mas todos com um objectivo, um pequeno núcleo onde são amados ou temidos conforme as circunstâncias. Por muito que nos custe e, por vezes, doe-nos bastante, a complexidade do ser humano é duma riqueza infinita. É nestas ocasiões que mais me assusta as clonagens e os controlos da mente. Quando nos reproduzirem, lá se vai o fascínio, a capacidade de amar, de surpreender, a magia da criatividade. Até a irreverência é uma sedução pelo que tem de encantador. Além disso, há aquela minoria que temos prazer em encontrar e que tanto nos enriquece. Uns pela palavra, outros pelos gestos, outros ainda pela beleza das atitudes. E no meio de todos, os amigos, aqueles de quem gostamos mesmo, perto ou longe, com palavras ou sem elas, mas de quem não podemos dispensar a existência. Certamente por isso vos visito sempre que posso.

O SANGUE NÃO DÁ FLOR

Poisa a espingarda, irmão
Que a morte é desalento
Há tanto para ser feito
Não podemos perder tempo

Poisa a espingarda, irmão
Que as guerras só dão cansaço
O futuro é obra dura
Não podemos perder braços

Poisa a espingarda, irmão
Que o sangue não dá flor
Para amanhã ser melhor
Não podemos perder amor

Poisa a espingarda, irmão
Poisa a espingarda, irmão

MANUEL FREIRE, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

Receava também as vésperas dos feriados, o seu ócio, a sua tristeza para os que vivem sós. Fechava-me em casa nesses dias.

MARGUERITE YOURCENAR, in
“Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

Antecipando a data das eleições legislativas, Tony Blair espera poder impedir a erosão da sua popularidade. A 5 de Maio, os britânicos vão pronunciar-se sobre o balanço social dos trabalhistas e sobre a sua política externa, mais pró-americana do que nunca após a actuação no Iraque. Tratou-se de uma invasão em nome da liberdade? Alguns trabalhistas procuram afirmá-lo quando evocam as guerras coloniais do antigo Império.”

PHILIPPE MARLIÈRE, “Um neotrabalhismo muito conservador”, in “Le Monde diplomatique, Maio de 2005.

Porto, 13 de Maio de 2005

01 junho, 2009

LEITURAS


O presente livro reúne um conjunto de narrativas que se encontram dispersas por edições há muito esgotadas ou que permaneciam inéditas nas gavetas do autor. Com a sua publicação, Luís Sepúlveda quis, de certo modo, “encerrar” o capítulo da sua vida literária anterior a O Velho Que Lia Romances de Amor, obra que, de um momento para o outro, em 1992, o transformou no mais sério caso da literatura latino-americana.
A aventura e a política, o amor e a guerra, a viagem e a utopia, a ironia e o mistério: todo o mundo do autor, com as paixões e os seus temas (alguns, como o tema amoroso, presentes pela primeira vez com tanta intensidade), comparece neste notável livro de relatos, que vem confirmar a mestria do grande escritor chileno e a sua incontornável presença na primeira fila dos grandes contadores de histórias nossos contemporâneos.

Luís Sepúlveda nasceu em 1949 no Norte do Chile, e tem percorrido quase todos os territórios possíveis da geografia e das utopias, de Punta Arenas a Oslo, de Barcelona a Quito, da selva amazónica ao deserto da República Árabe Saráui, das celas de Pinochet aos barcos do movimento Greenpeace. Autor de uma obra multifacetada, que compreende contos, romances, peças de teatro e ensaios, têm-lhe sido atribuídos inúmeros prémios, de entre os quais se destacam o France-Culture para o melhor romance estrangeiro, o Relais-H para o melhor romance de evasão e o Littérature de la Jeunesse para o melhor livro para jovens, todos respeitantes à obra O Velho que Lia Romances de Amor.
Perspicaz narrador de viagens e aventureiro nos confins do mundo, Sepúlveda concilia com sucesso o gosto pela descrição de lugares sugestivos e paisagens irreais com o desejo de contar histórias sobre o Homem, através da sua experiência, dos seus sonhos, das suas experiências.
Em 2006, foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França.

Ler este conjunto de contos que o escritor chileno nos oferece é mais uma vez viajar pelo mundo do sonho e da fantasia com o amor à mistura, não um amor qualquer mas aquele que prende os homens e as mulheres nesse êxtase mágico e inesquecível de um arrebatamento que galopa sobre as nuvens. Não são contos excepcionais, mas um ou outro de rara beleza, outros de raiva para com os seus personagens ou os seus actos cometidos e outros ainda que nos fazem rasgar a alma com lágrimas teimosas como quando nos fala dos conquistadores e genocidas castelhanos na sua chegada ao México. Sepúlveda deixa-nos sempre com esse sabor amargo de termos chegado ao fim dos seus livros, pois em certa medida ao lê-lo não apenas acicatamos a aventura que jaz adormecida em nós, mas antes leva-nos em viagens de navegação e descoberta pelos mundos que encontrou.

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