Sede de Infinito

Infinito é o que se encontra para além de tudo, do conhecimento, da imaginação, do alcance da mão. Ter sede do que se encontra para lá da linha do horizonte é a imensa vontade de alcançar o que não vemos, o que não possuímos, o que não conhecemos, é por fim, uma forma de perseguir o saber e o conhecimento, se assim o desejarmos, conduzir o sonho através do tempo.

25 setembro, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus bons Amigos

Pois ontem lá fui até Braga. Para lá ia atrasado, para cá vinha com pressa e nem cheguei a usufruir do sol bonito que se espalhava pela estrada.
Era uma história simples. Um rapaz empresário, veículos a condizer, Opel Frontera, Audi A4 e BMW, falar ao telefone na auto-estrada e embate na traseira do veículo da frente que era um reboque de transporte de cavalos cujo rebocador se despistou contra o morro da margem. Abertura da portinhola do reboque, cavalos à solta na faixa de rodagem e só não foi pior, por um daqueles acasos. Pois é, empresário mas sem seguro no Opel Frontera. Mas com aquela alegria permissiva que vai constituindo uma imagem de marca dos portugueses, vai de adulterar a DAAA e pôr o Audi onde devia estar o Opel. Só que agora temos a seguradora a reclamar oito mil euros e o MP a intentar uma Acção crime por burla consumada e qualificada e só então o homem começa a ficar ligeiramente preocupado. Primeiro a tentar que a família, que pelos vistos estava toda para fora, lhe pague a dívida mesmo a prestações e depois o apelo para que o perito tenha lapsos de memória. Ditosa pátria que tais filhos tem. Este país é na verdade uma grande saga.
Bom fim de semana para todos.

DESFECHO

Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)

Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...

E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.

Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados
Que apenas vão a par na teimosia.

MIGUEL TORGA

" - Um dia vi o sol pôr-se quarenta e três vezes!
E pouco depois acrescentou:
- Sabes... quando se está muito, muito triste, é bom ver o pôr do sol..."

ANTOINE SAINTE-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"A transição política portuguesa foi, simultaneamente, a última revolução do século XX e a primeira democracia da «terceira vaga». A copiosa literatura existente sobre as transições democráticas desvaloriza, porém, o facto de a transição portuguesa ter sido a única de toda esta «terceira vaga» a conhecer tal nível de participação popular e de ter assim escapado ao modelo top-down que prevaleceu universalmente dali em diante, ou seja, uma transição concertada entre as novas e antigas elites, incluindo a «revolução de veludo» nos antigos países comunistas. Não é à toa que foi o modelo espanhol da transição pactada, cuja moderação se inspirou a contrario no radicalismo da nossa revolução, aquele que serviria de exemplo a todas as futuras transições.
O carácter revolucionário da transição portuguesa não se limitou, pois, ao plano político e ideológico. Estendeu-se também ao plano social, coisa que não aconteceu em nenhum outro processo de democratização na Europa do Sul nem no resto do mundo."

MANUEL VILLAVERDE CABRAL, "O 25 de Abril em retrospectiva", in "Le Monde Diplomatique", Abril de 2004.

Porto, 16 de Abril de 2004

24 setembro, 2007

POESIA


Crepúsculos


Olho o mar com olhar ausente
fixo, triste, só
as ondas vão e vêm, vêm e vêm
nesse movimento perpétuo, sem descanso
como todos os combates pelos sonhos
nuvens cinzentas paradas sob um fundo vermelho
gaivotas parando sob as rochas
paisagem serena, outonal e solitária
e este silêncio, este silêncio
interior e exterior
e as lágrimas a inundarem a alma
com esse lamento que nos oprime.
A ternura parece uma palavra vã
e são longínquos os carinhos que nos chamam.
Olho ainda o horizonte
essa linha parada aguardando a noite
réstias de azul rompem o cinzento
e esta melancolia que quase nos vence
que solidão tão imensa
neste mundo tão povoado.
Onde estão aqueles que mais precisamos
em momentos assim de fadiga espiritual?
Onde se acolhem os afagos que nos aliviam
destas ondas tormentosas?
Estão longe, estão longe
parece dizer o mar nesse movimento incansável.
Estão longe para além da linha que divide o céu da terra.
Estão longe os afagos
e essa beleza cujos contornos o sonho desenha
e o pensamento dá formas.
Ah! o mar, o fim da tarde, o Outono
Esta tristeza, a solidão
E ninguém.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O sol rompeu por instantes
com o fulgor dos momentos finais
e o vermelho vivo
das fogueiras eternas.
Extinto o sopro
a noite aproxima-se
pelas paredes da tarde
e a solidão avassala
a tristeza
nessa competição
do só.

Porto, praia do ourigo, aos dez dias de Dezembro do ano de dois mil e dois

23 setembro, 2007

LEITURAS


Desde que descobri a escrita de Baptista Bastos é uma sedução ler os seus livros. Pena de jornalista, é visível uma vivência urbana, parecendo até boémia que nos conduz até às contradições, comportamentos e reflexões dos seres humanos. Mesmo numa leitura sem reflexão, apenas pelo prazer de ler não conseguimos deixar de anotar alguns dos pensamentos que nos deixa. No conteúdo dos livros que nos oferece resultam visíveis, a solidão, os sonhos, o amor e a mulher e não resistimos a deixar aqui algumas das frases com que nos faz, ou rever-nos ou reflectirmos sobre a natureza das afirmações que coloca nos seus personagens. Estamos de acordo que “em cada mulher há um mistério por descobrir”. Na verdade, o encontro com uma mulher tem esse fascínio da descoberta, de percepcionar, de procurar, de tentar encontrar o fio dos seus pensamentos, dos seus desejos, das suas vontades. De facto nesse achamento está o primeiro momento da sedução. “Há muitas coisas que se não dizem, ou só se podem dizer através do silêncio ou do olhar”. Outra verdade que apreendemos quase de imediato. O quanto falam com o olhar, como procuramos os reflexos desses olhares, como se sente a alegria ou outro sentimento no brilho ou no embaciamento do olhar. Sobretudo, procuramos encontrar não só aquela chama que nos atrai, que nos revela sermos desejados como também represente que nos regemos pelos mesmos valores ou que estes estão próximos, representam sintonia, podem navegar pelos mesmos mares, como nos diz ainda, pertencemos “aos mesmos sonhos”. O sonho, essa capacidade de navegar no alto mar em veleiros sem rumo, aparece ainda uma outra ocasião quando nos diz que “vivia num mundo só dela e isso queria dizer que, quem quiser ser livre, tem à sua frente um imenso território: o do sonho”. Quer dizer que quando sonhamos vivemos num mundo só nosso ou dito ao contrário, para vivermos num mundo só nosso temos de nos isolar da realidade e que a liberdade que almejamos só a encontramos no mundo do sonho. Ter pois a capacidade de sonhar pode ser também a capacidade de sermos livres. Baptista Bastos leva-nos ainda ao difícil ambiente da solidão. O ser humano sendo por natureza um ser social, na solidão só pode encontrar o contrário de si próprio. Não falamos daquele isolamento que procuramos para descansar, para reflectir, para contemplarmos o universo de uma forma diferente. Não, falamos daquela solidão que nos encontra isolado dos outros por incompatibilidade com formas de estar com regras ou com comportamentos que não se coadunam com a nossa formação ou com a nossa concepção do mundo em comunidade. Ou ainda, porque não encontrámos a companhia que tanto desejamos, ou mesmo quando a encontrando, não pode preencher esse espaço vazio que levamos na alma. “No fundo, o que ela mais desejava era companhia; um pouco de afecto,” Esta é a solidão que dói e que se não a soubermos gerir, pode até tornar-se penosa. Esta solidão pode ser ao mesmo tempo, isolamento e afastamento, pode ser uma dor imensa que, tantas vezes um simples abraço pode amenizar. Duas frases merecem ainda relevo pela concordância que tenho com o sentimento expresso. “Há um momento furtivo e incerto no dia, em que o dia parece parar: não desapareceu e ainda não mergulhou na noite. Talvez então possamos aprender o que se passa dentro de nós”. Sinto um encantamento por esse momento em que a tarde se entrega nos braços do crepúsculo, esse tempo que a nossa poetisa alentejana chamou de mágicos cansaços, e que no interior do qual me abandono no pensamento daqueles de quem gosto muito e de quem amo. Em certas ocasiões e em determinados lugares chega a ser um momento extraordinário. Por último, ou dito de outra forma, tomando a última reflexão que recolhemos de Baptista Bastos, “o pior que pode acontecer a uma pessoa é não ter ninguém em quem pensar. Também sabe que o amor traz o desejo de descobrir coisas novas”. Só posso manifestar toda a minha concordância. O pior que nos pode acontecer é não termos ninguém na memória que nos complete os sonhos e que no ajude a enfrentar as agruras. Alguém em quem possamos pensar com carinho e a quem possamos escrever palavras de ternura, mesmo que imaginárias. São estas pessoas em quem podemos pensar que nos ajudam a ser inventivos, criadores e nos levam a superar-nos. Quando encontramos alguém a quem dedicar o pensamento, seja amigo ou amante, bem podemos dizer que a nossa vida se altera no bom sentido de sentir apaziguamento.


"Todos estamos feridos. Mas uns estão mais feridos do que outros. São aqueles que se feriram a si próprios, sem disso darem conta. As Bicicletas em Setembro fala de trajectórias amorosas e de que todos os destinos sentimentais ocultam histórias substerrânes. Fala, também, da beleza perversa das relações humanas, e de que as pessoas suportam tudo, menos a solidão, a separação e a perda. É uma parábola sobre perdedores - todos nós. Porque cada um de nós perdeu alguma coisa."

20 setembro, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Hoje venho mesmo só dizer-vos, Olá!, pois tenho de ir ao Tribunal a Braga. Com este fresco amanhecer e o sol a espalhar-se pelo chão e pela alma, vai ser uma viagem confortante.
Talvez encontre uma história para vos contar amanhã.

CORO DOS CAÍDOS

Cantai bichos da treva e da aparência
Na absolvição por incontinência
Cantai cantai no pino do inferno
Em Janeiro ou em Maio é sempre cedo
Cantai cardumes da guerra e da agonia
Neste areal onde nasce o dia

Cantai cantai melancolias serenas
Como trigo da moda nas verbenas
Cantai cantai guizos doidos dos sinos
Os vossos salmos de embalar meninos
Cantai bichos da treva e da opulência
A vossa vil e vã magnificência

Cantai os vossos tronos e impérios
Sobre os degredos sobre os cemitérios
Cantai cantai ó torpes madrugadas
As clavas os clarins e as espadas
Cantai nos matadouros nas trincheiras
As armas os pendões e as bandeiras

Cantai cantai que ódio já não cansa
Com palavras de amor e bonança
Dançai ó Parcas vossa negra festa
Sobre a planície em redor que o ar empesta
Cantai ó corvos pela noite fora
Neste areal onde não nasce a aurora.

JOSÉ AFONSO, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

"É tão triste esquecermo-nos de um amigo! Nem toda a gente teve um amigo na vida!"

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"No dia 25 de Abril de 1974, o poder, afrontado no Terreiro do Paço, caía no antigo convento do Carmo e era apanhado pelos que o derrubaram: capitães e soldados em estreita união com estratos médios e povo trabalhador das cidades e dos campos. Desde logo, as liberdades tornaram-se imparáveis: liberdade de expressão, de associação, de manifestação, a liberdade sindical, a liberdade de organização de partidos. Os presos políticos saíam das cadeias nos braços da multidão. Desmantelava-se a polícia política e outras organizações repressivas. As imagens dos cravos vermelhos que floriam na boca das espingardas corriam o mundo. Chamaram à revolução a Revolução dos Cravos. Entretanto, o poder vencido tentava por todos os meios, incluindo os militares, travar e torpedear o andamento do processo. E os programas e os interesses dos novos actores eram divergentes e muitas vezes contraditórios."

ANTÓNIO BORGES COELHO, "Nos Trinta Anos da Revolução de Abril", in "Le Monde diplomatique", Abril de 2004

Porto, 15 de Abril de 2004

18 setembro, 2007

POESIA


Olhar triste

Que formidável céu nocturno
povoado de estrelas
que solidão no firmamento
desses pontos brilhantes.
Como é negro o céu
no qual estendo o olhar
olhar triste, magoado, perdido
à procura das ondas marinhas
que já foram serenas
e eu caminhava pela noite
em busca de primaveras sonhadas
e o teu sorriso
luzia como a luz do farol
indicando a rota para o futuro.
Que mares, que ondas
me ofereceste então
quando já não vislumbrava
o ocaso do tempo.
Renasci, sonhei
voltei a descobrir a magia das palavras
e viajei pela multidão dos sonhos sonhados.
Foste rosa, foste jardim
Montanha enorme e bela
rio largo caminhando para o oceano.
Foste sol, alegria
e acendeste à tardinha
as luzes todas do céu.
Verão ou Inverno
o dia não se punha
no entardecer dos nossos abraços.
Foste vida, companheira
amor e silêncio
serenidade e amizade
mas agora, agora…
perseguido de novo só o silêncio
a solidão sobrevoa-me
como um pássaro noctívago
o Outono despeja todas as águas das nuvens
e a Primavera é apenas uma recordação
uma lágrima que se esvai pela alma
sem descanso, eternamente.
Sou de novo um náufrago
agarrado ao remo
de uma paixão que partiu
afogando-me na serenidade
das causas perdidas
enquanto de quando em vez
o mar rebenta com violência
nas margens da vida
desgastando os pensamentos
destruindo as flores
que permitem sonhar
e levando para longe
a beleza das mulheres que não pude amar.
A noite escura,
as águas revoltas
e eu só nessa luta
constante e intensa
para chegar mais longe
ao destino sem nome e sem lugar
onde possa, por fim
serenar.

algures, Junho do ano de dois mil e três

16 setembro, 2007

LEITURAS


Não é fácil reconstituir, mesmo que ficcionalmente, a vida de lugares, de gentes, de aldeias ou de povos, mesmo que tal reconstituição se afoite por tempos conturbados onde já se avizinha a mudança. As aldeias do norte tiveram sempre particularidades que as distinguem do resto do país. Pela rudeza da vida, pela agressividade da montanha, com o seu calor tórrido no estio e o seu frio branco no Inverno, pela natureza do terreno e pelos pequenos campos que eram mais sustento que lucro. Domingos Lopes, consegue fazer-nos um retrato da década de sessenta na aldeia de Amorim ali a espreitar a cidade da Póvoa de Varzim e o mar. Tentada pela pesca e seduzida por um terreno plano e fértil, a pequena aldeia irá ver crescer todos os sintomas que adivinhavam o fim de um tempo de intolerância e violência sobre o trabalho e a vida de quem o exercia como sobre toda a sociedade portuguesa. Em “Quando os Santos deixaram de ser Santos” e através do miúdo António Pequeno, mostra-nos uma comunidade que se interroga, que tem os seus resistentes, os que não desistem e sabem afrontar os que os apoquentam. O António Pequeno ao alcançar a adolescência começa a tropeçar com interrogações que lhe vão formando um formigueiro na mente e da impossibilidade de obter respostas, vai descrendo e ao mesmo tempo que descrê adquire confiança, sem chegar a perder os valores e as tradições que até então lhe foram formando o seu quadro mental. Até o amor com Isménia, superando desavenças e adversidades dá o toque de magia que perpassou então por todo este país que em breve se havia de libertar. Também a fantasia está presente nesta bonita estória que se lê com muito agrado, pela simplicidade da escrita e riqueza do conteúdo.

12 setembro, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, Amigos

Ontem lá fui a Lisboa. Já há muito que não via nascer o dia. Viajei do lado leste pelo que vi o azul marinho da noite clarear e o sol aparecer no horizonte. Foi a primeira vez que fui à Assembleia da República. Naquela Sala do Senado sente-se o ambiente do poder na imponência da sala. Lá disse de minha justiça. Depois andei por Lisboa a aguardar pela hora do comboio. A luz tem mais brilho na capital. É o Sul mais aberto e mais amplo. Passei pelas ruínas do Convento do Carmo e visitei os espaços da revolução. Visitei ainda uma Feira dita do livro manuseado. Manuseado e caro, porque é tudo barato, mas quando chegamos à caixa para pagar, temos de deitar metade fora. Ao fim da tarde, o comboio lá me trouxe. Vim a olhar para o dealbar do dia pelos campos e aldeias que marginam a linha. É bonito e sedutor esses momentos de serenidade. Ali pelo Baixo Vouga, o sol furou a carruagem e invadiu-nos o olhar. Por fim, foi a ponte e o granito da cidade, esta cidade que nos chama. Aproveitei para acabar de ler o Alçada Baptista. O fim é ainda mais patético do que o princípio. O homem acaba a branquear o fascismo e a dar glórias à liberdade, naturalmente à dele. Cansa-me já os que falam muito de liberdade, mas têm a barriga cheia. Difícil é ser livre com ela vazia. Depois falam de liberdade, mas pensam exclusivamente em si próprios, essa liberdade colectiva, comunitária, solidária, só existe nos seus pensamentos ao nível dos princípios. Ser livre, verdadeiramente livre é saber dizer não, mais, é ter coragem de dizer não, por isso é que eu digo que fui sempre um homem livre. Agora ele defende a liberdade, mas aquela em que a gente diz sim. Diz que abomina as ditaduras ao mesmo tempo que mostra que conviveu bem com a que tivemos. Enfim, não vou deixar de gostar do que ele escreveu no passado, pelo facto de escrever assim no presente. Esqueci-me apenas desse pormenor que o acto de escrever é um estado de graça e nem sempre é conciliável com a personagem que escreve. O homem e o escritor não têm necessariamente de coincidir. Só espero é que se vier a alcançar a idade dele e começar a dizer palermices, me dê qualquer coisa que me leve depressa.

"Talvez tu não saibas, araucana,
que quando, antes de te amar, me esqueci dos teus beijos
o meu coração ficou recordando a tua boca

e fui como um ferido pelas ruas
até compreender que havia encontrado,
amor, o meu território de beijos e vulcões.

PABLO NERUDA, "Cem Sonetos de Amor", in "Presentes de um Poeta"

"Se vocês disserem às pessoas grandes: «Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...», as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: «Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos». Então, já são capazes de exclamar: «Mas que linda casa!».

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Consequências da guerra do Iraque e do afrontamento que opõe a rede Al-Qaeda aos Estados Unidos e respectivos aliados, os atentados de 11 de Março em Espanha vieram dolorosamente lembrar que um ano após a ofensiva contra Bagdade o mundo se apresenta mais instável, violento e prigoso.
Contrariamente à promessa do presidente George W. Bush, a guerra «preventiva» na Mesopotâmia não reduziu a intensidade do terrorismo islamita. Muito pelo contrário. As suas ondas expansivas, ainda por cima fomentadas pela maneira desastrosa como a ocupação do Iraque está a ser levada a cabo, continuam a atingir territórios até então preservados: Bali, Arábia Saudita, Marrocos, Turquia - e agora a União Europeia. De forma odiosa, este terrorismo matou desta vez estudantes e trabalhadores, entre os quais numerosos imigrantes, em comboios da periferia de Madrid."

IGNACIO RAMONET, in "Le Monde Diplomatique", Abril de 2004

Porto, 14 de Abril de 2004

11 setembro, 2007

POESIA


A Canção Desesperada

Já não é o tempo da paixão
do espaço em que ocupavas toda a memória
em que trazia na lembrança o rosto, os gestos e as palavras.
Longe vai a intensidade e o ardor.
O amor afogou-se nas agruras de tristes lembranças.
Acabaram as mensagens escritas e faladas,
já não escuto palavras de esperança e de amizade
“é um silêncio sem ti”, dizias então.
O amor esfrangalhou-se num cortejo de equívocos.
Onde vão as poesias que te enviava em aves marinhas
nas asas de rainhas que voavam nos céus?
“Apagou-se dentro de mim
a campainha que chamava por ti”.
Parti, afastei-me. Esqueci-te.
Fiz promessas. Deixei de pensar que existias.
Só de longe a longe sinto a presença
dos teus passos apressados que já não são verdadeiros.
E sendo tudo verdade,
porque me visitas hoje num quarto de hotel silencioso
numa cidade do mundo?
Porque me inundas a memória com imagens
que não quero reter, como um fantasma que me perturba?
Que razão poderá justificar que o desejo
vença a vontade de te olvidar?
que te imagine como já não és e como
certamente nunca foste?
Porque te sinto próxima, quando te quero longe?
Não desejo que esta lembrança com
rosto, voz, carícias e palavras melosas, se transforme em tentação
Quero pensar,
noutro lugar, noutro rosto,
na pureza doutras intenções, na gentileza de outros gestos,
na ingenuidade de outro sorriso.
Preciso que me deixes, que desvaneças essa imagem de sombra,
que se apague esta chama de desejo.
Vira a proa da galera que negaste oferecer-me
e procura outro rumo, outro destino, outro oceano.
Deixa acender o farol que brilha nas minhas madrugadas.
Solta-me desse anel de fogo que semeaste
e permite-me descobrir de novo o amor,
que me possa apaixonar pela beleza de uns olhos castanhos
que possa lançar o meu arco de flechas
em direcção a um rosto verdadeiro.
Vai. Vai definitivamente para o mundo que escolheste
e deixa-me com a pureza dos meus sonhos
para que continue a acreditar como antes
quando ainda não existias.
Vai.
Vai e deixa-me seguir outro caminho.


Paris, 02 de Dezembro de 2004, numa noite de silêncio e desassossego com a imagem de uma mulher que já não existe, a queimar-me a alma

10 setembro, 2007

LEITURAS


Posso dizer que este período de férias que usufruo tem proporcionado boas leituras. Em “Trajectos”, de novo com Domingos Lopes, fui encontrar uma espécie de mundo perdido que toca a minha adolescência que chega à fase adulta. Na verdade, não são todas as gerações que podem assistir ao ruir de um velho mundo e ao nascimento de um outro, não só novo como verdadeiro, no interior de uma imensa explosão de alegria e felicidade. Também não são todas as gerações que podem viver os seus anos mais jovens crescendo com valores carregados de idealismo, de aventura, de romantismo e de muita, muita coragem. É da juventude de uma geração que hoje envelhece que o autor nos fala, pelo menos, de uma parte dela, aquela ligada às universidades, ao saber, à vida académica, à intelectualidade. Claro que existiu nostalgia ao ler as imagens que iam sendo descritas dessa vida por Coimbra e Lisboa tão semelhante à que então se vivia no Porto e daqui se observava. As férias no Minho, o Congresso de Aveiro, personagens que reflectiam incoerência, dúvidas, hesitações. Esta leitura, trouxe lembranças, recordações, e alimentou vontades de reconstituir tempos que marcaram um época e uma geração. Foi de facto, uma boa leitura.

09 setembro, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Pois é, que grande fim de semana. Na 6ª Feira uma amiga telefonou-me a desejar boa Páscoa e a convidar-me para tomar um café no Sábado, convite que aceitei, mas no Sábado voltou a telefonar a dizer que não podia. De certa forma, ainda bem; os encontros com ela trazem-me sempre à memória aquela canção do Chico Buarque, afasta de mim, esse cálice, pai.... Bem, entretanto acabei a tomar outro café numa longa conversa de 4 horas. Há muito tempo que não falava assim, da vida, dos Homens e do mundo. Enquanto isso, pelas terras milenares de Nínive, de Nabucodonosor, dos Hititas, desse berço da civilização entre o Tigre e o Eufrates cresce a resistência ao invasor. Os rebeldes só podem escrever páginas belas na história. Num ano, passaram de terroristas a rebeldes e estão a escrever com sangue a história da sua pátria. Ontem derrubaram mais um helicóptero de combate que o ocupante ainda andava a ver quem tinha sido. Até me lembrei de perguntar à minha vizinha, pois o filho por vezes ao jogar a bola deita algumas coisas abaixo. Mas não, não tinha sido, foram mesmo os iraquianos. Ironia da história, os libertadores já mataram mais pessoas do que o ditador.
No Natal ofereceram-me um livro do prémio Nobel do ano passado. Não conhecia a obra do sul-africano, Cotzee. Li com muito agrado. Uma história simples que nos prende de princípio ao fim. Uma pequena localidade de fronteira vista por um homem já com alguma idade e que alcançou aquele momento em que temos tempo para tudo. Um relato das sevícias do poder e dos poderes, dos torturadores e dos que mandam nos prisões que castram os Homens.
Ofereceram-me também outro livro do Alçada Baptista. Dele conhecia livros bonitos como, Nós e os Laços e a Tia Susana Meu Amor. Depois, perdi-lhe um pouco o rasto. Agora encontrei-o a contar memórias e veio ao de cima esse sentimento burguês que muitos esconderam ou silenciaram. Agora veio falar das suas origens e da sua vivência, dos seus laços com o fascismo e outras coisas. Fá-lo com bonomia e deitando fora a culpa, não vê nada de mal nessas ligações perigosas. Afinal, não havia luta de classes e todos se davam bem num tempo em que a Europa vivia mergulhada em guerras. Que candura! Como ele diz, era da burguesia, mas da da província, como se esta fosse diferente. É como se dissesse que é preto, mas tomou banho. Fala da liberdade e dos comunistas que eram homens bons como o poeta José Gomes Ferreira, depois diz que não quer dizer que os outros fossem maus, mas...., acabei por não saber se fiquei do lado dos bons ou dos maus. Não, não vou deixar de gostar do que escreveu por causa desta leitura. Entristeceu-me apenas e ajudou-me a compreender algumas afirmações suas no passado.
Bem, acabei o Domingo a ver à noite o Romeu e Julieta com toda a riqueza da representação britânica. E a Julieta era linda de morrer. Frágil como eu gosto de ver as mulheres. Frágil, mas não angélica. Tenho medo dos ares angelicais. Estes prometem-nos tudo, chamam-nos, abrem-nos a porta e vão sempre recuando, fugindo. As mulheres de ar frágil, não. São fortes, corajosas e têm uma ternura que transborda pelo olhar. A Julieta de ontem, era assim.

VIA-LÁCTEA

Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras coisas canto
Muito diversas das que outras ouvistes.

Mas amastes, sem dúvida... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço coisas tristes,
Que mais alijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive:
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.

OLAVO BILAC

"Nessa altura, o cientista apresentou uma grande exposição da sua descoberta a um Congresso Internacional de Astronomia. Mas ninguém o levou a sério por causa da maneira como estava vestido. As pessoas grandes são assim.
Felizmente que, para a boa reputação do asteróide B612, um ditador turco se lembrou de impor ao seu povo, mas impor-lhe sob pena de morte, que passasse a trajar à europeia. O astrónomo voltou a fazer a sua demonstração em 1920, mas agora muito bem posto. E toda a gente o aceitou."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"Mas o Estado-Providência é, ainda, um Estado; e um Estado social. A sua emergência está em linha de continuidade com o desenvolvimento dos Estados-nação modernos, enquanto formas de organização política de comunidades nacionais, assegurando funções de representação delas e de integração nelas das populações."

AUGUSTO SANTOS SILVA, in "Parte de Vida"

Porto, 12 de Abril de 2004

08 setembro, 2007

POESIA


AGORA és ainda

Agora és ainda
a leve brisa de ternura
que acaricia este olhar sem brilho

a lembrança do impossível
tornado sonho sem destino

um sorriso quente
nas minhas tristes tardes solitárias

um rosto belo que recorda
pétalas de beijos que não existiram

a doce esperança
entre farrapos de nuvens

a luz que brilha
na noite escura da minha memória

a jovem mulher
que esvoaça entre desejos esquecidos

o farol luminoso
na amurada da minha alma

Agora és ainda
a estrela d'alva
que queria amar.

Santo Tirso, 19h00 de um dia triste carregado de nuvens cinzentas e o pensamento a esvoaçar por entre cabelos da cor do trigo de um 6º piso qualquer.

07 setembro, 2007

LEITURAS


Um espaço de férias, permitiu-me o prazer da leitura de um pequeno e belo livro de Domingos Lopes, “O homem que falava”. Numa escrita bem desenhada, o autor relata-nos o diálogo de um velho açoriano que ultrapassados os noventa anos engana a solidão, falando, consigo próprio ou quem tenha a paciência para o ouvir. Baleeiro, pescador, emigrante, homem de inúmeras profissões e por força da idade de muitos tempos e espaços, vai descrevendo a sua vida, os seus medos, as suas experiências e tecendo considerações, aquilo que designamos por opiniões, dos acontecimentos que viu e que continuam a acontecer em seu redor. Marcado por um casamento que durou meses por morte da mulher a quem jurou fidelidade na hora da partida é assombrado na velhice por essa mulher que não mais esqueceu, o mesmo já não podendo dizer da fidelidade que prometeu, pois se é certo que não casou, não é menos verdade que não se inibiu de saciar essa fome carnal que acode naturalmente aos seres humanos e só uma profunda vontade pode impedir que assim não aconteça. O seu falar é um relato corrido que se lê num fôlego, pois Domingos Lopes usou a pena de forma brilhante, colocando o leitor no papel de ouvinte e, com que atenção “escutamos” aquele falar, aquelas histórias, aquela vivência plena de tudo. O livro, pode não ser uma viagem aos Açores, mas é, sem dúvida, um admirável exercício de leitura que não devemos perder.

04 setembro, 2007

POESIA AO AMANHECER


Bom dia, meus Amigos

Nos últimos dias dei comigo a pensar duas vezes nessa coisa da auto-estima. No Sábado quando estava a viajar de eléctrico apercebi-me que a marginal está muito bonita e que o Porto histórico é também ele muito belo. O resto da cidade está descaracterizado como qualquer outra, mas a parte mais valiosa, mais turística, mais para os outros verem, tem-se recomposto e nós, que tantas vezes damos valor, e com razão, ao que vemos no exterior, porventura não estaremos a valorizar o nosso o quanto basta. É possível que esta nossa postura crítica advenha de uma questão cultural ou dos dirigentes que sempre tivemos. Quanto à cultura, admito. País pequeno, constrangido entre a Espanha e o mar, pobre de riquezas, com excepção da natureza e da simpatia, isolados, provavelmente fomos construindo essa forma de estar que parece conduzir à incapacidade. Por outro lado, essa camada que sempre nos dirigiu, megalómana, inculta, exibicionista, incapaz de programar e planear, cuidando só de si e apenas de si, gente que não vale mesmo nada, levam-nos frequentemente para becos sem saída. No entanto, somos a nação com mais séculos de história, de maior coerência linguistica e nacional e "meia dúzia" de habitantes fomos capazes da gesta sonhadora de, por entre infinitos de azul, dar novos mundos ao mundo. Depois, claro, vem o sentimento de culpa que de imediato afastamos para alguém. A culpa é sempre do outro. Nós temos sempre um argumento desculpatório. Veio isto a propósito dum fórum onde estive ontem sobre sinistralidade rodoviária. Num determinado momento alguém teve a infeliz ideia de pôr a falar as mães das vítimas, neste caso mortais. Entre choros e lágrimas, o que eu percebi é que os acidentes tinham resultado de despistes ou por culpa do condutor, mas, naturalmente que as mães, achavam que os seus filhos eram jovens na flor da vida e que alguém tinha de fazer alguma coisa. Nunca eu, mas alguém, um ser indefinido em quem desejamos acreditar. Como Deus nem sempre tem paciência para nos aturar e não há mais ninguém para além de nós, vamos morrendo aos poucos, os jovens também por essas estradas fora.

PLATEIA

Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

MIGUEL TORGA


"Foi assim que vivi sempre sozinho, sem ter ninguém com quem falar, mas falar a sério, até ao dia em que, há seis anos, tive uma avaria em pleno deserto do Saara."

ANTOINE SAINT-EXUPÉRY, in "O Principezinho"

"O Estado-Providência é um Estado social. É a forma política que assume, no século XX europeu e norte-americano, a nova «sociedade salarial» - a sociedade onde a condição assalariada se dissemina e deixa de constituir sinal de indignidade, para se tornar o patamar onde assentam a identidade e o estatuto social."

AUGUSTO SANTOS SILVA, in "Parte da Vida"

Porto, 08 de Abril de 2004

03 setembro, 2007

POESIA


Flor amarela

A cidade está deserta
o mar refugiou-se no horizonte
pássaros gritam voando longe

A noite já não dorme
o sol ainda não brilha
e o silêncio abate-se sobre as coisas

Olho para mim e estou só
na mão direita solitária uma rosa

uma flor amarela

que não te posso oferecer
mas eternamente será tua.

Porto, madrugada de 26 de Setembro de 1997. A sétima e última das Canções Desesperadas

Free Web Counter
Site Counter