Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

07 maio, 2009

POEMAS


"Porém eu sei que tu és a verdade

E és o caminho transparente e puro

Embora eu não te encontre e no obscuro

Mundo das sombras morra de saudade"


Sophia de Mello Breyner Andersen

06 maio, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Creio que já vos falei do meu amor pelos Andes. Não é bem um amor, ou melhor, mais do que amor é um fascínio por todo o espaço da imensa cordilheira. Não conheço aquelas montanhas. Avistei-as sempre ao longe, da grandeza do meu atlas ou das imagens televisivas, mas creio que o fascínio não é menor do que aquele que sentiria se as sentisse por perto. A maior parte das vezes imagino os Andes como o corpo de uma mulher. Não uma qualquer, mas uma daquelas que amamos e não sabemos verdadeiramente o que fazer com tanta beleza. É verdade, vejo um olhar negro e profundo nas gargantas da Colômbia, escondendo aldeias e segredos que a força dos homens não alcança. Um rosto moreno sobre uma pele húmida que nasce das florestas da amazónia e uns lábios sedosos na fronteira do Equador e se estende pelo Peru até às alturas do Lago Titicaca no planalto boliviano, local onde imaginamos momentos de reflexão com a cabeça sobre o peito, desfrutando do silêncio e da calma que só a proximidade do céu pode proporcionar. Continuando a descida da cordilheira deparamos com os mistérios e a magia da tão procurada civilização Inca dizimada pelos conquistadores castelhanos e que no interior da penedia esconde ainda Matchu Pitchu. Quando o tronco acaba, surge-nos o espaço mais disputado do continente onde a Bolívia perdeu o acesso ao mar numa guerra fratricida com o Chile há século e meio atrás. Por fim, estende-se pelo Chile e a Argentina como dois membros que procuram o chão e encontram terreno para assentar os pés na longínqua Terra do Fogo onde ventos agrestes nos abrem as portas da Antártida. Sobre estas montanhas que chegam a erguer-se até aos 6000 mts paira uma ave excepcional de grande envergadura, o Condor que Simon & Garfunkel imortalizaram numa música singular cujos sons foram extraídos das flautas dos autóctones. Há ainda o Lama, uma mistura de cavalo e carneiro conhecido pela sua altivez e dignidade que são de tal forma que os conquistadores, enraivecidos quase os conduziram à extinção. Mas o Condor é a minha ave preferida, pelo sossego do voo, pelas alturas que alcança, pela solidão dos espaços, pela visão que usufrui e pelos sons que nos traz ao pensamento e podem crer que foi pelo Condor que vos escrevi tudo isto. Não pelo Condor andino, mas pelo outro que um amigo meu designava pela idade do condor. Pois é verdade, alcancei a idade do condor. Dito de forma mais simples, a idade de, com dor aqui, com dor ali e aqui estou a queixar-me, pois no último Domingo baixei-me para apanhar o Tonecas que é um pequeno animal que me espera todos os dias com uma perseverança de estarrecer e já não consegui regressar ao primeiro andar. O resultado foi umas valentes doses de Voltaren e mais umas coisas, mas não o suficiente para me recuperar de vez e, por aqui ando a tentar fingir que vou vencer esta corrida. Um dia, voarei como o Condor, o verdadeiro e então, poderei ver as montanhas amadas das alturas das nuvens.

Para nascer nasci, para encerrar o passo de quanto
se aproxima, de quanto a meu peito golpeia como um novo
coração que bate estremecido.

PABLO NERUDA, “Para nascer nasci”, in “Presentes de um Poeta”

“A sabedoria, tal como a vida, pareceu-me feita de progressos contínuos, de recomeços, de paciência.”

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

O que resta do Maio de 68 francês? As recordações ensombradas de uma «geração» que nele procura encontrar as causas da sua própria resignação? No entanto, como recorda Kristin Ross numa obra editada pelo Le Monde diplomatique e a editora Complexe, a revolta de 1968 foi antes de mais o momento de uma extraordinária união entre operários e estudantes para pôr em causa a ordem social.

KRISTIN ROSS, “Um tempo de confraternização entre estudantes e operários”, in “Le Monde diplomatique, Maio de 2005.

Porto, 12 de Maio de 2005

04 maio, 2009

LEITURAS


“Na pequena cidade bósnia de Travnik, um dos bastiões do império Otomano nos começos do século XIX, coabitam muçulmanos, cristãos e judeus. No ar sente-se uma tensão quase palpável não apenas devido aos conflitos religiosos mas sobretudo pela ameaça de guerra.
Napoleão está no poder em França e decide criar um consulado em Travnik. Jean Daville é o novo cônsul francês e personagem central deste romance extraordinário apontado pela crítica como a verdadeira obra-prima de Ivo Andric. Mal recebido pelos habitantes de Travnik, Daville é considerado um homem fechado, impenetrável e «mau», e a sua convivência com o império Otomano é um constante choque de culturas e ideias. Passados alguns anos chega também à cidade um cônsul austríaco.
Andric narra-nos com mestria o relacionamento entre ambos, as intrigas, as guerras, os amores e ódios. Os dois cônsules lutam nos bastidores pela realização das suas ambições pessoais perante os olhares desconfiados dos habitantes locais habituados às sucessivas ocupações e domínios sofridos ao longo de séculos.
«A crónica de Travnik» é um romance sobre os fanatismos políticos e religiosos e as mesquinhas rivalidades entre os povos. Uma obra profunda que traça a efemeridade dos impérios e ambições humanas.”

“Ivo Andric, prémio Nobel de Literatura, nasceu em Travnik, na Bósnia em 1892. Desde jovem mostrou grande interesse na política da sua época. Torna-se membro do movimento nacionalista progressista Bósnia Jovem, e chega a ser preso por suspeita de conspiração para o assassinato do Arquiduque Francisco Fernando, que viria a despoletar a Primeira Grande Guerra. É na prisão, «humilhado como um verme», que escreve os seus primeiros textos. Em 1920 inicia uma brilhante carreira diplomática que o leva a cidades como Madrid, Viena, Berlim, Bucareste, Paris e Genebra ao mesmo tempo que vai publicando contos, poemas e relatos de viagem (como «Portugal, terra verde»). Em 1944 publica o seu primeiro romance «A ponte sobre o Drina» (Cavalo de Ferro, 2007). Os bombardeamentos a Belgrado surpreendem-no em Berlim como ministro dos Negócios estrangeiros na Alemanha do III Reich. Recusa o asilo que os nazis lhe oferecem e regressa a uma Jugoslávia ocupada. Afasta-se do serviço diplomático e, em 1955, publica «O pátio maldito» (Cavalo de Ferro, 2004). Continua a escrever contos e romances a um ritmo cada vez menor devido a problemas de saúde. É galardoado com o prémio Nobel de Literatura em 1961. Morre em 1975, na Jugoslávia de Tito, com quem sempre manteve relações próximas.”

Há cerca de um ano um acaso fez-me parar com A Ponte sobre o Drina nas mãos. Foi a descoberta da escrita extraordinária de Ivo Andric que me conduziu até esta A Crónica de Travnik, após a passagem pelo O Pátio Maldito.
Tal como a primeira das obras aqui mencionada, é-nos oferecida uma escrita rica, desenvolta que se lê de forma pausada e absorvente. Sentimos não haver pressa em chegar adiante sem assimilarmos o instante que nos está a ser descrito e mesmo quando o interesse aumenta e passamos a uma leitura contínua, continuamos a usufruir dessa sensação que não é possível ultrapassar os acontecimentos.
As cidades da Bósnia são hoje conhecidas pelos dramáticos acontecimentos da década de 90 do século passado, decorridos já quase 15 anos. Travnik não constava dos boletins militares a não ser ocasionalmente, mas há duzentos anos desempenhava um papel deveras importante na estratégia do império otomano. Encravada entre montanhas, crescia estendo-se ao longo da estrada. Ainda hoje, quando a procuramos, encontramos os seus ribeiros, as suas ruas, as suas vielas estreitas, os seus jardins, as suas mesquitas. Ah, as suas mesquitas e talvez mais nada, pois essa convivência entre muçulmanos, sérvios e judeus esboroou-se com a guerra e a democracia não foi capaz de repô-la. O que sobreviveu à centenária ocupação otomana, depois à austro-húngara e à dignidade que lhe concedeu a Jugoslávia, não resistiu à intolerância religiosa actual. Mas isso já não soube Andric e a história que nos conta relata com doçura e serenidade essa relação convivencial entre bósnios, turcos, sérvios ortodoxos, cristãos e judeus. É verdade que os vizires cortavam cabeças com facilidade, mas hoje que já não as cortam, ou ainda cortam?, essa convivência revela-se impossível. O motivo deste romance é abertura de um consulado francês em Travnik num período em que Napoleão reinava pela Europa e vai terminar anos depois com a derrota do imperador, o seu derrube e exílio. A Europa voltava ao reino dos velhos senhores e o consulado francês encerrava agora que a França voltava para as suas fronteiras. O relato da vivência do cônsul francês e a sua relação com o cônsul austríaco também ali presente, permite a Andric desenvolver essa escrita maravilhosa que nos habituou através da qual, estuda os homens, persegue os seus desígnios, aviva as suas intenções e faz transbordar os seus desejos e sonhos. Num conjunto de episódios e acontecimentos sequenciais, dá-nos uma imagem de Travnik, dos seus habitantes na diversidade dos ritos religiosos professados, dos seus medos e das suas revoltas e aproxima-nos da estrutura de poder otomana, dos seus mitos, da sua linguagem e dessa cultura política tão diferente da que conhecemos na parte restante da Europa e que se instalou em todo aquele território ao longo de 300 anos. Andric desperta em quem o lê a curiosidade pela história desses turcos otomanos e do império que instalaram após a queda do império bizantino nesse longínquo ano de 1453 e que os trouxe até às portas de Viena. O escritor jugoslavo vai descrevendo em relato a vivência dos estratos do poder e daqueles que eram os donos da rua e, mesmo nas cenas em que se percebe um grau de violência que nos desarma, face à facilidade com que se pode morrer, não exagera nas palavras, escreve com o grau de realidade necessária mas sem ir além do que é necessário para a compreensão do acontecimento.
A genialidade da escrita deste Nobel da Literatura deixa-nos esse lamento de pena cada vez que chegamos ao fim de um dos seus romances.

03 maio, 2009

POEMAS


"Numa noite sem lua o meu amor morreu

Homens sem nome levaram pela rua

Um corpo nu e morto que era o meu"


Sophia de Mello Breyner Andersen

01 maio, 2009

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Ele há pessoas que nos fascinam em absoluto. Olhadas num primeiro momento nada têm de atractivo e quando nos aproximamos temos de nos render a um encanto invisível. Umas vezes é a forma de estar, outras, um sorriso escondido, outras ainda um olhar que não reparamos quando nos aproximamos e quantas vezes, é o falar, a expressão do verbo que nos encanta. Na última ida a Paris, um fim de tarde após 10 horas de reunião levaram-me de visita ao Centro de Arte Moderna Georges Pompidou. Uma parte de nós sente de imediato um conflito com essa modernidade da arte. Um conflito que não sabemos explicar, mas passará provavelmente pela dificuldade da compreensão das formas. Mas lá fui com a curiosidade de quem gosta de ver o que nunca viu e, digamos sempre faço um esforço por compreender. O exterior do edifício já por si não era alentador para quem tem da arte uma visão realista, mas havia que aguardar. Surgiu então uma guia. Olhada à distância parecia uma jovem saída da universidade, mas com a aproximação a realidade foi um pouco desanimadora. A idade já tinha feito o seu percurso, a imagem não era nada que nos atraísse, pelo que restava aguardar pela parte da arte, só que quando começaram a aparecer os primeiros Kandinski, Manet, Picasso, Miró e toda aquela gente cujos nomes já memorizamos há muito, começou a surgir algo inesperado. A senhora não era uma mera guia, mas alguém com um profundo conhecimento da pintura, e da arte moderna, e daqueles que a construíram. Com uma fluência extraordinária, uma paixão devotada às palavras, o saber que se revelava a cada obra que apreciava, rapidamente nos prendeu a atenção de tal maneira que nós próprios começamos a ver formas que ainda duvido que lá estivessem. Foi assim, que aquela senhora com um ar simples uma serenidade plena durante uma hora nos cativou a atenção para um conjunto de pinturas que sozinhos dificilmente veríamos com tanto cuidado e com tamanha vontade de compreender o que se escondia no interior de traços aparentemente imprecisos. Podem crer que no fim, até eu seria capaz de vos mostrar que aquelas obras da pintura modernista continham, rostos, objectos ou intenções que não se vêem, só que dito por mim, não acreditariam, porque para tudo é necessário ter arte e aquela senhora tinha a da pintura que aprendeu e a da alma que cultivou.

ELES

Ei-los que partem novos e velhos
Buscar a sorte noutras paragens
Noutras aragens, entre outros povos
Ei-los que partem velhos e novos

Ei-los que partem, olhos molhados
Coração triste, a saca às costas
Esperança em riste, sonhos dourados
Ei-los que partem, olhos molhados

Virão um dia, ricos ou não
Contando histórias de lá de longe
Onde o suor se fez em pão
Virão um dia, ricos ou não

Virão um dia, ou não…

MANUEL FREIRE, in “O Nosso Amargo Cancioneiro”

“Não voltei a ver Maria. Como é difícil, por mais precauções que se tomem, não fazer sofrer…”

MARGUERITE YOURCENAR, in “Alexis ou o Tratado do Vão Combate”

FARAÓS : FILHOS DAS DEUSAS
A imagem do faraó como lactante junto a divindades femininas reflecte a importância do leite materno nos ritos de coroação. Assim como Horus é entronizado graças à ingestão do alimento materno da deusa Isis o da assimilação desta a Hathor, o monarca, como Horus na terra, se serve da iconografia do acto de amamentação para ratificar a sua divindade e renovar a juventude e vigor necessários para ostentar eternamente o poder real.

BÁRBARA RAMÍREZ GARCIA, “Ser criança no antigo Egipto”, in “HISTORIA National Geographic”, nº 12

Porto, 06 de Maio de 2005

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